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Capítulo 16

 

 

Volta para Adyar (novembro de 1884)

 

            No final de setembro de 1884 Franz Hartmann, presidente do Conselho de Controle da Sede, telegrafou pedindo que Olcott voltasse para Adyar. Ele partiu em 20 de outubro, de Marselha para Bombay, acompanhado de Rudolf Gebhard e chegou em Adyar em 15 de novembro. (CW VI, xxxvii) No dia 17 dissolveu o Conselho de Controle e reassumiu suas funções administrativas.

 

            Em 31 de outubro HPB partiu de Londres para a Índia, via Egito, acompanhada de Isabel Cooper-Oakley e seu marido A.J. Oskley. Um dia antes, Charles Webster Leadbeater (CWL) foi visitá-la em Londres e lhe falou de seu grande desejo de ser um discípulo do Mestre KH. Ele havia até mesmo escrito uma carta ao Mestre, mas não obtivera resposta. HPB lhe disse que a resposta chegaria no dia seguinte em sua casa, o que de fato aconteceu. Entre outras questões, Mestre KH lhe explicava que aceitar alguém como um chela (discípulo) não dependia de sua vontade pessoal, mas que:

 

“Isso só pode ser o resultado de méritos e esforços nessa direção. Force qualquer um dos ‘Mestres’ que você possa ter escolhido; faça bons trabalhos em seu nome e por amor à humanidade; seja puro e resoluto no caminho da retidão (como estabelecido em nossas regras); seja honesto e altruísta; esqueça seu Eu para lembrar apenas do bem de outras pessoas – e você terá forçado aquele ‘Mestre’ a aceitá-lo.” (Jinarajadasa 1941, 12)

 

            Advertiu-lhe que como sacerdote da Igreja Cristã ele compartilhava do carma desse grupo, inclusive quanto aos ataques que a ST sofria na época. Sugeriu-lhe que fosse para Adyar por alguns meses e predisse que isso seria um sacrifício, mas que somente sacrifícios poderiam encurtar seus anos de provação. Mas quanto ao que Leadbeater deveria fazer a seguir, ele escreve:

 

“Se eu fosse exigir que você fizesse uma ou outra coisa, ao invés de simplesmente aconselhá-lo, seria responsável por cada efeito que pudesse brotar desse passo e você adquiriria apenas um mérito secundário. (...) O discipulado é um estágio tanto educacional quanto probacionário (...). Chelas com uma ideia errada de nosso

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sistema muito freqüentemente ficam na expectativa e esperam por ordens, desperdiçando um tempo precioso que deveria ser utilizado com esforço pessoal. Nossa causa necessita missionários, devotos, agentes, talvez até mesmo mártires. Mas ela não pode exigir de nenhum homem que ele se torne qualquer dessas coisas.” (Jinarajadasa 1941, 13)

 

 

Em Questões Ocultas, Ouvir É Obedecer

 

            Leadbeater correu de volta a Londres para que HPB transmitisse sua resposta: – estava pronto para dedicar sua vida ao serviço do Mestre. Ela lhe pediu que aguardasse, sem sair de perto dela. Após a meia noite, em meio a uma animada conversa com os presentes, HPB subitamente fez um movimento brusco com a mão direita e os presentes viram “bastante claramente um tipo de névoa esbranquiçada formar-se na palma de sua mão e então se condensar num pedaço de papel dobrado, que ela logo me passou dizendo: ‘Eis aqui sua resposta’.” (Leadbeater, 53) A nota dizia:

 

“Uma vez que sua intuição o conduziu na direção certa e o fez compreender que era meu desejo que fosse para Adyar imediatamente, eu posso dizer mais. Quanto antes você for, melhor. Não perca nenhum dia a mais do que o necessário. Embarque dia 5, se possível. Junte-se a Upasika em Alexandria. (...) Saudações, meu novo chela.” (Jinarajadasa 1941, 52)

 

            É interessante notarmos a diferença de tratamento do Mestre entre a primeira e a segunda mensagem recebida por Leadbeater. Enquanto na primeira o Mestre diz que não poderia exigir que ele fizesse isso ou aquilo, mas apenas poderia aconselhá-lo, na segunda, tendo-o recebido como chela, passa a lhe dar orientações específicas, as quais CWL apressou-se em cumprir, pois como ele mesmo dizia: “Em questões ocultas ouvir é obedecer.” (Leadbeater, 53). Jinarajadasa comenta sobre isso:

