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Capítulo 15

 

 

A SPR Examina Olcott (maio de 1884)

 

            A Sociedade para Pesquisas Psíquicas (SPR, de “Society for Psychical Research”) foi fundada em fevereiro de 1882 por H. Sidgwick, W.F. Barrett, B. Stewart, Stainton Moses, E. Gurney e G. Wyld. Alguns de seus principais objetivos nessa época eram examinar os fenômenos paranormais, hipnotismo, transe mesmérico e clarividência e pesquisar os fenômenos físicos chamados de espíritas, tentando reunir dados a respeito e descobrir suas causas e leis gerais.

 

            A SPR pretendia aproximar-se dessas questões sem preconceitos ou prevenções de qualquer tipo, num espírito científico de investigação. Foi a primeira sociedade desse tipo a ser fundada no mundo. Logo após sua fundação, HPB escreveu no The Theosophist, elogiando a iniciativa e realçando sua importância:

 

“Tinha-se como propósito ao fundar a Sociedade Teosófica Britânica, nossa seção em Londres, cobrir exatamente esse campo, adicionando a ele a esperança de poder trabalhar sob o contato pessoal direto com aqueles ‘Grandes Mestres da Cadeia Nevada do Himavat’, cuja existência tem sido amplamente provada por alguns de nossos membros (...). Enquanto, certamente, algo foi feito nessa direção, ainda assim, por falta do auxílio de cientistas como aqueles que agora se reuniram para fundar essa nova Sociedade, o progresso tem sido relativamente lento. Em todas as nossas seções há mais uma tendência de devotar tempo para ler livros e artigos e propor teorias, do que para pesquisa experimental nos departamentos de mesmerismo, psicometria, Odyle (a nova força de Reichenbach) e mediunismo. Isso deveria ser modificado, pois os temas acima mencionados são as chaves para todo o mundo da ciência psicológica desde a mais remota antiguidade até nossos dias. A nova Sociedade de Pesquisas Psíquicas, então, tem nossos melhores votos”. (CW IV, 131)

 

            Como a SPR estava interessada em investigar os fenômenos relacionados à Madame Blavatsky e às aparições dos Mestres, quando HPB e Olcott estiveram em Londres foram procurados por eles. Em 11 de maio de 1884 Olcott foi entrevistado por Myers e Stack. Ele discorreu,

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entusiasmado, sobre a visita astral de seu Guru em Nova Iorque, as viagens astrais de Damodar, a visita do Mestre KH à sua tenda em Lahore, e a recente carta que havia caído do teto do vagão de trem enquanto viajava entre Paris e Calais.

 

            No dia 27 de maio Olcott foi novamente examinado e dessa vez, além de Myers e Stack, também participaram Gurney e Podmore, que também faziam parte do comitê. Frank Podmore era extremamente cético e partia sempre do princípio que, numa investigação de fenômenos paranormais, sempre se deveria presumir desonestidade ao invés poderes psíquicos anormais.

 

            Nessa segunda ocasião, Olcott foi examinado principalmente sobre as cartas dos Mestres, suas caligrafias, os fenômenos do santuário os poderes telepáticos dos Adeptos. (Murphet 1972, 187) Ele também falou sobre o transporte e materialização de objetos, o som de sinos que tocavam no ar, a aparição de Adeptos ofertando flores etc. (ODL III, 104)

 

            Porém Olcott, em seu imenso entusiasmo pela ST e pelos Mestres e em sua simplicidade intelectual, passou uma impressão muito crédula e pouco científica para o comitê da SPR. Suas respostas por vezes imprecisas com relação a detalhes foram posteriormente usadas contra ele. Mohini e Sinnett também foram examinados pelo comitê, em maio e em junho. (Ransom, 200) No dia 30 de junho Olcott, HPB e Sinnett foram a uma reunião da SPR, na qual Olcott resolveu fazer um discurso inesperado que causou uma impressão desfavorável em todos. Sinnett relata:

 

“No decorrer da reunião, coronel Olcott, sem qualquer convite, levantou-se e fez um discurso extraordinariamente sem tato. Os líderes da Sociedade de Pesquisas Psíquicas eram extremamente cuidadosos em manter todas as suas reuniões num nível de cultura da classe mais elevada. Agora, o coronel Olcott, com toda a sua bondade e devoção à causa, não estava em sintonia com o gosto dos europeus requintados. O registro em meu diário mostra: ‘Coronel Ol. fez o papel de um tolo desagradável, e fez com que a V.S. ficasse furiosa e envergonhada. (V.S., é claro, significa ‘Velha Senhora’, nome pelo qual nós sempre falamos com Madame Blavatsky e a ela nos referimos.)

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            “Embora hospedada com as Arundale, a V.S. insistiu em voltar para a nossa casa após o encontro para desabafar sua fúria. Sua face estava branca pela intensidade de sua emoção; ela falou tão alto que eu estava com medo que ela pudesse perturbar os vizinhos, e ela xingou o desafortunado Coronel até que ele foi levado a lhe perguntar se ela queria que ele cometesse suicídio. É claro que a demonstração de fúria era inútil e absurda, por um lado, mas ela compreendeu, sem prever os detalhes, que algo terrível havia acontecido. E realmente havia ocorrido. Os problemas posteriores, que por um período sacudiram a Sociedade na Europa, todos remontam àquela noite horrível que descrevi. Os líderes da Sociedade Psíquica ficaram completamente arrepiados com a infeliz intervenção do Coronel. Até aquela época, eles tinham estado ansiosos por ter um contato próximo com o movimento teosófico. Frederic Myers e Gurney estavam entrando no círculo de nossos amigos íntimos. Mas a Sociedade Teosófica era jovem demais para suportar o choque das consequências que foram geradas pela indiscrição do Coronel. Antecipando registros futuros que tratarei mais tarde, posso dizer aqui que o envio de Richard Hodgson para a Índia para investigar os fenômenos de Madame Blavatsky, seu relatório desfavorável, e o colapso de nossa jovem sociedade, da qual quase todo mundo foi embora, quando parecia como se Mad. Blavatsky tivesse sido desmascarada e desacreditada – todos foram frutos daquela noite infeliz de 30 de junho de 1884.” (Sinnett 1886, 27)

