A FALECIDA DRA The Late Mrs. Anna Kingsford, M.D. – Helena Petrovna Blavatsky

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5. A CRUZ

 

            “No presente momento há duas coisas da religião cristã que devem ser óbvias para todas as pessoas de discernimento; a primeira, que os homens não podem viver sem ela; e a segunda, que eles não podem viver com ela assim como ela está”. [The Perfect Way; or, the Finding of Christ (O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo), p. 71]

 

            “E é sempre pela crucificação e morte na cruz da renúncia daquele velho Adão, o ser inferior, e a ressurreição e ascensão para uma condição de perfeição verdadeira que a salvação é finalmente alcançada”. [Addresses and Essays on Vegetarianism (Palestras e Ensaios sobre o Vegetarianismo), capítulo O Vegetarianismo e a Bíblia, p.222].

 

 

VIVIANE: O que é a Cruz?

 

ARNALDO: É o símbolo maior do Cristianismo. No livro The Perfect Way (O Caminho Perfeito), a Dra. Anna Kingsford e Edward Maitland relembram da antiguidade e universalidade da Cruz como símbolo da vida física e espiritual:

 

            “Em primeiro lugar, vamos relembrar ao leitor, a Cruz e o Crucificado são símbolos que vêm desde as idades pré-históricas, e podem ser encontrados nas ruínas de monumentos, nos templos e em sarcófagos de muitas nações – dos coptas, etíopes, hindus, mexicanos e dos tártaros. Nos ritos desses povos, e especialmente nas cerimônias de Iniciação celebradas nas Lojas dos Mistérios, a Cruz tinha um lugar proeminente. Ela era desenhada na fronte do neófito com água ou óleo, como agora no Batismo e na Crisma (Confirmação) dos católicos; ela era bordada nas vestimentas sagradas, e carregada nas mãos do hierofante celebrante, como pode ser observado em todos os desenhos religiosos egípcios. E esse simbolismo foi adotado e incorporado na teologia cristã, não, contudo, através de uma tradição meramente imitativa, mas porque a Crucificação é um elemento essencial na trajetória do Cristo. Pois, como diz o Mestre, ao expor os segredos do ofício de Messias: “Não deve o Cristo sofrer tais coisas, e assim entrar em sua glória?” Sim, pois essa Cruz de Cristo – o Febo espiritual – é feita pela passagem equinocial do sol ao cruzar a linha da Eclíptica – uma passagem que aponta, de um lado, para o descenso até o Hades [Inferno]; e, de outro lado, à ascensão ao reino de Zeus, o Pai. É a Árvore da Vida; o Mistério da Natureza Dual, masculino e feminino; o Símbolo da Humanidade aperfeiçoada, e da Apoteose do Sofrimento. Ela é traçada por “nosso Senhor, o Sol” no plano dos céus; ela é representada pelas forças magnéticas e diamagnéticas da Terra; ela é vista nos cristais de gelo e nos flocos de neve; a própria forma humana está moldada segundo seu padrão; e toda a natureza em suas múltiplas esferas sustenta a marca desse símbolo, que é ao mesmo tempo a profecia e o instrumento de sua redenção”. (p.106)

 

            “Sua quádrupla aplicação à doutrina do Sacrifício (Expiação), tendo um significado separado para cada esfera da natureza do homem. Desses significados o primeiro é o do físico e externo, denotando a crucificação ou rejeição do Homem de Deus pelo mundo. O segundo é intelectual, e denota a crucificação ou conquista, no homem, de sua natureza inferior. O terceiro, que se refere à Alma, implica a paixão e oblação (oferecimento) de si mesmo, por meio do que o homem regenerado obtém o poder – pela demonstração da supremacia do Espírito sobre a Matéria – de tornar-se um Redentor para os outros. O quarto, pertencente à esfera Celestial e mais interna, denota o perpétuo sacrifício da Vida e Substância de Deus para a criação e salvação de Suas criaturas. A natureza panteísta da verdadeira doutrina”. (p. 95)

 

 

VIVIANE: Qual a base do Cristianismo?

 

ARNALDO: O Cristianismo é um conjunto de doutrinas e rituais que remonta, entre outras, à tradição mística judaica, onde os essênios com sua influência budista se situavam, e aos Mistérios gregos e romanos. Esse conjunto é complementado com ensinamentos do Cristo Jesus, que são de um lado suas parábolas, quanto ao seu ensinamento público e, por outro lado, aqueles ensinamentos que podemos chamar dos Mistérios de Jesus, que Ele passava aos seus discípulos, e que são aludidos nos Evangelhos sob a forma de “a vós é dado conhecer os mistérios”. Podemos aqui relembrar da passagem dos Evangelhos em que isso é dito.

 

            “E chegando-se a Ele os discípulos, perguntaram-lhe: Por que lhes falas por parábolas? Respondeu-lhes Jesus: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado”. (Mateus 13:10-11)

 

            O Cristianismo trouxe ao mundo uma síntese do que havia de mais sagrado em todas as grandes tradições pretéritas e a revestiu com uma roupagem que foi adaptada ao Ocidente. Isso se deu sob a forma da continuidade de alguns dos principais símbolos e ritos pertencentes aos Mistérios greco-romanos, especialmente os Mistérios de Baco, onde se destacam os símbolos do pão e do vinho.

            Esses símbolos estão consubstanciados, sobretudo, no rito sacramental da Eucaristia, em que há uma consagração e um compartilhar do pão e do vinho, referido como o corpo e o sangue do Cristo, e que, além de toda a magia do ritual, aludem aos alimentos da alma. Primeiramente, aludem aos conhecimentos dos antigos Mistérios Menores, que são simbolizados pelo Pão, mas também à sabedoria dos Mistérios Maiores, que é simbolizada pelo Vinho – a vida, a própria vida, a comunhão viva com a Realidade Divina.