 

“Veremos, na segunda carta do Mestre, quando o Sr. Leadbeater decidiu sobre o rumo de suas ações e o Mestre o aceitou como um chela, que o Mestre então de fato especifica quais são as ações que ele requer de seu novo chela. Certamente um Mestre dá orientações a um discípulo e, às vezes, como veremos na segunda

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carta recebida pelo Sr. Leadbeater, orientações muito precisas.” (Jinarajadasa 1941, 41-43)

 

            Há outros exemplos de orientações específicas na literatura. Numa carta escrita para um discípulo em provação o Mestre prescreve, em detalhes, o comportamento a ser adotado e lhe diz que em caso de desobediência de suas ordens deixaria de ser seu discípulo. Vejamos o trecho:

 

“Os adúlteros destilam um aura venenosa que inflama toda paixão ruim e enlouquece seus ardentes desejos. O único caminho para o sucesso é a separação absoluta: não permitirei nem um encontro, uma olhada à distância, uma palavra ou carta. No momento em que quebrar qualquer uma dessas uma dessas ordens você terá deixado de ser meu chela.” (LMW 2nd Series, 151)

 

            Podemos constatar que quanto mais profunda se torna a ligação entre Mestre e discípulo, isto é, quanto mais o discípulo avança no Caminho, mais usuais se tornam as ordens. Para HPB, uma discípula mais avançada, as ordens eram tão frequentes que ela afirmava sobre seu Mestre: “Ele sabe que eu sou apenas uma ESCRAVA e que Ele tem o direito de me ordenar a respeito de qualquer coisa sem consultar meu gosto ou desejo.” (LBS, 13) E exatamente por estar sempre obedecendo ordens, diz ela, é que as pessoas pensavam que ela estava sempre mudando de ideia:

 

“Ordens não são brincadeira, assim eu obedeço, e não posso fazer nada melhor que isso. (...) Tudo depende dos caprichos de meu Patrão; (...) Você pensa que nunca sou capaz de me decidir; você está me considerando como quase insana. E o que posso fazer? Como posso dizer que vou para lá ou para outro lugar quando, na undécima hora, Ele geralmente faz uma aparição e muda todos os meus planos”. (LBS, 10)

 

“... é por eu confiar cegamente Nele, mesmo quando não entendo Sua política e quando para todos os fins e propósitos Ele é o primeiro a me sacrificar e a permitir que as coisas mais cruéis aconteçam comigo, que eu sou o que sou: na visão dos cegos apenas uma velha mulher caprichosa e ‘lamuriosa’, mas aos olhos daqueles ‘que sabem’, sempre uma Upasika agindo sob ‘ordens’ e, por isso, sempre tão pouco constante.” (HPB to Judge, 2)

 

 

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C.W. Leadbeater Encontra-se com HPB no Cairo

 

            Leadbeater conseguiu arrumar suas coisas e encontrar-se com HPB em Porto Said. Lá chegando ela o recebeu dizendo: “Bem, Leadbeater, então você realmente veio, apesar de todas as dificuldades.” Ao lhe responder que sempre fazia questão de honrar com suas promessas, ela apenas retrucou: “Melhor para você.” CWL sentiu que HPB estava satisfeita com sua presença, pois estava voltando com um sacerdote cristão, que havia abandonado sua posição para se tornar seu seguidor fervoroso, num momento em que era atacada por missionários cristãos. (Leadbeater, 57)

 

            HPB, CWL e o casal Oakley foram para um hotel em Porto Said, onde esperavam aguardar tranquilamente a chegada de um novo vapor. Porém, quando se preparavam para dormir, HPB:

 

“... teve um daqueles súbitos lampejos de inspiração que tão frequentemente lhe vinham do lado interno das coisas. Ela geralmente os atribuía a um ou outro daqueles a quem chamava de os Irmãos – um termo sob o qual ela incluía não apenas alguns dos Mestres, mas também vários de Seus discípulos. Nesse caso a orientação que ela recebeu perturbou completamente todos os nossos planos, pois ela foi instruída que, ao invés de esperarmos calmamente por nosso vapor, devíamos ir imediatamente para o Cairo”. (Leadbeater, 58)

 

            Naquela época não havia trens de Porto Said para o Cairo e a única forma de lá chegar era descer pelo canal de Suez até Ismailia, onde havia um trem para a capital. À meia noite eles embarcaram no único transporte disponível: um pequeno, sujo e desconfortável vapor que mais parecia um rebocador. A descrição que Leadbeater faz desse trajeto nos oferece um vislumbre das dificuldades que HPB e seus companheiros passavam em suas viagens.