 

            Madame Blavatsky, comentando esse episódio em uma carta para Sinnett, nos oferece uma confirmação do caráter desafortunado desse episódio:

 

“Sim; foi Olcott atulhando os Psíquicos de Cambridge com suas experiências; e sua deplorável apresentação insolente (...) naquele encontro da SPR – que trouxe toda a miséria sobre nós. Porém ele o nega. Ele até mesmo sustenta na Índia, e na minha cara, que eu sou a única causa disso; de que foi a minha visita à Europa que causou tudo isso! Bem – que assim seja.” (LBS, 113)

 

            Olcott, em sua simplicidade, não aceitava a crítica de HPB de que deveria ter sido mais cauteloso e falado menos, dizendo que não eram os membros da SPR que a estavam julgando, mas sim os “Dons

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(reverendos) da Igreja. (LBS, 102) Ele estava de boa fé, abrindo seu coração, expondo suas experiências pessoais mais íntimas e sagradas, pensando que esse testemunho poderia ajudar na causa da ciência espiritual e dar conforto e esperança para aqueles que não eram tão afortunados quanto eles que passaram por tais experiências. (ODL III, 104) No entanto, diz HPB que após a publicação do relatório final da SPR, “quando seu julgamento teve um tal fim glorioso para nós, ele [Olcott] ficou extremamente assustado, ao ponto de transformar-se num brâmane, um perfeito Subba Row quanto à secretividade.” (LBS, 102)

 

 

A Renúncia de C.C. Massey (julho de 1884)

 

            Charles Carleton Massey foi um dos fundadores da ST Britânica e o seu primeiro presidente. Era advogado, mas acabou largando sua profissão para dedicar-se ao estudo de filosofia, psicologia e, especialmente, à investigação de fenômenos psíquicos. (CW I, 498) Massey foi o responsável pelo convite para Anna Kingsford presidir a ST Britânica, e permaneceu apoiando-a quando ela criou a Sociedade Hermética.

 

            Sinnett, Hume, Fern e ele foram os quatro europeus colocados em provação. Deles, em janeiro de 1883, apenas Sinnett continuava merecendo a confiança dos Mahatmas. (MLcr., 341)

 

            Em 26 de julho de 1884, o jornal Light publicou um artigo de C.C. Massey, onde ele relata sua dificuldade em aceitar as explicações do Mestre KH sobre a acusação de plágio no caso Kiddle. Embora aceitasse a existência dos Adeptos, ainda assim, Massey via:

 

“... em seus métodos, ou melhor, nas coisas que são ditas e feitas em nome deles, um tal desvio de nosso senso prosaico de verdade e honra de modo a nos assegurar que algo está muito errado em algum lugar. Pois isso não é de modo algum um caso isolado. A repetida necessidade de explicações – que são sempre mais formidáveis do que as coisas a serem explicadas – deve com o tempo extenuar a fé mais paciente, exceto a fé que supera toda a inteligência, o credo quia impossibile.

            “Tenho apenas que acrescentar que, enquanto preservando todos os interesses e muito da crença que me atraiu para a Sociedade Teosófica, e que me mantiveram nela até agora, apesar de

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muitos e crescentes constrangimentos, eu não creio que a publicação das conclusões acima expressas seja consistente com a filiação leal. A constituição da Sociedade, sem dúvida, é ampla o suficiente para incluir mentes mais céticas que a minha própria com relação às suas pretensas fontes de vitalidade e influência. Mas deixe qualquer um tentar exercer essa liberdade nominal, e ele se descobrirá, não apenas um elemento destoante, mas numa atitude de controvérsia com seus líderes ostensivos, com as forças motrizes da Sociedade.” (Massey)

 

            Alguns historiadores têm associado sua saída da ST com o ataque feito pela SPR à Madame. Porém, nessa época a SPR ainda não havia feito nenhuma condenação. Seu comitê estava no início das investigações e Myers e outros ainda pareciam estar a favor de HPB.

 

            Contudo, além do caso Kiddle há ainda um outro episódio que foi muito importante na decisão de Massey. Ele é conhecido como “a carta britânica” e acabou fazendo parte do relatório preliminar da SPR, como uma suspeita de fraude de HPB.

 

 

A Carta Britânica

 

            Em 1879, C.C. Massey havia achado uma carta de um Irmão dentro do livro de atas da ST Britânica. Uma vez que os membros estavam desejosos de que houvesse alguma manifestação dos Mahatmas para eles, a carta foi aceita como tal. Porém, alguns anos mais tarde, o marido da Sra. Hollis Billing, uma médium cujo “guia” era conhecido como Ski, mostrou a Massey uma carta de HPB para sua esposa, onde a Madame lhe pedia que, através de Ski, ela enviasse uma outra carta para Massey:

 

“Por favor, peça a ele para pegar a carta anexa e colocá-la em seu bolso, ou em algum lugar ainda mais misterioso. Mas ele não deve saber que é de Ski. Deixe-o pensar o que quiser, mas ele não deve suspeitar que você esteve perto dele com Ski às suas ordens. Ele não suspeita de você, mas sim de Ski. (Também seria bom se ele pudesse dar à L.L. alguma prova de afeição oriental, mas nenhum deles deve suspeitar que é de Ski, portanto será mais difícil para fazê-lo do que seria se fosse produzido em uma de suas seancés.)” (Price 1985a, 58)

 