 

 

            “Uma vez erguido o véu do simbolismo da face divina da Verdade, todas as Igrejas são similares, e a doutrina básica de todas é idêntica (...). Grega, Hermética, Budista, Vedantina, Cristã – todas essas Lojas dos Mistérios são essencialmente unas e são idênticas em doutrina. (...)

            Nós sustentamos que nenhum credo eclesiástico isolado é compreensível somente por si mesmo, se não for interpretado com o auxílio de seus antecessores e de seus contemporâneos.

            Por exemplo, estudantes de teologia cristã somente aprenderão a entender e a apreciar o verdadeiro valor e significado dos símbolos que lhes são familiares por meio do estudo da filosofia oriental e do idealismo pagão.

            Pois o Cristianismo é o herdeiro dessa filosofia e desse idealismo, e o que há de melhor em seu sangue vem das veias dessa filosofia e desse idealismo.

            E visto que todos os seus grandes antecessores ocultaram por trás de suas fórmulas e ritos externos – os quais são meras cascas e coberturas para entreter os pobres de entendimento – as verdades internas ou ocultas reservadas ao iniciado, assim também o Cristianismo reserva aos buscadores sérios e aos pensadores mais profundos os Mistérios internos verdadeiros, que são unos e eternos em todos os credos e igrejas desde o princípio do mundo.

                        Esse significado verdadeiro, interior e transcendental é a Presença Real velada nos Elementos do Divino Sacramento: – a substância mística e a verdade simbolizadas sob o pão e o vinho das antigas orgias de Baco, e agora da nossa própria Igreja Católica.

            Para aquele não sábio, que não pensa profundamente, que é supersticioso, os elementos físicos são a finalidade do rito; para o iniciado, o vidente, o filho de Hermes, eles são apenas os sinais externos e visíveis daquilo que é sempre, e necessariamente, interno, espiritual e oculto”. [The Life of Anna Kingsford (A Vida de Anna Kingsford), Vol. II, pp. 123-124.]

 

            “Minha iniciação foi greco-egípcia e, portanto, me lembro da verdade principalmente na linguagem e segundo o método dos mistérios báquicos, os quais são, na verdade, como você sabe, a fonte imediata e molde dos mistérios da Igreja Católica Cristã”. [The Life of Anna Kingsford (A Vida de Anna Kingsford), vol. II, p. 167]
 

 

            Nessa síntese, o Cristianismo traz de forma clara – embora alegórica – um ensinamento acerca das fases ulteriores ou finais da trajetória da alma humana em seu retorno à Casa do Pai, ou seja, das etapas finais da evolução humana. Esses ensinamentos estão contidos nos eventos cruciais da vida do Cristo Jesus, conforme relatados nos Evangelhos, porque esses momentos cruciais simbolizam as cinco Grandes Iniciações, por meio das quais o homem alcança a libertação ou a união com a Divindade – união que no Budismo é referida como Nirvana.

            É especialmente nesse sentido – na revelação do Caminho das Grandes Iniciações – que o Cristianismo veio complementar o Budismo, deixando clara essa ligação entre o humano e o divino ao trazer mais explicitamente esses ensinamentos sobre as etapas finais da evolução humana.

 

 

VIVIANE: O que são as Iniciações?

 

ARNALDO: Iniciações são expansões de consciência, são momentos críticos na trajetória da Alma em que agora você não é mais o mesmo que era até então, pois o que você era foi transcendido em consciência, a ponto de não voltar mais a ser o que era antes. Fazendo uma comparação bastante simples, é como quando o menino se torna homem ou a menina se torna mulher. Nas Iniciações há experiências em níveis cada vez mais profundos de fusão espiritual, cada uma delas marcando o início de uma nova etapa ou grau de elevação espiritual, nos quais aquilo que existia ganha uma nova dimensão de conhecimento espiritual ou gnose.

            Como dissemos, os ensinamentos alegóricos à respeito das Iniciações aparecem nos eventos cruciais da vida do Cristo Jesus nos Evangelhos. Esses momentos são o Nascimento, o Batismo, a Transfiguração, a Crucificação e a Ressurreição. Como auxilio para a vida dos cristãos, alguns desses ensinamentos também foram traduzidos sob a forma dos principais Sacramentos, que são como cerimônias e bênçãos especiais que marcam a vida dos cristãos e que refletem, em alguma medida, como uma miniatura, a realidade da verdadeira glória e da grande bênção que são as Iniciações.

 

 

VIVIANE: Desde o nascimento os Sacramentos estão presentes na vida dos cristãos e assim eles parecem ser peça chave dentro do Cristianismo.

 

ARNALDO: De fato, são muito importantes dentro da tradição cristã, mesmo com toda a deturpação que sofreram. Apesar disso, alguns deles se mantêm como chamas vivas de magia cerimonial e como símbolos que aludem alegoricamente às verdades fundamentais transmitidas pelo Cristo Jesus. Refiro-me especialmente ao Sacramento da Eucaristia com os símbolos que já nos referimos, do consagrar e do compartilhar do pão e do vinho.

 

 

VIVIANE: Além da Eucaristia, quais são os principais Sacramentos e seus significados?