 

            Na popa do vapor ficava uma pequena cabana de cerca de 10 m2 que era chamada de cabine geral. E junto dela, nos fundos, havia um compartimento sem janelas, denominado “quarto das senhoras”, onde HPB acomodou-se. O Sr. Oakley, exausto e algo aborrecido pela súbita alteração dos planos, jogou-se num duro assento de madeira num canto, enquanto Leadbeater e a Sra. Oakley, considerando o enorme exército de baratas que tomava conta de ambas as peças, preferiram passar a

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noite andando – limitados pelo espaço de seis passos para cada lado do convés – e parando ocasionalmente para olhar o Sr. Oakley que “dormia calmamente, embora absolutamente coberto pelas repugnantes criaturas já mencionadas – e outras.” (Leadbeater, 60)

 

            Subitamente a monotonia da noite foi quebrada por gritos de dar pena, vindos do “quarto das senhoras”. A Sra. Oakley correu para lá corajosamente “enfrentando o flagelo dos insetos com apenas um estremecimento momentâneo; mas ela encontrou Madame Blavatsky muito doente e em grande dor e veementemente exigindo instalações sanitárias que, naquele pequeno e esquálido rebocador, simplesmente não existiam.” (Leadbeater, 60) Após convencer o capitão a esperá-los um pouco na próxima parada, Leadbeater e o Sr. Oakley tiveram que carregar HPB – que na época pesava 111 kg – até a terra, por uma estreita tábua de talvez 30 cm de largura:

 

“Vocês podem imaginar que foi um trabalho nervoso, e a linguagem de Madame Blavatsky na ocasião se distinguia mais pela força do que pela suavidade. Mas de um jeito ou de outro o feito foi realizado; nós a levamos a salvo para terra, e de novo bordo um pouco depois – o que foi uma façanha ainda mais séria, devido à pronunciada inclinação para cima da tábua. Ela foi devolvida ao seu cubículo e a heroica Sra. Oakley sentou-se ao seu lado até que ela caísse no sono. Acredito que o Sr. Oakley foi dormir novamente; mas sua esposa, assim que pode deixar nossa líder, veio e caminhou comigo pelo convés até que no pálido dourado da manhã egípcia atracamos no cais em Ismailia.” (Leadbeater, 61)

 

            Após passar algumas horas em Ismailia, onde ocorreram outras confusões, o grupo partiu para o Cairo. Depois da terrível noite HPB não estava no melhor de seus humores e, já no trem, começou a discursar sobre as dificuldades que os europeus enfrentavam no caminho do Ocultismo, fazendo prognósticos terríveis do que eles ainda teriam que passar. Seus ouvintes, por reverência, não ousavam mudar de assunto. CWL descreve: “o Sr. Oakley sentava-se em frente a ela, com a expressão resignada de um primitivo mártir cristão; enquanto a Sra. Oakley, soluçando profusamente com crescente horror no rosto, sentava-se à minha freten. Quanto a mim, tinha uma espécie de sentimento como de colocar um guarda-chuva contra uma forte chuva”. (Leadbeater, 63)

 

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            Foi então que eles viram uma espécie de bola de névoa branca se formando num buraco do teto e se condensando num pedaço de papel dobrado que caiu no chão do compartimento do trem. Leadbeater pegou-o e entregou-o a HPB. Ao lê-lo ela ficou com a face vermelha e disse: “Umph! Isso é o que ganho por tentar lhes avisar sobre os problemas que estão à frente de vocês!” e passou o papel para CWL, que lhe perguntou se poderia lê-lo. Ela respondeu: “Por que você pensa que lhe dei?”