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            Para Massey, o fato de HPB ter pedido à Sra. Hollis Billing para enviar a carta de “um modo misterioso”, dando a impressão de que o próprio autor da carta é que a havia enviado ocultamente era algo que, além de não ter resposta, lançava suspeita de fraude sobre HPB. Essa suspeita foi ainda reforçada pelo fato de que, numa das cartas atribuídas a Madame Blavatsky e publicadas no Christian College Magazine, ela teria escrito a Emma Coulomb algo semelhante: “Eu lhe imploro que envie essa carta (aqui anexa) para Damodar de um modo miraculoso. É muito importante.” (CW VI, 301)

 

            Sobre essa carta para Massey, o Mestre KH escreve para Sinnett, em janeiro de 1883, que havia sido realmente “Ski” que colocara a carta dentro do livro de atas da L.L., e que:

 

            “Me é suficiente dizer que “Ski” por mais de uma vez tem servido como portador e até mesmo porta-voz para vários de nós; e que no caso a que o Sr. Massey se refere, a carta de um ‘Irmão Escocês’, havia alguém genuíno para entregá-la, o que misteriosamente para ele, nós terminantemente nos recusávamos a fazer – inclusive o irmão ‘Escocês’ – uma vez que, não obstante os pedidos exaltados de Upasika de que fizéssemos umas poucas exceções em favor de C.C. Massey, seu ‘melhor e mais querido amigo’, (...) não estávamos autorizados a desperdiçar nossos poderes tão insensivelmente. Madame B., portanto, foi deixada para despachá-la pelo correio ou, se ela o preferisse, por meio de ‘Ski’ – tendo M. a proibido de exercer seus próprios meios ocultos.” (MLcr., 352)

 

            E em julho de 1883, o Mestre KH volta ao assunto da carta para Massey, e dessa vez também esclarece que a carta não havia sido escrita por um ‘Irmão escocês’, mas pelo “nosso Irmão H. – então na Escócia, e enviada indiretamente através de ‘Ski’.” (MLcr., 382)

 

            Numa carta anterior, ainda em outubro de 1882, o Mestre KH já alertara Sinnett sobre a mudança de atitude de Massey [CCM] em relação a HPB, dizendo que todo o episódio estava ligado às provações que alguém que quisesse se aproximar Dele, estaria inevitavelmente submetido:

 

            “Agora, quais são os fatos e quais as acusações contra HPB? Muitos são os pontos sombrios contra ela na mente de CCM e a cada dia eles se tornam mais negros e mais feios. (...) devo lembrar-lhe (...)

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que ninguém entra em contato conosco, ninguém mostra um desejo de nos conhecer mais, a não ser que se submeta a ser colocado por nós em provação. Assim CCM, tanto quanto qualquer outro, não poderia escapar de seu destino. Ele tem sido tentado e se permitiu que fosse enganado pelas aparências, e com facilidade caiu como uma presa de sua própria fraqueza – suspeita e falta de auto confiança. Em resumo, lhe falta o primeiro elemento para o sucesso num candidato – fé inabalável, uma vez que sua convicção se baseia, e tem suas raízes em conhecimento, não numa simples crença em certos fatos. Agora, CCM sabe que certos fenômenos dela são inquestionavelmente genuínos; (...) Após alimentar, pelo período de três anos uma fé cega nela, chegando quase ao sentimento de veneração, no primeiro sopro de uma calúnia bem sucedida ele, um amigo dedicado e um excelente advogado, cai vítima de um complô perverso e sua consideração por ela mudou para um positivo desdém e uma convicção de sua culpa!” (MLcr., 29)

 

            Para Sidgwick, em carta de novembro de 1884, expondo o caso, Massey diz que HPB lhe garantira que a carta realmente era de um “Irmão”, e que fora entregue a ela sem qualquer instrução de como enviá-la. Entretanto Massey confidencia a Sidgwick não acreditar que tivesse realmente recebido uma carta genuína. (Price 1985a, 56) Como Massey era importante na SPR, suas dúvidas e sua perda de confiança em HPB, ao achar que ela o havia enganado, naturalmente influenciaram as conclusões da SPR. (Price 1986, 112)

 

 

O Círculo Interno da Loja de Londres (abril de 1884)

 

            Outro fator que influenciou Massey foi a criação, dentro da Loja de Londres, de um grupo denominado “Círculo Interno”. O grupo estava sob a direção de Sinnett e destinava-se somente àqueles que estavam dispostos a seguir os ensinamentos dos Mahatmas sem desconfianças. A primeira reunião ocorreu em 17 de abril de 1884. Esse “Círculo Interno” não teve vida longa, mas é importante historicamente falando por ser considerado como a primeira tentativa de criação de uma Seção Esotérica dentro da Sociedade Teosófica. (CW VI, 251) Os integrantes do “Círculo Interno” declararam:

 

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“Em vista da recente renúncia do Sr. Massey e da razão dada para ela, a saber, suspeita dos Mahatmas, e a inclinação que tem sido demonstrada por alguns outros membros da Loja de Londres, de desacreditar nos ensinamentos orientais e desconfiar de seus Instrutores nós, os abaixo assinado membros da Loja de Londres, estando convencidos de que nenhuma educação espiritual é possível sem absoluta e simpática união entre os estudantes companheiros, desejam formar um grupo interno. (...)

            “O princípio fundamental do Novo Grupo é a confiança implícita nos Mahatmas e em seus ensinamentos e uma resoluta obediência a seus desejos em todas as questões relacionadas com o progresso espiritual.