 

ARNALDO: Temos inicialmente o Batismo, que se refere a um novo nascimento, que corresponderia, em miniatura, ao ingresso consciente no corpo de Cristo. Esse Sacramento, alegoricamente, refere-se a uma das Grandes Iniciações e o cristão, nesse rito, recebe uma bênção que é uma alusão a uma das grandes expansões de consciência no caminho das Iniciações. Esse é um momento repleto de simbologias, como as contidas nos elementos da água e do sal, que são parte essencial desse Sacramento. No caso da água existe, por exemplo, a idéia da purificação, representando o abandono de uma condição passada e emergindo em uma condição superior, com a purgação do que se deixa para trás nessa purificação. Como se refere na Bíblia, a chama do Espírito Santo confere no Batismo uma clareza, uma profundidade, uma consciência até então não alcançada.

            Depois temos o Sacramento da Crisma, em que é feita uma confirmação daqueles primeiros passos, depois de um período de provação. Nesse Sacramento, o principal elemento usado é o óleo, que faz alusão à unção indelével que está referida na própria palavra Cristo ou Ungido. Considera-se que nesse Sacramento ocorre uma efusão especial do Espírito Santo, como uma miniatura daquela ocorrida pela ocasião do Pentecostes, resultando em um aprofundamento da bênção do Batismo, unindo ainda mais a pessoa ao Corpo de Cristo.

            Já nos referimos ao Sacramento que viria na sequência na vida do cristão que é a Eucaristia e que guarda a vida e simbologia de maior significado.

            Há ainda o Matrimônio, em que o homem e a mulher se unem. É um Sacramento igualmente revestido de grande simbologia mística, pois nele está representada a união do homem e da mulher, porém não como indivíduos separados, mas como símbolos das partes homem e mulher que existem dentro de cada um. Esses são símbolos da dualidade fundamental que compõe todo ser humano. Nessa harmônica e feliz união estão contidas as bases de toda realização espiritual superior.

 

 

            “Nenhuma das Duas Metades, separadamente, é um Homem. Pois – como já foi dito – aquilo por meio do que o homem alcança a condição de ser homem (ou plena virilidade) é a mulher. É o seu poder de reconhecer, apreciar e conquistá-la, que o marca, fisicamente, como homem. Ela é que, o influenciando por meio das afeições nele despertadas, o tira de sua trajetória externa e sem objetivo definido, na qual, quando deixado por si mesmo, ele cedo ou tarde ficaria disperso e perdido; e quem, ao atraí-lo em torno de si mesma, como um centro, o redime e o transforma em um sistema capaz de auto perpetuação, ao mesmo tempo em que suplementa e complementa suas qualidades masculinas, tais como a força e o intelecto, com suas qualidades femininas, tais como a resistência, o amor e a intuição. Desse modo, pela adição de si mesma, ela o transforma em um Homem.

            Não é à metade masculina do dualismo formado pelos dois, que o termo Homem é adequadamente aplicável, mais do que à metade feminina. Nenhuma das duas metades, separadamente, é um Homem; e é por causa de um desafortunado defeito da linguagem que a metade masculina do homem é chamada de homem. Ele é um homem masculino, e ela é um homem feminino. E somente quando casados, isto é, quando fundidos, em uma unidade, por meio de um perfeito casamento, que resulta um Homem. Os dois juntos, desse modo unidos, compõem uma unidade humana – como a terra e a água compõem uma Terra – e por seu poder de auto perpetuação e multiplicação demonstram a completude e perfeição de seu sistema”. [The Perfect Way; or, the Finding of Christ (O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo), pp. 181-182]

 

 

            Existe também o Sacramento da Ordenação, em que o poder sacramental é transmitido de uma geração para outra no plano terreno, mas esse Sacramento também simbolicamente, e em miniatura, faz alusão à existência da Igreja Celestial e da Comunhão dos Santos. Os que alcançam os níveis mais elevados da evolução humana, que são Iniciados, passam a participar de forma permanente de um Corpo Celestial referido no Cristianismo como a Comunhão dos Santos. A criação da hierarquia da igreja terrena reflete em nosso plano, em alguma medida, a realidade sagrada da Hierarquia Celestial.

            Há ainda outros Sacramentos, mas creio que aqueles citados são os que mais refletem as realidades gloriosas das grandes Iniciações.

            Esses Sacramentos, além de se constituírem de bênçãos e ensinamentos para a vida comum, simbolizam e aludem a essas realidades maiores, místicas ou transcendentais.

 

 

VIVIANE: Você fala desses símbolos presentes na Bíblia, mas para quem não tem conhecimento fica difícil o entendimento. Parecem histórias soltas, sem sentido, sem ligação.

 

ARNALDO: É preciso aprender a interpretar a mensagem das Escrituras Sagradas, das Bíblias do mundo, inclusive da Bíblia cristã. Quem observa literalmente acha que a Bíblia é cheia de contradições. Quando você entende que ela foi escrita para ser uma alegoria – como um conjunto de grandes parábolas – a respeito dos processos da evolução da Alma humana tudo ganha novo sentido. Todos os ensinamentos na Bíblia que têm valor real e permanente são ensinamentos espirituais a respeito da evolução da Alma humana, do Gênesis ao Apocalipse. O mesmo acontece com os outros textos sagrados como os Upanishads, os Vedas, o Mahabarata etc.