 

            Lendo-o, descobriu tratar-se de uma nota do Mestre KH sugerindo, de um modo gentil, porém firme, que era uma pena que ela, tendo consigo candidatos tão sérios e entusiastas, “lhes desse uma visão tão sombria de um caminho que, por mais difícil que pudesse ser, estava destinado a conduzi-los finalmente a uma alegria indizível. E a mensagem concluía com algumas palavras de gentis elogios endereçados nominalmente a cada um de nós.” (Leadbeater, 65)

 

            Chegando ao Cairo dirigiram-se ao Hotel Shepeard. HPB sentou-se em cima das numerosas bagagens, no meio do salão, enquanto o Sr. Oakley lutava para passar pelas 30 ou 40 pessoas que se apinhavam no saguão de entrada, para conseguir quartos. Ele mal havia conseguido as acomodações quando HPB saltou de cima das bagagens e começou a chamá-lo excitadamente dizendo que iriam para o Hotel d’Orient, onde os Coulomb trabalharam, pois lá conseguiriam provas contra eles, e: “É claro que isso causou a costumeira confusão; o pobre Sr. Oakley teve que voltar e cancelar os quartos que havia contratado”. (Leadbeater, 67)

 

 

Método Drástico e Desagradável, Mas Muito Eficaz

 

            É interessante o depoimento de Leadbeater com relação ao efeito produzido por essas primeiras semanas com HPB onde o inesperado e o não usual – muitas vezes expondo-os a confusões, dificuldades e ao ridículo – eram coisas mais frequentes do que o normal, ou do que se poderia esperar dentro de padrões convencionais. Eram por vezes situações tão difíceis que CWL comenta:

 

“Tenho algumas vezes imaginado, contudo, quantos dos atuais membros seriam capazes de suportar o treinamento algo severo, mas notavelmente eficaz, a que ela submetia seus discípulos; posso testemunhar certas mudanças radicais que seus métodos drásticos

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produziram em mim num espaço de tempo muito curto – e também o fato de que elas tem sido permanentes!” (Leadbeater, 76)

 

            Naturalmente, é um equívoco atribuir esses métodos não usuais apenas ao estilo de HPB, pois estaríamos desprezando o fato de que sua ligação e estrita obediência aos Mestres dominavam amplamente o curso de suas ações, não raro nos mínimos detalhes. Portanto, são os métodos de treinamento Deles que são “não usuais”. Leadbeater relata que quando conheceu HPB era apenas um sacerdote comum, bem intencionado e consciencioso, mas muito tímido e retraído e, como quase todo inglês mediano, com horror a estar em qualquer posição ridícula:

 

“Após umas poucas semanas de seu tratamento alcancei estágio em que estava absolutamente acostumado ao ridículo e não ligava a mínima para o que qualquer pessoa pensasse de mim. Digo isso de uma forma bem literal; não é que houvesse aprendido a suportar a desaprovação estoicamente apesar da interna, mas que realmente eu não ligava para o que as pessoas pensavam ou diziam de mim. Admito que seus métodos eram drásticos e indubitavelmente desagradáveis na época, mas não há dúvidas quanto à sua eficácia.” (Leadbeater, 76)

 

            O grupo ficou alguns dias no Cairo, onde foram a várias recepções. HPB jantou com o primeiro-ministro do Egito e foi a uma recepção do vice-rei. Ela estava bastante esperançosa com as informações obtidas sobre os Coulombs. O Sr. Oakley ficou no Egito para conseguir mais alguns registros policiais sobre eles. De Suez, HPB enviou um telegrama para Olcott dizendo: “COMPLETO SUCESSO. PROSCRITOS. PROVAS LEGAIS. ZARPO COLOMBO. NAVARINO.” Para sua irmã, antes da partida, ela escreveu sobre suas expectativas:

 

“O correspondente do Daily Telegraph veio pessoalmente me entrevistar e pediu minha permissão para deixar seus leitores saberem sobre minhas descobertas com relação aos antecedentes do Sr. e da Sra. Coulomb, e sobre meus próprios ‘movimentos’. Nos telegramas, como você vê, eles são tratados como sendo ‘chantagistas’ e ‘falidos fraudulentos’, se escondendo de várias ordres d’arret [mandados de prisão]. (...)