            “Finalmente, submetendo essa súplica a nossos reverenciados Mestres, nós sinceramente lhes pedimos, se ela tiver sua aprovação, para confirmá-la com suas assinaturas e consentir em continuar seus ensinamentos daqui por diante, enquanto permanecer um membro fiel nesse grupo.” (CW VI, 255)

 

            O Mestre M. precipitou no documento: “Aprovado.” E o Mestre KH: “Aprovado. O pacto é mútuo. Ele será válido enquanto as ações dos abaixo assinados estiverem de acordo com as promessas implícitas no ‘princípio fundamental do grupo’, e por eles aceitas.” E HPB acrescentou uma nota abaixo das assinaturas, dizendo que se algum membro conscientemente chegasse à sincera conclusão de que não poderia exercer a “resoluta obediência” requerida, esse poderia retirar-se do grupo, sem que por isso lhe fosse imputada conduta desonrosa. A isso Mestre KH acrescentou: “desde que ele ou ela não torne pública qualquer parte dos ensinamentos, pela palavra ou pela letra, sem a permissão especial do abaixo assinado. K.H.” (CW VI, 256)

 

 

Os Retratos dos Mestres (junho/julho de 1884)

 

            Quando as aparições dos Mestres eram apresentadas como sendo resultado de truques realizados com o auxílio dos Coulombs, Madame Blavatsky costumava argumentar que ainda que isso pudesse explicar as aparições em Adyar, como explicaria suas aparições a milhares de milhas dos Coulombs? E como é que um bem conhecido artista havia

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pintado em Londres os retratos dos Mahatmas, sem jamais tê-los visto, reproduzindo-os com uma tal semelhança que permitiu que Eles fossem imediatamente reconhecidos por ingleses e indianos que os haviam encontrado na Índia? (CW VI, 311) O relatório da SPR assim se manifesta sobre o quadro do Mestre M.:

 

“... a produção do retrato do Mestre do coronel Olcott, Mahatma M., é interessante porque esse é o retrato a partir do qual (...) outras pessoas reconheceram o Mahatma M. quando o viram ou a sua suposta aparição. Entretanto, mal podemos considerar isso como uma evidência sem conhecer mais a respeito do cavalheiro que dizem tê-lo pintado.” (SPR Report, Ap. I)

 

            Porém Olcott não revelou à SPR o nome do pintor, justificando que ele ocupava um cargo oficial e que não era recomendável que fosse divulgado que ele era um teosofista e, assim sendo, essa evidência não foi mais investigada. Vejamos, então, como é que esses retratos foram feitos.

 

            Em fevereiro de 1878, ainda em Nova Iorque, Olcott havia insistentemente pedido a HPB que ela lhe fizesse um retrato do Mestre M. Ela sempre lhe respondia que não tinha autorização para fazê-lo, mas que eles poderiam tentar um outro método, isto é, fazer com que alguém que não o conhecesse, nem fosse um médium ou um ocultista, o desenhasse.

 

            Uma tarde, quando da visita de um amigo francês, Harisse, o qual tinha alguns dons artísticos, e a conversa versava sobre a Índia, e a coragem dos Rajput (habitantes do Rajastão), HPB sussurrou a Olcott que, se ele fosse comprar o material necessário, ela tentaria fazer com que Harisse desenhasse o retrato do Mestre M.

 

            Ele foi a uma loja próxima e comprou uma folha de papel e crayons nas cores preto e branco, pagando-os com uma moeda de meio dólar. Ao chegar em casa e abrir o pacote caíram no chão duas moedas de prata de um quarto de dólar! Para Olcott foi um sinal de que o Mestre queria que o desenho ficasse como um presente para ele. (ODL 1, 371)

 

            HPB então pediu a Harisse que desenhasse a cabeça de um líder hindu, da maneira que ele a imaginasse. Ele disse que não tinha nenhuma ideia clara a respeito e queria desenhar alguma outra coisa. Mas com a insistência de Olcott, concordou em tentar desenhar a cabeça de um hindu. HPB pediu a Olcott que ficasse quieto e fosse para o outro lado da sala e ela:

 

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“... foi e sentou-se perto do artista e ficou quieta fumando. De tempos em tempos ia vagarosamente atrás dele, como se estivesse observando o progresso de seu trabalho, mas não falou até que estivesse concluído, digamos uma hora mais tarde. Eu o recebi agradecido, o emoldurei e o pendurei em meu pequeno dormitório. Mas uma estranha coisa havia acontecido. Após termos dado uma última olhada na imagem, enquanto ela estava à frente do artista, e enquanto HPB a pegava para me entregar, a assinatura em forma de criptograma de meu Guru apareceu no papel; assim fixando sobre ela, como se fosse, seu imprimatur [permissão oficial para impressão], e grandemente aumentando o valor de seu presente. Mas naquela época eu não sabia se a imagem se parecia com o Guru ou não, pois ainda não o havia visto. Quando o vi, mais tarde, descobri uma verdadeira semelhança e, mais ainda, fui presenteado por ele com o turbante que o artista amador havia desenhado na imagem cobrindo sua cabeça.” (ODL I, 371)

 

            Anos mais tarde, em junho de 1884, quando Olcott e HPB estavam em Londres, o coronel querendo ter um retrato melhor de seu Guru, lançou uma competição amigável entre os membros que eram artistas. Cinco aceitaram fazer uma tentativa, e cada um deles recebeu uma cópia fotográfica do desenho feito em crayon por Harisse. Mas nenhum resultado apresentou uma semelhança melhor do que no esboço de Harisse.

 

            Antes que a competição tivesse acabado, Hermann Schmiechen, um conhecido retratista alemão, que morava em Londres, entrou para a ST e aceitou o convite de Olcott de fazer uma tentativa.