 

 

            “Quanto aos evangelhos, eles são quase que inteiramente alegóricos. A religião não é histórica, e de forma alguma depende de acontecimentos passados. Pois, a fé e a redenção não dependem daquilo que qualquer homem fez, mas daquilo que Deus revelou. Jesus não foi o nome histórico do iniciado e adepto cuja estória é relatada. É o nome que lhe foi dado na iniciação. Seu nascimento, a maneira que ocorreu, o episódio em que ele se perdeu e foi encontrado por seus pais no templo, e o ficar três dias na tumba – tudo é alegórico, bem como a história de sua Ascensão. As Escrituras são dirigidas à alma, e não fazem nenhum apelo aos sentidos externos. Toda a história de Jesus é um aglomerado de parábolas, sendo que as coisas que lhe ocorreram foram usadas como símbolos. Desse modo, a Crucificação representa os sofrimentos da alma; a Ressurreição sua transmutação; e a vida e Ascensão são uma profecia do que é possível para o homem”. [Clothed with the Sun (Vestida com o Sol), p. 86]
 

 

            Todas essas grandes Escrituras estão também repletas de acréscimos efêmeros e incongruentes que foram sendo acrescidos pela ignorância sacerdotal ao longo dos milênios. Por isso, é decisivamente importante lembrar o alerta do Apóstolo Paulo de que “a letra mata” e que a leitura lúcida, espiritual, essa é que dá vida (2 Coríntios, 3:6).

            É essa leitura lúcida, espiritual, que nos permite separar o joio do trigo, pois essas Escrituras que contêm, em símbolos e alegorias, e que espelham, por assim dizer, a Sabedoria Divina, também estão repletas da ignorância humana, que lhes foi sendo acrescida ao longo dos tempos. Com isso em mente, fica claro porque a idolatria e o fanatismo são pecados mortais quanto à compreensão, quanto à luz e ao bem que possam advir das Escrituras Sagradas.

 

 

            “Se apenas uma vez pudermos ler a Bíblia com a visão não obscurecida pelo véu de sangue, e não distorcida pelo preconceito, então todo o seu mistério – o mistério de nossa queda e de nossa redenção – torna-se claro como o céu sem nuvens. Pois, então, podemos identificar como algo que ocorre em nossas próprias almas todo o processo, desde o começo até o fim, que a Bíblia, do Gênesis até o Apocalipse, apresenta sob a forma de símbolos e parábolas, precisamente como fez Nosso Senhor ele mesmo”. [Addresses and Essays on Vegetarianism (Palestras e Ensaios sobre o Vegetarianismo), capítulo O Vegetarianismo e a Bíblia, p.221]

 

 

            E os textos, os símbolos, as parábolas – incluindo aqui as narrativas da vida do Cristo Jesus nos Evangelhos – todas essas Escrituras estão aí para serem interpretadas. Isso ganha especial relevância em nossa época de predomínio da ciência materialista e superficial, mas que é ao mesmo tempo lógica. Nessa época, uma explicação consistente e lógica das Escrituras é necessária para que o ser humano de maior poder pensante de nossos dias possa substituir as hipóteses materialistas por ensinamentos espirituais, com todas as imensas consequências benéficas que essa substituição acarreta.

 

 

VIVIANE: Você poderia dar exemplos de alguns símbolos e suas interpretações?

 

ARNALDO: Há muitos exemplos. Estamos trabalhando em uma obra que visa exclusivamente ser um compêndio, uma coletânea das interpretações desses símbolos místicos, especialmente do Cristianismo. Vejamos alguns exemplos dessas interpretações.

 

            Adão e Eva no Paraíso

 

            Adão simboliza os corpos inferiores ou a parte inferior do ser humano. Eva simboliza a Alma ou a parte superior da dualidade que compõe o ser humano – ela pode inspirar ou elevar o Adão, o homem da dualidade humana, ou pode ficar escrava das limitações da parte inferior do ser humano. Eva representa a Alma que se tornou cativa das ilusões da mente e dos sentidos inferiores, enquanto Maria, a Mãe do Deus em nós, significa a Alma purificada e liberta das ilusões, da materialidade inferior, no seio da qual nasce o Menino Jesus, que mais tarde se torna o Cristo em nós, a esperança de glória, a apoteose da realização espiritual.

 

 

            “Eva – a Consciência moral da Humanidade – sujeita a Adão – a Força Intelectual – de onde advém em abundância todo tipo de mal e confusão, uma vez que seu desejo é direcionado a ele, e ele rege sobre ela até agora. Mas o final predito pelo Vidente não está distante”. [Clothed with the Sun (Vestida com o Sol), p. 13]
 

 

            A Cobra representa nossos sentidos. No Budismo diz-se que a pessoa vai atrás da Cobra dos sentidos. Essa alegoria da Eva seduzida pela Cobra e levando o Adão junto, para fora do Paraíso, significa que se a Alma segue os sentidos, ela leva os corpos inferiores junto. Se Adão e Eva (o homem e a mulher em nós) se reencontram novamente, eles criam, dão a vida, espiritualmente.

            Assim como no mundo físico é a mulher quem leva o homem à maturidade humana, por analogia é a Mulher, ou a Alma em nós, que conduz o ser humano à maturidade espiritual. Quando o Adão em nós, o Homem em nós, segue, descobre e se funde num casamento místico com a Eva, a Mulher em nós, o ser humano alcança a maturidade espiritual. Somente então nos tornamos realmente humanos.

            É o conhecimento, a fusão ou o casamento da nossa consciência inferior com a nossa consciência superior que nos torna humanos. Se o Homem ou o Adão no ser humano não conhece, não se casa com a Mulher ou a Alma (Eva, Maria) dentro dele, não há criação verdadeira, não há humanidade verdadeira, não há amor verdadeiro, não há luz do espírito – a luz do Menino Jesus e, mais tarde, o Sol do Cristo, da Glória Divina dentro de nós.