            “Bem, agora estou partindo para Madras para lutar com os missionários pseudo cristãos. Seja feita a vontade de Deus (...). Adeus minha querida, meus amados: talvez para sempre, mas até

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mesmo isso não importaria. A felicidade não é para ser ganha na terra. Aqui temos apenas o escuro hall de entrada, e somente abrindo a porta para o local onde verdadeiramente se vive, para a sala de estar da vida, onde poderemos ver a luz. Seja no Céu, no Nirvana, no Swarga, é tudo a mesma coisa: o nome não importa. Mas quanto ao Princípio divino, ele é Um, e há apenas uma Luz, por mais diferentes que sejam as maneiras que ela possa ser compreendida pelas várias escuridões terrenas. Esperemos pacientemente pelo dia de nosso real, nosso melhor nascimento. Sua, até aquele dia, até o Nirvana e para sempre.” (Letters of H.P. Blavatsky, VIII)

 

            Em 17 de dezembro de 1884 HPB e seus companheiros chegaram ao Ceilão, onde se encontraram com Olcott e Hartmann. A chegada foi marcada por uma recepção tumultuada, com a presença membros da ST e centenas de estudantes que foram recebê-la no porto com guirlandas de flores e a escoltaram em procissão até o salão onde se encontravam seus simpatizantes.

 

            Olcott descreve que quando HPB entrou no salão, eles se inclinavam a seus pés e gritavam vivas à medida que ela caminhava até a plataforma. Seus olhos estavam cheios de luz e quase derramavam lágrimas de alegria. Para os estudantes e indianos em geral, ela representava o renascimento de sua própria religião, a antiga crença nos poderes da Ioga e na existência dos Mahatmas. (Murphet 1972, 196)

 

            Durante essa estadia no Ceilão, Leadbeater passou pela cerimônia pública de aceitação do Budismo, celebrada por Sumangala. O fato causou grande impacto, pois era “uma visão até então raramente vista, de um ministro cristão sentando aos pés dos sacerdotes seguidores de Buddha, vestidos com mantas amarelos, e solenemente repetindo após eles: ‘Eu tomo meu refúgio em Buddha! Eu tomo meu refúgio na Lei! Eu tomo meu refúgio na ordem!’” (Perera)

 

 

HPB É Impedida de Processar os Coulombs (dezembro de 1884)

 

            Uma grande multidão recebeu HPB no cais de Madras com flores e manifestações de apoio e de lá foram para um salão onde várias pessoas discursaram em sua homenagem. Animada com as provas obtidas

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no Cairo, Madame Blavatsky estava decidida a processar os Coulombs.

 

            As duas calorosas recepções devem ter auxiliado HPB a enfrentar os duros dias que se seguiram. Pois, logo que chegou a Adyar, ela e Olcott se desentenderam. Ela queria ir à justiça contra os Coulombs, mas ele não concordava. Olcott achava que essas provas não eram suficientes e sua experiência como advogado prático lhe dizia que não tinham chances de ganhar. Assim, apesar de HPB insistir para que arrumasse um advogado, ele se recusava. Como ela continuava a insistir, Olcott ameaçou renunciar a seu cargo e os dois acabaram concordando em deixar a decisão de entrar ou não na justiça contra os Coulombs nas mãos de um comitê formado por advogados e juízes, selecionados entre os delegados da Convenção da ST de fins de 1884, que começaria em poucos dias. (ODL III, 197-198)

 

            Muitos membros, especialmente os orientais, não podiam aceitar que assuntos sagrados como a existência dos Mestres fossem tratados numa corte de justiça. Para eles, era melhor que HPB fosse sacrificada do os nomes dos Mestres profanados. Além disso, as cortes de justiça eram formadas por anglo-indianos que, de um modo geral, alimentavam forte preconceito contra o trabalho da ST. Olcott, conhecendo o temperamento extremamente excitável de HPB, também temia vê-la dependo como testemunha. Após discussões, o comitê decidiu:

 

“Que as cartas publicadas no Christian College Magazine sob o título de ‘O Colapso de Koot Hoomi’ são apenas um pretexto para injuriar a causa da Teosofia. E como essas cartas necessariamente parecem ser absurdas para aqueles que estão familiarizados com nossa filosofia e com os fatos, e como aqueles que não estão familiarizados com aqueles fatos não poderiam ter suas opiniões alteradas mesmo por um veredicto judicial dado a favor de Madame Blavatsky, assim sendo, é a opinião unânime desse Comitê que Madame Blavatsky não deve processar seus difamadores numa Corte de Justiça.” (TS Report)

 

            Madame Blavatsky ficou muito contrariada e desapontada com a decisão. Para ela “a lealdade e a coragem das Autoridades de Adyar, e dos poucos europeus que tinham confiado nos Mestres, não se mostraram à altura da provação quando ela veio.” (CW XII, 162)

 

 

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Richard Hodgson em Adyar

 

            Richard Hodgson Jr., mais tarde conhecido “como ‘um dos maiores, senão o maior pesquisador de fenômenos psíquicos’ entre os fundadores da moderna parapsicologia” (Eek 1978, 613), nasceu na Austrália, em 24 de setembro de 1855. Formou-se em Direito na universidade de Melbourne, em 1871, e foi para Cambridge, onde se bacharelou em Ciências Morais. Foi aluno Henry Sidgwick e aparece como um membro da Society for Psychical Research desde sua fundação. (Eek 1978, 613)

 

            Em abril de 1884 Hodgson ganhou prestígio como sendo o primeiro investigador a desmascarar um caso encaminhado para análise da SPR, o de uma jovem analfabeta que simulava clarividência.