 

“A fotografia lhe foi entregue sem nenhuma sugestão de como o tema deveria ser tratado. Ele começou a trabalhar em 19 de junho e terminou em 9 de julho. Nesse período visitei seu estúdio quatro vezes sozinho e uma com HPB, e fiquei encantado com o gradual desenvolvimento da imagem mental que havia sido nitidamente impressa em seu cérebro, e que resultou num retrato tão perfeito de meu Guru quanto poderia ter sido pintado do natural. Diferentemente dos outros que haviam todos copiado a ideia de perfil, conforme feito por Harisse, Schmiechen fez o rosto completamente de frente e colocou nos olhos um tal fluxo de vida e senso da alma neles habitando de modo a verdadeiramente

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surpreender o observador. Era tão claramente um trabalho de gênio e uma prova do fato da transferência de pensamento quanto eu poderia imaginar. Na imagem ele havia captado tudo – rosto, tipo de pele, tamanho, forma e expressão dos olhos, postura natural da cabeça, aura brilhante e caráter majestoso. Isso também é verdade no caso do outro retrato, que forma um par com esse, que Schmiechen pintou de nosso outro Chefe Guru, e a pessoa sente como se os grandes olhos estivessem buscando o seu próprio coração.” (ODL III, 163)

 

            Com relação à pintura desse outro quadro bastante conhecido – o do Mestre KH – Laura Holloway fez uma breve descrição do início de sua produção. Havia várias pessoas bem conhecidas no estúdio interessadas em acompanhar a experiência. HPB, fumando tranquilamente, sentara-se numa poltrona em frente à plataforma onde estava o cavalete do pintor, numa posição que não podia ver o quadro. Outras mulheres sentadas na plataforma também fumavam:

 

“Ela [HPB] havia ‘ordenado’ a uma dessas mulheres [a própria Laura Holloway] que fizesse um cigarro e o fumasse, e a ordem foi seguida, embora com grande hesitação, pois era a primeira vez que fumava, e supunha que mesmo o suave tabaco egípcio usado pudesse lhe causar náuseas. HPB prometeu que isso não aconteceria e, encorajada pela Sra. Sinnett, que também estava fumando, o cigarro foi aceso. O resultado foi um curioso aquietar dos nervos, e ela logo perdeu todo o interesse pelo grupo de pessoas na sala, e apenas o cavalete e mão do artista absorveram sua atenção.

            “É estranho relatar que embora a fumante amadora se considerasse como uma espectadora foi a sua voz que pronunciou as palavras ‘comece-o’, e o artista rapidamente começou a delinear uma cabeça. Logo os olhos de todos os presentes estavam sobre ele, pois trabalhava com extrema rapidez. Enquanto a calma reinava no estúdio e todos estavam avidamente interessados no trabalho do Sr. Schmiechen, a fumante amadora na plataforma viu a figura de um homem se delinear ao lado do cavalete e, enquanto o artista com a cabeça debruçada sobre seu trabalho continuava o esboçando, ele ficou de pé ao seu lado sem um sinal ou movimento. Ela inclinou-se para sua amiga e sussurrou: ‘É o Mestre KH, ele está sendo desenhado. Ele está de pé perto do Sr. Schmiechen.’

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            “ ‘Descreva sua aparência e roupas’ desafiou HPB. E enquanto aqueles na sala se espantavam com a exclamação de Madame Blavatsky, a mulher respondeu: ‘Ele é quase da altura de Mohini, compleição delgada, maravilhoso rosto cheio de luz e vivacidade, cabelo preto cacheado que cai com graça e delicadeza e sobre o qual usa um barrete mole. Ele é uma sinfonia em cinzas e azuis. Sua roupa é a de um hindu – embora seja muito mais fina e rica do que qualquer uma que eu jamais tenha visto – e há pele ornamentando seu traje. É o seu retrato que está sendo feito ...”. (Caldwell 1991, 185)

 

            Ela também relata que, embora HPB não pudesse ver o quadro no cavalete, fazia algumas observações ao artista, como: “Cuidado Schmiechen; não faça o rosto redondo demais, alongue o perfil e preste atenção na grande distância entre o nariz e as orelhas.” (Caldwell 1991, 185) Numa carta para Sinnett, o Mestre KH comenta sobre seu quadro:

 

“Acredito que agora você esteja tão satisfeito com meu retrato pintado por Herr Schmiechien, quanto descontente com o que você tem? Entretanto todos possuem, a seu modo, semelhanças. Apenas enquanto os outros são produções de chelas, o último foi pintado com a mão de M. na mente do artista, e muitas vezes usando seu braço.” (MLcr., 430)

 

            Schmiechen fez duas ou mais cópias dos retratos, mas nenhuma delas apresentava a mesma vida que a primeira. Olcott descreve a força que emanava dos quadros:

 

“... por algum truque do pincel do artista, a aura brilhante ao redor das duas cabeças parecia realmente estar num movimento trêmulo, bem como ela é na natureza. Não surpreende que o visitante de mente religiosa se sinta, como se fosse, tocado por um senso da sacralidade da sala onde estão os dois retratos e a introspecção meditativa é mais fácil lá do que em outro local. Embora grandiosos de dia, os quadros são ainda mais impressionantes à noite, quando adequadamente iluminados, e as imagens parecem como se prontas para sair de suas molduras e se aproximar da pessoa.” (ODL III, 164)

 

            Os dois quadros originais pintados por Schmiechen estão em Adyar. Contra a vontade de Olcott, foram feitas fotografias das cópias “tão inferiores aos originais em Adyar quanto uma vela para a luz elétrica”

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as quais, para sua tristeza, foram posteriormente publicadas por Franz Hartmann. (ODL III, 164)

 

 

HPB em Cambridge (agosto de 1884)

 

            Em 8 de agosto, HPB, Mohini e mais alguns teosofistas estiveram em Cambridge, para uma reunião da SPR. Myers e Sidgwick fizeram então uma série de perguntas à Madame Blavatsky e a Mohini. A entrevista durou algumas horas e, no geral, eles ficaram favoravelmente impressionados com as respostas de HPB. Descreve Sidgwick:

 