 

 

            “Se Cristo liberta a humanidade da maldição de Adão, de modo que os Apóstolos o chamam de segundo Adão, no qual todos os homens são tornados vivos, Maria nos liberta da maldição de Eva, ao expiar através de perfeita obediência a desobediência de Eva. Assim, a promessa feita para Eva é transferida para Maria, a qual, como segunda Eva, esmaga a cabeça da serpente e se torna Mãe de Deus. Tanto o arcano como o símbolo permanecem idênticos, de modo que Eva e Maria representam apenas um e o mesmo princípio no homem. Esse princípio é a Alma – anima divina – o Ser interior e espiritual, o qual todos os escritores místicos consideram como feminino, e que, através da união com o influxo descendente do Espírito Santo, concebe nele (homem) a vida divina, e faz surgir Emanuel, o Deus-em-nós”. [The Credo of Christendom (O Credo do Cristianismo), p. 230]
 

 

            Essa parábola do começo da Bíblia, do Gênesis, vem de muito tempo, já foi recebida pelos antigos judeus, os quais trouxeram do Egito e de outros povos, como os da Mesopotâmia. Como disse, nela, a Mulher, a Alma dentro de nós, fica atraída pelo apelo dos sentidos, que é simbolizado pela Cobra oferecendo o Fruto Proibido.

            Assim, a queda da Mulher em nós, a queda das nossas Almas, da Alma de cada um de nós, acontece quando ela é atraída externamente para a materialidade dos sentidos, sobretudo a materialidade e a dualidade criada por nossa mente concreta, que é como o Rei dos Sentidos, a parte mais poderosa do Homem em nós.

            Essa mente – nossa imaginação e nosso pensamento concretos – compõe as imagens, as compara e nos vê como coisas separadas dos demais. Daí a dualidade, a separatividade, com a ilusão que isso é a realidade. Como naquela passagem de uma obra clássica da literatura mística:

 

            “Quem quiser ouvir a voz de Nâda (*), o Som Insonoro, e compreendê-la, tem de aprender a natureza de Dhâranâ (**).

            Tendo se tornado indiferente aos objetos de percepção, o discípulo deve buscar o rajah [rei] dos sentidos, o produtor de pensamentos, aquele que desperta a ilusão.

            A mente é o grande Assassino do Real.

            Que o Discípulo mate o Assassino.

                        NOTAS

(*) A Voz Insonora, ou a “Voz do Silêncio”. Literalmente talvez devesse ser lido “Voz no Som Espiritual”, pois Nâda é a palavra sânscrita equivalente ao termo do Senzar [língua sagrada dos Mistérios].

(**) Dhâranâ é a intensa e perfeita concentração da mente em algum objeto interior, acompanhada de abstração completa de tudo o pertinente ao universo externo, o mundo dos sentidos”. (A Voz do Silêncio, p. 45).

 

            Tudo isso é simbolizado pelo Homem dentro de nós, na alegoria da Escritura. Quando a Mulher dentro de nós cai submetida por esse nível externo, simbolizado pelo Homem em nós, isso se constitui na Maldição de Eva, citada na obra Vestida com o Sol. Então temos que resgatar a Mulher, que restaurar a nossa Rainha, em todos os sentidos. Não apenas, e não principalmente, quanto aos direitos do ser humano feminino, porém, sobretudo na afirmação da Mulher, da Rainha dentro de nós, sejamos nós seres humanos masculinos ou femininos. Devemos resgatar a realidade e a vivência da Alma dentro do ser humano. Isso significa o soerguimento da Mulher nas Escrituras, que está representado, entre outras mulheres, principalmente por Maria.

            Maria simboliza a restauração, a elevação, o soerguimento de Eva, com a representação bíblica de dar à luz virgem ao Menino Jesus. É essa Eva cuja realeza foi restaurada que dá à luz o Menino Jesus dentro de nós. É ela que ao voltar-se para o Alto, para o Divino, libertando-se do domínio do Homem, principalmente da dualidade da mente concreta, gera a Divina Criança da verdadeira consciência espiritual dentro de nós.

 

            Jesus Nascendo de Maria Virgem

 

            Nenhuma mulher dá à luz virgem – nem Maria deu. A Virgindade simboliza a pureza, e Maria dando à luz virgem significa que é a Alma purificada que pode dar nascimento ao Menino Jesus dentro de nós. A Alma, quando sujeita aos sentidos e à mente concreta, é simbolizada por Eva. Porém, quando liberta da escravidão dos sentidos e da mente concreta, do Adão ou da parte Homem em nós, pode dar nascimento ao Menino Jesus dentro de nós.

            Quando o Homem em nós, o Adão ou o José em nós, encontra-se com a Alma, há a verdadeira criação. O ser humano se torna íntegro, inteiro, e dá nascimento ao Menino Jesus, a consciência espiritual dentro de nós.

            Nossa Alma alcança a libertação pelo exemplo de Maria, alegoricamente. Maria representa a entrega a Deus, ao Espírito Santo. O Anjo aparece e lhe diz que ela vai dar à luz. Ela se assusta e pensa: “Mas e o meu marido? E José?”. Essa é a oscilação da Alma. Mas Maria mostra confiança irrestrita em Deus, uma confiança que nasce da fé, a verdadeira fé.

            Essa palavra “fé” se origina da palavra fides, que significa fidelidade, sintonia. Maria tinha essa fidelidade, essa sintonia, essa entrega que lhe permitia ouvir o Anjo, o mensageiro de Deus, as intuições do Alto dentro de nós, a mensagem vinda do Alto, ouvir o mensageiro de Deus, o Arcanjo Gabriel. Todos esses são símbolos e representam o Divino chegando até nós. Apesar do momento de oscilação, Maria – a Alma, a Rainha restaurada – diz: “Faça-se em mim a tua vontade”.