 

            No início de maio a SPR formou o comitê para análise dos fenômenos relacionados com HPB e a ST. Em dezembro, quando o relatório preliminar do comitê foi publicado, a Sra. Sidgwick e Hodgson também integraram o comitê. Hodgson, com o prestígio recém adquirido por sua revelação de fraude e também por sua relação de amizade com Sidgwick, foi selecionado para as investigações na Índia. É interessante observarmos que a composição desse comitê estava longe de ser imparcial, pois:

 

“A maioria era de Cambridge, intimamente relacionada. Myers e Gurney haviam sido ambos alunos de Sidgwick. Isso provavelmente explica porque eles agiram de um modo tão passivo, permitindo que seus próprios testemunhos fossem cancelados sob sua orientação; (...) Um comitê composto por um homem, sua esposa e dois de seus alunos mal se poderia dizer que consiste de pessoas independentes. Um júri assim constituído nunca seria tolerado. Se suas origens tivessem sido mais heterogêneas, teria havido uma maior probabilidade de que pelo menos um se posicionasse contra os outros e dissesse: Eu tenho uma opinião diferente.” (Fuller, 174)

 

 

Desaparecimento do Santuário

 

            Ao chegar em Madras, em 18 de dezembro de 1884, Richard Hodgson quis examinar o santuário e o quarto oculto. Entretanto, Damodar, que agora era o responsável pelas chaves do quarto, não deixou

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que ele lá entrasse, uma vez que tanto Madame Blavatsky, quanto Olcott e Hartmann estavam no Ceilão.

 

            Lembremo-nos que os Coulombs acusavam HPB de forjar fenômenos, especialmente aqueles relacionados com o santuário – local onde eram colocadas mensagens para serem enviadas aos Mestres e onde as respostas eram encontradas materializadas. O santuário era uma pequeno armário, pendurado numa fina parede de tijolos que separava o quarto oculto do dormitório de HPB. O Sr. Coulomb atestou para Hodgson que ele tinha removido o santuário:

 

“... logo após ter sido originalmente pendurado na parede, serrou o painel central em dois e colou um pedaço de couro atrás, de modo que a parte de cima pudesse ser facilmente levantada. Atrás desse painel deslizante foi feito um buraco na parede.” (Hodgson)

 

            Coulomb disse também que em novembro de 1883, eles construíram uma outra fina parede de tijolos para bloquear o acesso do dormitório, paralela à parede onde o santuário estava pendurado, ficando um espaço vazio de cerca de 30 cm entre as paredes do dormitório e do quarto oculto. Logo depois haviam encostado na parede do dormitório uma cômoda, de uns 91 cm de altura e 86 cm de largura e, nesse ponto da parede:

 

“... o Sr. Coulomb afirma que os tijolos foram retirados, de modo que havia uma comunicação através da cômoda (no fundo da qual o Sr. Coulomb fez uma abertura com dobradiças) com o espaço vazio, e daí, através do buraco na parede de trás, com o santuário.” (Hodgson)

 

            Alexis Coulomb também afirmava que pouco antes de HPB viajar para a Europa o fundo do santuário fora substituído por uma peça inteira e o buraco na parede tampado, pois ela receava “que algum exame pudesse ser feito no santuário durante sua ausência.” (Hodgson)

 

            Diferentemente do testemunho de Coulomb, W.Q. Judge relata que, quando o Comitê de Controle da Sede conseguiu entrar nos aposentos de HPB, eles descobriram um buraco inacabado na parede entre o dormitório e o quarto oculto. O buraco era tão novo que ainda havia restos de reboco e pontas de ripas de madeira pelo chão. No dormitório, havia sido colocado um armário com um painel como fundo falso, cobrindo o buraco na parede:

 

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“Mas o painel era novo demais para funcionar bem e tinha que ser violentamente golpeado para poder ser aberto. Tudo estava mal planejado, sem lubrificação e não estava bem lixado. Ele havia sido mandado embora antes de ter tido tempo de terminar.” (Cranston, 269)

 

            Quando HPB e Olcott chegaram de viagem, Hodgson logo quis saber onde estava o santuário. Soube então que ele havia desaparecido! Damodar relatou que o levara para seu quarto ao meio-dia de 20 de setembro, mas que na manhã seguinte o santuário havia sumido!