“Não há dúvida de que o material de suas respostas lembrava Ísis Sem Véu em algumas de suas piores características; mas sua maneira era certamente franca e direta – era difícil imaginá-la como a elaborada impostora que ela deve ser se toda a coisa for um truque ... (Em 10 de agosto) nós todos fomos a um almoço teosófico com Myers ... Nossa impressão favorável de Mad. B. foi mantida; se podemos acreditar em nossas sensibilidades pessoais ela é um ser genuíno, com uma vigorosa natureza tanto intelectual quanto emocional, e um desejo real pelo bem da humanidade. Essa impressão é ainda mais digna de nota na medida em que ela não é atraente externamente – com seus babados cheios de cinzas de cigarros – e não é cativante em suas maneiras. Certamente gostamos dela, tanto Nora (Sra. Sidgwick) quanto eu. Se ela é uma impostora, é uma impostora consumada: pois suas observações têm o ar não apenas de espontaneidade e aleatoriedade, mas algumas vezes de uma divertida indiscrição. Assim, no meio de relato sobre os Mahatmas no Tibet, visando nos passar uma visão elevada desses personagens, deixou escapar sua sincera impressão de que o Mahatma chefe de todos era a múmia velha mais seca que ela jamais vira ...” (Caldwell 1991, 186)

 

 

O “Colapso de Koot Hoomi” (setembro de 1884)

 

            Na edição de 11 de setembro de 1884 do Christian College Magazine apareceu a primeira parte do artigo entitulado “O Colapso de

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Koot Hoomi”, escrito por seu editor, o reverendo George Patterson, com base em 15 cartas que os Coulombs alegavam terem sido escritas para eles por HPB. Algumas estavam em francês, outras em inglês e nelas HPB estaria lhes dando instruções de como produzir fenômenos ocultos de forma fraudulenta. Na edição de outubro mais um conjunto de cartas foi publicado. (CW VI, 295)

 

            Uma das primeiras reações de HPB à publicação das cartas foi renunciar ao cargo de Secretária Correspondente da ST, em 27 de setembro, comunicando sua decisão através de uma carta que pretendia publicar no jornal Light. Sua intenção era desvincular-se da ST, para que essa não fosse prejudicada e pudesse prosperar, uma vez que ela, HPB, era “o principal, senão o único alvo para as críticas venenosas de nossos muitos inimigos”. (CW VI, 283) Assim sendo:

 

“... deixo de ocupar a posição oficial de Secretária Correspondente em nossa Sociedade e estou até mesmo desejando, se possível, que fosse esquecido que algum dia fui um de seus dois fundadores ativos. Eu rompo – por um longo período, de qualquer maneira – toda conexão com a Sede, com a Sociedade Mãe como um corpo e com seus duzentos Ramos. Não retornarei a Adyar antes de ter inocentado a Sociedade de todas as perversas difamações sobre seu caráter, e que a pureza de suas intenções tenha sido melhor reconhecida.” (CW VI, 283)

 

            Entretanto, Madame Blavatsky voltou atrás em sua decisão, atendendo pedidos e a carta não chegou nem mesmo a ser publicada. Nessa carta ela lembra que “seja lá o que eu aparente ser, ou o que eu possa realmente ser, meus erros e deficiências são meus e não têm nada a ver com a Sociedade Teosófica.” (CW VI, 284)

 

            Embora muitos associem o Madras Christian College a padres jesuítas dogmáticos, ela era uma escola cristã ecumênica de presbiterianos escoceses. Em 27 de setembro, a convite do general Morgan, Patterson acompanhado dos reverendos Alexander e Padfield foram a Adyar, onde tiveram acesso ao santuário, a cartas e a documentos na caligrafia de HPB. Eles mostraram a Hartmann, Subba Row, Judge e Morgan algumas das cartas publicadas. Dois dias depois Patterson publicou suas conclusões:

 

“O resultado de uma comparação muito cuidadosa desses documentos foi o fortalecimento de nossa convicção de que as cartas publicadas são indubitavelmente genuínas. (...) Posso ainda acrescentar,

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em resposta às muitas perguntas que têm aparecido na imprensa, que ‘toda precaução’ tomada para determinar a genuinidade das cartas antes da publicação de fato incluiu seu exame pelos melhores especialistas em caligrafia disponíveis na Índia.” (Patterson)

 

 

Os Comentários de HPB sobre as Cartas Publicadas

 

            Em outubro o Conselho da Loja de Londres editou um panfleto sob o título “O Mais Recente Ataque à Sociedade Teosófica” onde HPB escreveu alguns comentários sobre 13 das 15 cartas publicadas na edição de setembro. Para ela apenas uma carta era realmente genuína. Quatro eram cartas com trechos adicionados ou adulteradas e as restantes eram falsificadas.

 

            Ela chama a atenção para detalhes que evidenciavam as falsificações como, por exemplo, que jamais trocaria o nome do amigo, N.D. Khandalawala por “H. Khandalawalla”, nem mencionaria o “Marajá de Lahore”, uma vez que esse personagem não existe. Também não falaria para a Sra. Coulomb a respeito de Ragoonath Rao – um dos membros do Conselho de Controle em Adyar, com quem a Sra. Coulomb se encontrava todos os dias – como se o estivesse apresentado: “Ragoonath Rao, o Presidente da Sociedade”, mas usaria apenas o título “Dewan Babadur”. (CW VI, 295-297)

 

            Embora Hodgson tivesse as cartas em seu bolso quando foi conversar com HPB em Adyar, ele nunca permitiu que ela as examinasse. Para Sinnett, em agosto de 1885, ela escreve:

 

“É claro que sem ver as cartas não posso ajudá-lo com nenhuma pista para o mistério. Eu sei como foi feito, mas uma vez que não posso prová-lo (...) de que adianta falar nisso? A caligrafia naquele cartão não era idêntica à minha? Entretanto você sabe que não foi feito por mim. A letra de Alexis Coulomb é naturalmente parecida com a minha. Todos nós sabemos como Damodar foi certa vez enganado por uma ordem escrita na minha caligrafia para subir ao andar de cima e me procurar em meu quarto em Bombay, quando eu estava em Allahabad. Era um truque do Coulomb, que pensou que seria um bom divertimento enganar a