 

 

            “(...) assim como Eva aceitou a anunciação da Serpente, do mesmo modo Maria aceitou a anunciação do Anjo. Em outras palavras, assim como a alma em sua fragilidade, ao preferir o material ao espiritual, submeteu-se à tentação da ilusão, assim também a alma em sua virtude obedece a voz da natureza angelical, e prefere a virgindade, ou a vida espiritual, aos envolvimentos com a matéria”. [The Credo of Christendom (O Credo do Cristianismo), p. 232]
 

 

            No nascimento de Jesus a pobreza não é uma apologia à miséria, mas uma referência à simplicidade e à sobriedade, a dar valor ao que tem valor, afastando-se da opulência, do desperdício e dos excessos.

            Também o fato de estar cercado por animais não é por acaso ou acidental, mas é uma referência clara de que o ser humano deve ser caridoso com os animais, deve apartar-se da morte e do derramamento de sangue dos animais, onde merece destaque a questão do vegetarianismo e da abolição da vivissecção, pois somente nesse ambiente é que o Menino Jesus pode nascer.

            O nascimento do Menino Jesus dentro de nós somente pode acontecer através da Mulher dentro de nós, a Eva redimida, a Maria, a Alma pura ou virgem, a Nossa Senhora, a Mãe dos que estão “vivos”, isto é, espiritualmente despertos nesse mundo.

 

 

            “Assim a alma é ao mesmo tempo Filha, Esposa e Mãe de Deus. Ela é quem esmaga a cabeça da Serpente. E da alma triunfante surge o Homem Regenerado, o qual, como o produto de uma alma pura e do espírito divino, é referido como sendo nascido da água (Maria) e do Espírito Santo.

            As afirmações de Jesus para Nicodemos são explícitas e conclusivas quanto à natureza puramente espiritual tanto da entidade designada como “Filho do Homem”, quanto do processo da sua geração. Esteja encarnado ou não, o "Filho do Homem" está necessariamente sempre “no Céu” – seu próprio “reino interior”. Do mesmo modo os termos que descrevem sua paternidade são destituídos de qualquer referência física. “Virgem Maria” e “Espírito Santo” são sinônimos, respectivamente, de “Água” e do “Espírito”; e esses, novamente, denotam os dois constituintes de todo ser regenerado, que são sua alma purificada e o espírito divino. De modo que o dito de Jesus – “Vós deveis nascer novamente da Água e do Espírito”, foi uma declaração, primeiro, de que é necessário para cada um nascer da maneira na qual se diz que ele mesmo nasceu; e, segundo, que a narrativa do evangelho acerca do seu nascimento se trata, realmente, de uma apresentação, dramática e simbólica, da natureza da regeneração”. [The Perfect Way; or, the Finding of Christ (O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo), p. 143]
 

 

            Nossa Senhora simboliza, assim, a Casa ou o Receptáculo do Espírito; por isso é chamada de a Casa de Ouro.

 

 

            “É esse processo de transmutação, ou redenção do Espírito da Matéria, tanto na dimensão individual quanto na universal, que constitui o tema das sagradas escrituras, o objeto de todas as religiões verdadeiras, e a tarefa de todas as verdadeiras igrejas. E são os vários estágios desse processo que constituem respectivamente a Queda de Adão por meio da submissão da Eva dentro dele à serpente da Matéria; a descida de Israel, ou da Alma, até o Egito, ou o mundo e os sentidos; e o Êxodo ou fuga do mundo através da água da separação e consagração até o deserto, até a região erma da experiência beneficente; e a travessia do rio Jordão, ou rio da purificação, para tomar posse da terra prometida da perfeição”. [Addresses and Essays on Vegetarianism (Palestras e Ensaios sobre o Vegetarianismo), capítulo O Vegetarianismo e a Bíblia, p. 221]
 

 

            Estrela de Belém

 

            A Estrela que aparece no momento do Nascimento de Jesus simboliza a presença – naquele momento solene do “nascimento” – das bênçãos de um Grande Ser que as tradições herméticas, místicas ou esotéricas referem-se como o Rei do Mundo, o chefe da Hierarquia Sagrada, da Igreja Celestial do nosso planeta. A Estrela é o símbolo do Oriente; segundo a tradição mística, é o símbolo da Luz Maior que vem do Oriente, do chamado Iniciador Único. Em algumas tradições a estrela também simboliza o Espírito Divino em nós.

            Em todas as Iniciações, assim podemos ler, há nos momentos mais solenes uma bênção ou aprovação desse Iniciador Único. Essa presença se manifesta, alegoricamente ou não, como o refulgir de uma Grande Estrela. Esse Grande Ancião participa das Grandes Iniciações ou envia sua bênção e aprovação sob a forma dessa Grande Estrela. É como se fosse sua vontade, um cumpra-se, um carimbo, um fiat desse Grande Chefe da Hierarquia, da Grande Fraternidade Branca, ou na terminologia cristã, da Comunhão dos Santos e da Igreja Celestial.

            Dessa maneira, em todas as Grandes Iniciações, assim podemos ler, quando não há a presença direta, há o “brilho” da Estrela do Iniciador, que no nosso planeta é o topo da pirâmide, alegoricamente falando.

            Como sempre, o Deus no Alto, também se reflete e corresponde ao Deus dentro de nós. E, no caso dessa interpretação, que não é de modo algum excludente em relação à primeira, a Estrela corresponde à anuência, à presença, no momento solene, do Deus dentro de nós.