 

            Escrevendo para Judge, em maio de 1885, HPB relata que Hartmann, inicialmente, havia declarado a Hodgson que o santuário havia sido roubado do quarto de Damodar, até mesmo lhe mostrando marcas de pés e mãos nas paredes sob a janela de Damodar. E ainda sugerira que quando fosse conversar com os Coulombs tentasse ver se o santuário não estava escondido por lá.

 

            Depois, quando Hodgson já estava claramente contra HPB, Hartmann e Hume inventaram uma teoria de que havia sido HPB quem havia ordenado a seu servo Babula, que voltara antes dela da Europa, a “desaparecer com o santuário comprometedor.” (HPB to Judge, 2) Hodgson já havia aceito essa versão contra HPB, quando Hartmann:

 

“... que já havia confessado para a Sra. Oakley que havia sido ele quem tinha queimado o santuário, ficou com medo e levando Hodgson para seu quarto lhe mostrou as duas portas de veludo sob seu colchão, onde as escondera por meses, dizendo que as tinha queimado porque o santuário havia sido profanado. Ele disse a Hodgson que você [Judge], ele e Bowajee é que tinham queimado o santuário. Bowajee o nega, e diz que você entenderá o que isso significa.” (HPB to Judge, 2)

 

            Naturalmente, com essas sucessivas e contraditórias versões, a credibilidade de Hartmann ficou bastante abalada, bem como a credibilidade do panfleto que ele havia escrito em defesa de HPB. Como escreveu Madame Blavatsky para Judge, essas atitudes de Hartmann fizeram com que ele fosse: “proclamado por Hodgson o maior dos mentirosos e alguém que havia evidentemente me ajudado em minha fraude!!” (HPB to Judge, 2)

 

            A situação ficou ainda mais complicada porque, além do santuário ter desaparecido, o próprio quarto oculto também havia sido modificado.

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Logo após chegar em Adyar, em novembro de 1884, Olcott resolvera fazer uma reforma no quarto oculto. Certamente, os dois fatos contribuíram para criar mais suspeitas sobre possíveis fraudes nos fenômenos. Damodar escreve numa circular aos membros, em 9 de janeiro de 1885:

 

“O Quarto Oculto e o Santuário – onde os quadros de dois Mestres eram mantidos e onde tantos fenômenos ocultos ocorreram em presença de testemunhas incontestáveis – foram tão profanados pelos truques dos Coulombs durante a ausência de Madame Blavatsky na Europa, que o Presidente demoliu o quarto e o reconstruiu.” (Eek 1978, 512)

 

            Durante a convenção de dezembro de 1884 Hodgson pôde conviver e conversar livremente com os participantes. HPB escreveu para Sinnett:

 

“Hodgson veio para Adyar; foi recebido como um amigo; examinou e interrogou minuciosa e rigorosamente todos que ele quis; (...) Pergunte a ele – alguma vez ele me confrontou com meus acusadores? Alguma vez ele tentou saber alguma coisa de mim, ou me deu uma chance de defesa ou explicação? NUNCA. Desde o primeiro dia ele agiu como se tivesse sido provada minha culpa sem qualquer sombra de dúvida. Ele fez o papel de traidor comigo; e não agiu como qualquer investigador honesto teria feito, mas como um promotor público”. (LBS, 100)

 

            No início de janeiro de1885 Hodgson tomou o depoimento de HPB e no dia seguinte foi conversar com os Coulomb. Embora Hodgson carregasse as cartas consigo enquanto se hospedava em Adyar durante a convenção e quando foi examiná-la, HPB escreve que:

 

“Ele nunca me permitiu ver as cartas; nunca me pediu para explicá-las. Até o dia de hoje, nunca vi a cor de alguma dessas cartas ‘incriminatórias’. E isso é chamado de pesquisa científica, feita de um modo imparcial!” (CW VII, 337)

 

 

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