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ele, ‘um chela’ – preparou um disfarce parecido comigo deitado na minha cama e, tendo surpreendido Damodar – riu dele por três dias. Infelizmente aquele pedaço de nota não foi preservado. Não pretendia parecer nenhum fenômeno, mas apenas ser uma ‘boa farsa’ (une bonne farce) da parte de Coulomb, que preparou muitas. E se ele podia imitar tão bem minha letra numa nota, por que não poderia ter copiado (teve 4 anos para estudar e fazer isso) cada fragmento e nota minha para Mad. Coulomb num papel idêntico e fazer as interpolações que quisesse? Vi Coulomb copiando uma dessas minhas notas, em sua mesa, numa cena que me foi mostrada pelo Mestre na luz astral.” (LBS, 115-116)

 

 

Lane-Fox e a SPR (setembro/outubro de 1884)

 

            Outra pessoa que influenciou a SPR contra HPB foi o Sr. St. George Lane-Fox, membro do Conselho de Controle em Adyar. Em 24 de setembro de 1884 ele voltou da Índia para passar o verão na Europa. Logo entrou em contato com a SPR, da qual era membro, para expor seus pontos de vista com relação ao que estava acontecendo em Adyar. Massey escreve para Myers, em 17 de outubro de 1884:

 

“Tive uma longa conversa esta noite com Lane-Fox e, do que ele disse, não há dúvidas de que Damodar é muito pouco confiável. L.F. estava muito ansioso em fazer justiça às boas qualidades de Damodar, mas deixou claro (em linguagem direta) que ele é um mentiroso, e do relato geral sobre ele, não tenho dúvidas de que ele tem sido usado. Isso, para minha mente, é bastante consistente com que ele tenha sido, por sua vez, enganado, pois ele parece ser um jovem vaidoso e convencido, usado devido à sua faculdade mediunística, e que lhe fizeram acreditar que era um favorito dos Mahatmas.

            “Lane-Fox diz que Mad. Coulomb fez alguns fenômenos espúrios, os quais Mad. Blavatsky não teve a ‘coragem moral’ de impedir! É claro que ele argumentou contra minha visão em geral, mas seus fatos a apoiam. (...)

            “Do relato de Lane-Fox eu inferi que a mentira e a fraude são abundantes e habituais na Sede. O que mais, realmente, podemos deduzir dos favores por longo tempo gozados pelos Coulombs? (...)

(p. 238)

            “Você faria bem em mostrar essa carta para Sidgwick ou Hodgson, se algum deles já não estiver a par dos fatos. Mas faça como quiser.” (Price 1985b, 75)

 

            E no alto da carta também estava escrita a seguinte nota: “Lane-Fox está voltando quase imediatamente, assim encontrará Hodgson.” (Price 1985b, 76) Sua opinião certamente contribuiu para que Hodgson fosse para a Índia predisposto contra HPB.

 

 

O Memorando Stack (outubro de 1884)

 

            Como já mencionamos, os membros que inicialmente compunham o comitê da SPR para investigar os fenômenos relacionados a HPB eram Gurney, Myers, Podmore, Sidgwick e Stack. J. Herbert Stack, um jornalista amigo de Sinnett, ficou responsável por fazer revisão no relatório preliminar. Suas anotações com sugestões e comentários são conhecidos como o “Memorando Stack”.

 

            Na carta para Sidgwick, de 17 de outubro de 1884, que acompanhou suas anotações, fica bastante claro que ele não estava imparcial, mas sim propenso a julgar Madame Blavatsky como uma impostora, influenciado pelas cartas dos Coulomb, pela carta britânica de Massey e pelo caso Kiddle. Seu receio em tomar uma tal posição publicamente devia-se ao respeito e grande amizade que tinha por Sinnett. Ele escreve:

 

“Tentei persuadir Myers e Gurney ontem: receio que meus argumentos não tenham tido muito efeito: eles ainda estão sob o feitiço de Madame Blavatsky. (...) Uma das maiores dificuldades de qualquer veredicto claro ou decisivo na Teosofia surge da relutância que todos nós sentimos em falar sem rodeios. Por exemplo, se você toca nas cartas Coulomb você deve, com franqueza, apontar que Madame Blavatsky já foi pega numa fraude que se parece muito com aquelas que lhes são atribuídas pelos Coulombs. Ela escreveu à Sra. Billing: ‘Entregue essa carta para o Sr. Massey de modo fenomênico’. Ela escreveu (ou é dito que escreveu) para Madame Coulomb: ‘Entregue isso para Damodar de um modo miraculoso.’ Então devemos ter em mente que seus próprios amigos e discípulos admitem que ela não é ‘verdadeira’ e ‘confiável’. Depois temos Koot Hoomi condenado não apenas por plágio, mas

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por uma deliberada ordem de falsificação para se livrar da acusação. Acrescente os Coulombs, trapaceiros confessos – e teremos a fundadora da Sociedade, o Mahatma líder e os guardiões do sagrado ‘santuário’, todos maculados.

            “Agora, mostrar tudo isso claramente no seu relatório seria justo, mas doloroso e rude. Não gostaria de escrever um tal relatório público pois pessoalmente tenho um grande respeito por Sinnett. Mas se você fala de caráter, você não pode, com justiça, omitir esses fatos. Minha saída num caso desses seria o silêncio ou uma grande reserva.