 

            Rumo à Terra Prometida

 

            A Bíblia registra a história da fuga do Povo Escolhido desde o Egito, através de inúmeras vicissitudes, atravessando o longo Deserto até alcançar a Terra Prometida. Tudo isso é uma maravilhosa alegoria cujos símbolos principais talvez sejam o Egito, o Povo Escolhido, o Deserto, o Rio Jordão, a Terra Prometida, o Profeta e a comunicação com a Realidade Divina.

            O Egito significa a materialidade, tanto dos sentidos quanto dos nossos veículos inferiores.

            O Povo Escolhido simboliza a realidade do ser humano enquanto criatura divina, enquanto ser cuja essência é a Alma e o Espírito. E os eventos dessa travessia pelo Deserto simbolizam as provações por meio das quais a Alma vai se libertando das ilusões e do apego à materialidade dos sentidos, ou seja, se afastando cada vez mais do Egito e se aproximando cada vez mais da Terra Prometida, que simboliza, muito naturalmente, o Cristo em nós, o Espírito em nós, a Luz Divina ou o Buda em nós.

 

 

            “A Regeneração nos mistérios hebreus é simbolizada pela fuga do Egito – o corpo, e, portanto, terra de aprisionamento para a alma – através do Mar Vermelho para o Deserto do Pecado, o cenário da provação no qual os quarenta dias místicos estão expressos em um período semelhante de anos.

                        A Redenção é representada pela travessia do Jordão, que separa esse deserto da provação da terra prometida da perfeição e repouso espiritual. Esse Jordão, ou rio do julgamento, não poderia ser atravessado por Moisés, pois ele tinha falhado na provação de sua iniciação.

            A libertação final de Israel estava reservada a Joshua, um nome idêntico a Jesus, que se manteve fiel em todos os momentos. O Jordão corresponde ao rio Aqueronte dos mistérios do Olimpo, o qual todas as almas, ao descer ao mundo inferior, eram obrigadas a atravessar. E o Limbo, o Paraíso, o Avernus, os Campos Elísios, o Tártaro, o Purgatório e o repouso, todos denotam, sob diversos nomes, não localidades, porém esferas ou condições de existência, igualmente reconhecidos nos sistemas hebreu, pagão e cristão, e existindo no próprio homem”. [The Credo of Christendom (O Credo do Cristianismo), p. 102]
 

 

            Jesus e Cristo

 

            Quando se fala de Jesus Cristo não nos referimos somente àquele personagem que viveu na Palestina, mas a essa magnífica realização de um ser que se tornou uno com Deus.

 

            “Eu e o Pai somos um”. (João 10:30)

 

            Esse é um dos temas centrais de toda a tradição, por isso mesmo denominada cristã. Considerando sua relevância, parece-nos mais apropriado examiná-lo diretamente em um pequeno conjunto de citações da literatura original do Evangelho da Interpretação:

 

            “É o ser espiritual do homem – o Cristo Jesus dentro dele – que é o tema do Credo cristão. O Credo dos Apóstolos é um resumo da história espiritual de todos aqueles que se tornam, pela re-generação, ‘Filhos de Deus’”. [The Life of Anna Kingsford (A Vida de Anna Kingsford), vol. I, p. 315]

 

            “O aspecto pessoal de Jesus Cristo não é o aspecto mais nobre, mas, não obstante, é o aspecto através do qual temos todos que passar. Você verá mais tarde que o trabalho espiritual do Cristo Jesus é o trabalho que Ele próprio ensinou aos homens para que tivessem em mente.

            O amor que muitos sentem pelo homem Jesus obstaculiza o amor que deveriam sentir pelo Espírito de Cristo, e assim o objeto de Seu ministério na terra é ocultado e se perde de vista. Ele veio para fazer Deus conhecido no mundo, e não para encerrar o ideal do mundo acerca de Deus em Sua própria vida terrena.

            Livrem-se da adoração pessoal do homem Jesus e suas almas serão livres para ver Cristo como Ele foi, para compreender as vastas profundidades de conhecimento e amor que inspiraram Seu trabalho”. (Uma Mensagem à Terra, p. 15)

 

            “Porém, mesmo rejeitando dessa maneira como sendo idólatra, como uma blasfêmia, e como perniciosa no mais alto grau à doutrina, conforme ela é comumente conhecida, da Redenção ou Reconciliação Vicária [N.T.: Aquela realizada por alguém em lugar de outro; no caso o sacrifício de Jesus Cristo para nos redimir do pecado, para nos reconciliar com Deus.], ainda vemos em Cristo Jesus o “único Filho gerado por Deus” (“Filho único de Deus”) [João 3:16, 18]. E ainda nos apegamos a Seu sangue e a sua cruz como os únicos meios da salvação.

            Mas é o Cristo Jesus dentro de nós, ou o homem que renasceu de alma e espírito puros, como o próprio Jesus declarou que todos devem nascer – exatamente do mesmo modo como se descreve que Ele nasceu – a quem buscamos para nos salvar. E os meios são Sua cruz de auto-sacrifício, renúncia, e pureza de vida; e a recepção em nós mesmos daquele “Sangue de Deus” que não é nenhum sangue meramente físico – com o qual as imperfeições morais não possuem nenhuma relação – mas que é a vida de Deus, o próprio Espírito puro, o qual é Deus, e o qual Deus está sempre derramando em abundância para o bem de Suas criaturas, dando a elas de sua própria vida e substância”. [Addresses and Essays on Vegetarianism (Palestras e Ensaios sobre o Vegetarianismo), capítulo O Vegetarianismo e a Bíblia, p. 222]

 

            “Jesus e Cristo não são, portanto, em sua mais elevada e profunda significância, os nomes de algum indivíduo em particular, mas de muitos e, potencialmente, de todos os indivíduos.

            Eles principalmente representam: o primeiro [Jesus], uma ordem, escola ou fraternidade de Homens Regenerados ou tornados perfeitos através do sofrimento; e o segundo [Cristo] representa o princípio e o processo interiores por meio dos quais o Amor e a Sabedoria perfeitos de Deus se tornam individuados dentro da alma redimida que alcançou a completa libertação.

            Embora Ele seja um Cristo – qualquer que seja Seu nome no mundo físico – que aperfeiçoou o Seu Ser espiritual e superou a necessidade de novas encarnações, Ele, mesmo assim, por puro amor, retorna à encarnação para que possa demonstrar plenamente, enquanto no corpo, a todos os homens, o processo através do qual o Reino de Deus pode ser alcançado por eles próprios e dentro deles mesmos.

            Assim, o mistério da Divina Encarnação é simplesmente isso, que Deus não cessa de ser puro espírito, ou que o puro espírito não cessa de ser Deus, ao tornar-se individualizado em uma alma humana, mesmo quando essa alma toma para si mesma um corpo humano.

            Portanto, o homem é de fato “salvo pelo sangue de Cristo”, pois esse sangue é a própria vida e essência espiritual da condição de Cristo.

            E o homem é de fato “redimido pelo amor de Cristo”, contudo não pelo amor de um Cristo Que sofre no lugar dele – pois o máximo que mesmo um Cristo pode fazer é sofrer nos outros e com os outros, e por meio de Sua imensurável compaixão e perfeição de ilimitado amor Ele também os conquista para o amor”. [A Verdade Viva no Cristianismo, pp. 38-39]

 

            “E é chamado de um Cristo, aquele que, alcançando a regeneração enquanto ainda no corpo, constitui-se para os homens uma demonstração de suas próprias iguais potencialidades divinas e da maneira de como realizá-las”. (O Apelo da União Cristã Esotérica às Igrejas e Povos da Cristandade, p. 20)

 

            Morte na Cruz e Salvação

 

            Da mesma forma que no caso da simbologia de Jesus e Cristo Jesus, parece-nos mais apropriado examinarmos esse tópico da Morte na Cruz e da Salvação por meio de uma citação da literatura original do Evangelho da Interpretação:

 

            “E é sempre pela crucificação e morte na cruz da renúncia daquele velho Adão, o ser inferior, e a ressurreição e ascensão para uma condição de perfeição verdadeira que a salvação é finalmente alcançada. E a razão pela qual todas essas verdades eternas na história da alma foram centralmente colocadas na vida do profeta de Nazaré é simplesmente porque, reconhecendo nele os sinais ou testemunho de sua realização de perfeição num grau nunca antes alcançado, e em sua história as adequadas correspondências simbólicas, o Espírito Divino, sob cuja inspiração os Evangelhos foram compostos, o selecionou como o ícone das possibilidades da humanidade em geral.

            Porém, mesmo rejeitando dessa maneira como sendo idólatra, como uma blasfêmia, e como perniciosa no mais alto grau à doutrina, conforme ela é comumente conhecida, da Redenção, Reconciliação ou Salvação Vicária [N.T.: Aquela realizada por alguém em lugar de outro; no caso o sacrifício de Jesus Cristo para nos redimir do pecado, para nos reconciliar com Deus], ainda assim vemos em Cristo Jesus o “único Filho gerado por Deus” (“Filho único de Deus”) [João 3:16, 18]. E ainda assim nos apegamos a Seu sangue e a sua cruz como os únicos meios da salvação.

            Mas é o Cristo Jesus dentro de nós, ou o homem que renasceu de alma e espírito puros, como o próprio Jesus declarou que todos devem nascer – exatamente do mesmo modo como se descreve que Ele nasceu – a quem buscamos para nos salvar. E os meios são Sua cruz de auto-sacrifício, renúncia, e pureza de vida; e a recepção em nós mesmos daquele “Sangue de Deus” que não é nenhum sangue meramente físico – com o qual as imperfeições morais não possuem nenhuma relação – mas que é a vida de Deus, o próprio Espírito puro, o qual é Deus, e o qual Deus está sempre derramando em abundância para o bem de Suas criaturas, dando a elas de sua própria vida e substância.

            Quão perniciosa é a doutrina da redenção (ou reconciliação, salvação) vicária, conforme ela é comumente aceita, é algo que pode ser visto pelas atuais condições do mundo: intelectualmente, moralmente e espiritualmente, não menos do que fisicamente. O homem sempre se constrói segundo a imagem de seu Deus, isto é, segundo a sua idéia de Deus. E acreditando em um Deus que é injusto, egoísta e cruel, o homem não pode ser senão injusto, egoísta e cruel.

            É precisamente essa má representação do caráter divino, e essa perversão da verdadeira e da única possível doutrina da reconciliação ou redenção, em uma doutrina que faz a salvação do homem um processo externo a si mesmo, e dependente da ação de outro que não ele mesmo, que, por meio da falsificação do Cristianismo, provocou o seu fracasso. E, ao invés de um mundo ordenado por princípios de justiça, simpatia e pureza, nos legou um mundo de más ações, de egoísmo e de sensualismo”. [Addresses and Essays on Vegetarianism (Palestras e Ensaios sobre o Vegetarianismo), capítulo O Vegetarianismo e a Bíblia, pp. 222-223]

 

 

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