            “Quanto ao fenômeno favorito deles, a precipitação de cartas, não há nada tão dentro do alcance de um mágico, e nenhum outro que, se quisessem, poderia ser tão irrefutavelmente testemunhado por pessoas de fora. Homens que estão uma vez por semana, ou coisa assim, enviando por meios ocultos cartas a milhares de milhas de distância, poderiam certamente enviar uma única vez uma carta exibindo em seu exterior os carimbos postais de Londres e de Calcutá do mesmo dia. Eles não farão isso, dizem eles: eles não concederão tanto. Então, por que todas essas publicações, palestras e esforços particulares de propaganda? Por que tentar converter o ocidente se eles estão resolvidos a manter-se envoltos numa dignidade oriental?” (Price 1985, 11-12)

 

            Stack recomenda que Sidgwick reduza o tamanho do relatório, pois: “Parecerá que a Teosofia é um assunto sério e importante se denotarmos a ela um documento tão volumoso.” (Price 1985, 6) Ele também sugere que um fenômeno claramente a favor de HPB – o tilintar de sinos que havia ocorrido na presença de dois membros do comitê, Myers e Gurney – fosse omitido do relatório pois era “um fato muito pequeno para ser registrado de forma tão elaborada e solene”. Mesmo que essa não fosse uma evidência forte, deveria ter sido incluída no relatório, se fosse realmente imparcial. (Price 1985, 5-6) As sugestões foram acatadas por Sidgwick que apenas escreveu no relatório:

 

“Também se diz ocorrer a produção de sons sem meios físicos, e alguns desses casos encontram-se nos apêndices, mas esse fenômeno, mesmo que genuíno, pode possivelmente ser devido a alucinação auditiva, telepaticamente provocada.” (SPR Report)

 

 

(p. 240)

O Relatório Preliminar da SPR (dezembro de 1884)

 

            O comitê de investigação da SPR publicou, em dezembro de 1884, um relatório preliminar e provisório, que continha 42 apêndices com as descrições das testemunhas sobre os fenômenos. Era apenas para circulação privada entre seus membros, por duas razões: a primeira era que algumas testemunhas, especialmente Damodar e a Sra. “X” (Sra. Billing) poderiam não gostar das evidências que estavam sendo publicadas.

 

            A segunda razão era que o comitê ainda estava “num estado de deixar em suspenso o julgamento quanto à genuinidade e à importância dos fenômenos alegados.” Assim, qualquer opinião dada nesse relatório deveria ser considerada como provisória e hipotética e não uma conclusão definitiva. (SPR Report)

 

            Embora o comitê considerasse que, em princípio, as testemunhas teosóficas eram confiáveis, reconhecia que algum tipo de fraude havia sido praticado por pessoas ligadas à ST:

 

“Pois mesmo supondo que seja provado que as cartas que os Coulombs alegam terem sido escritas por Madame Blavatsky tenham sido por eles falsificadas, ainda permanecerá como certo que os próprios Coulombs, que residiram por longo tempo na Sociedade Teosófica ocupando cargos de confiança, são trapaceiros, e que Madame Blavatsky, se não sua cúmplice, tem sido pelo menos enganada por eles, a ponto de, pelo menos, depositar confiança em pessoas extremamente indignas. Mais ainda, do que é conhecido como o incidente Kiddle – e algumas outras evidências que nos foram trazidas privadamente pelo Sr. C.C. Massey – sugerem, pelo menos para a mente ocidental, que nenhuma precaução pode ser excessiva ao lidar com evidências desse tipo.” (SPR Report)

 

            Em seguida o comitê conclui não achar possível a afirmação dos Coulombs de que todos os fenômenos eram realizados por HPB, apenas com o auxílio deles e de alguns servos indianos, sendo todos os outros teosofistas enganados. Assim, só havia duas alternativas: ou os fenômenos eram genuínos, ou outras pessoas de boa posição na sociedade e consideradas de bom caráter, também haviam tomado parte deliberada na fraude. Decidiram então investigar as chamadas “projeções do

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duplo ou da forma astral” de pessoas vivas, o transporte ou duplicação de objetos e a precipitação de cartas, sobre as quais os Coulombs haviam lançado tantas suspeitas.

 

            Havia testemunhos da ocorrência de projeções astrais de Damodar e dos Mestres KH e M. Porém, a própria existência física dos Mahatmas já era um ponto controverso e suas aparições poderiam ser devidas a ilusões ou alucinações. Do ponto de vista da investigação científica, para estabelecer se realmente houvera a projeção astral, era preciso primeiro comprovar a existência física das pessoas e, em segundo lugar, era necessário certificar-se que a forma aparecendo era o próprio homem real, ou algum outro se passando por ele, ou se não eram ilusões produzidas por aparatos ópticos, ou alucinações geradas pela expectativa ou por processos mesméricos.

 

            Assim, se a existência física dos Mestres não fosse comprovada, os fenômenos de suas aparições não poderiam ser aceitos. O “caso Kiddle” havia deixado um clima de suspeitas. Além das explicações de KH não terem sido satisfatórias, deixando dúvidas, o Sr. Kiddle havia publicado um outro artigo mostrando outros trechos que apresentavam o mesmo problema de um aparente plágio, sobre os quais KH não havia se manifestado. Assim, o relatório conclui que as evidências acerca dos “fenômenos teosóficos” eram de um tipo:

 

“... particularmente difícil tanto de esclarecer quanto de avaliar. As pretensões são tão grandes e as linhas de testemunhos convergem e se fundem de um modo tão surpreendente, que é quase tão difícil dizer quais declarações devem ser aceitas, quanto o que deve ser inferido da aceitação de outras declarações. No todo, entretanto (embora com algumas sérias reservas), parece inegável que há um caso prima facie, pois pelo menos algumas partes das reivindicações feitas, no ponto em que se encontram as investigações da SPR, não podem, com coerência, ser ignoradas. E parece também evidente que uma verdadeira residência na Índia, por alguns meses, de algum observador de confiança (...) é quase que um pré-requisito necessário para qualquer julgamento mais definitivo.” (SPR Report)

 

 

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