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Capítulo 10

 

 

O Casal Coulomb Chega em Bombay (março de 1880)

 

            O casal Coulomb após algumas tentativas frustradas de negócios e devendo dinheiro, havia viajado para o Ceilão, onde recebeu ajuda do cônsul francês. Sabendo do paradeiro de HPB, ao ler uma reportagem sobre as atividades dos teosofistas em Bombay, Emma Coulomb escreveu para HPB pedindo-lhe ajuda. Nessa primeira carta, de agosto de 1879, Emma fala da situação difícil que estavam passando e anexa a cópia de um jornal local, para o qual ela havia escrito uma carta defendendo a reputação de HPB:

 

“Conheço essa senhora há oito anos e preciso dizer a verdade de que não há nada contra seu caráter. Nós vivemos na mesma cidade e, ao contrário, ela era considerada como uma das senhoras mais inteligentes da época. Madame B. é uma música, uma pintora, uma linguista, uma autora e posso dizer que muito poucas senhoras e, de fato, poucos cavalheiros têm um conhecimento das coisas em geral como Madame Blavatsky.” (ODL II, 97)

 

            Essa defesa pública, somada à gentileza com que Emma Coulomb havia recebido HPB no Cairo, abriu o caminho para uma relação mais estreita e iniciou-se uma correspondência entre elas. Em 28 de março de 1880 o casal apareceu inesperadamente em Bombay, trazendo apenas algumas roupas e uma caixa de ferramentas, mas foram bem recebidos. (ODL II, 147)

 

            Ficou acertado que ficariam com HPB e Olcott até que conseguissem arrumar emprego e moradia. Entretanto, o Sr. Coulomb não parava em nenhum emprego e eles foram ficando por lá, sem quaisquer planos definidos para o futuro. Como ele era muito habilidoso e ela uma excelente dona de casa, os dois foram se integrando ao grupo de trabalhadores na Sede, em troca de casa e comida. Emma Coulomb trabalhava como governanta da casa e Alexis Coulomb, que era marceneiro, na manutenção.

 

 

Sumangala e os Budistas do Ceilão (1880)

 

            No dia 7 de maio de 1880 HPB, Olcott, Damodar e seis membros da ST partiram de Bombay para o Ceilão, num vapor chamado

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Ellora. Olcott descreve que eles eram praticamente os únicos passageiros a bordo e tudo contribuía para que a viagem fosse muito agradável. HPB estava muito animada e mantinha todos de bom humor. Passava os dias jogando cartas com os oficiais do navio e, nos últimos dias de viagem, após muita insistência, exibiu alguns de seus poderes psíquicos como sinos tocarem no ar e “batidas” de espíritos.

 

            Ela também predisse o futuro do velho capitão pelas cartas, o que se tornou motivo de risos no navio, pois ela disse que ele mudaria de profissão, abandonando o mar. Meses depois ele lhe escreveu confirmando a previsão. Olcott diz que, embora ela ocasionalmente fizesse esse tipo de predição, ela não usava esses poderes em benefício próprio, pois afirma não lembrar “que ela tivesse previsto qualquer um dos muitos eventos dolorosos que lhe aconteceram através de amigos traidores ou de inimigos maliciosos. Se ela o fez, nunca contou, nem a mim, nem a qualquer outra pessoa que eu tenha sabido.” (ODL II, 155)

 

            Essa visita de Madame Blavatsky ao Ceilão já era requisitada há muito tempo, tanto pela comunidade leiga da ilha, quanto pelos principais monges budistas, representados principalmente por U. Sumangala e M. Gunananda, um monge que era famoso na ilha como orador.

 

            Sumangala era o sacerdote chefe do templo que fica ao pé do Pico Adam, que é o ponto mais elevado do Ceilão, com 2.243 m. Para todos os efeitos práticos, era considerado como o Chefe do Budismo do sul como um todo. (CW III, 531). HPB dá a entender que Sumangala estava em contato com Adeptos, pois após a visita de 1880 ela escreve:

 

“Gratificou imensamente nossos Delegados no Ceilão descobrir que não apenas todos os sacerdotes e leigos educados, mas também o povo não educado daquela ilha, sabiam da possibilidade do ser humano adquirir os exaltados poderes psíquicos do adeptado, e o fato de que eles têm sido adquiridos frequentemente. (...) Mais ainda, nós até mesmo encontramos aqueles que encontraram, muito recentemente, tais homens santos; e um certo eminente sacerdote, que filiou-se à nossa Sociedade, logo depois teve a permissão de ver e trocar alguns de nossos sinais de reconhecimento com um deles.” (CW II, 438)

 

            A ligação entre os dois Fundadores e Sumangala havia sido feita através de J.M. Peebles, que estava no Ceilão em 1874 quando Sumangala organizou um debate entre missionários cristãos e o monge Gunananda

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Peebles mostrou a Olcott e HPB uma reportagem sobre o acontecimento. Olcott e Madame Blavatsky escreveram a Sumangala e Gunananda que “em beneficio da fraternidade universal, eles haviam acabado de fundar uma sociedade inspirada por filosofias orientais, e que iriam ao Ceilão para ajudar os budistas.” (Caldwell 1991, 117)

 

            HPB também enviou ao monge Gunananda os dois volumes de Ísis Sem Véu. (Gomes 1987, 201) As cartas de Olcott e HPB foram traduzidas para o singalês e amplamente distribuídas.

 

 

HPB e Olcott São Formalmente Reconhecidos Como Budistas

 

            O grupo chegou em Colombo, capital do Ceilão, na manhã de 16 de maio, onde Gunananda e outros monges do monastério de Sumangala vieram recebê-los. Antes do amanhecer do dia 17, chegaram a Galle, onde foram recebidos com grande pompa. Levados por um barco todo enfeitado com galhos de árvores e flores, junto com os dirigentes budistas locais, eles passaram por cordões de barcos pesqueiros enfeitados com panos vistosos e, ao longo da praia, uma multidão os saudava acenando bandeiras em sinal de boas-vindas.

 

            Uma grande agitação tomou conta da ilha, pois eles eram os primeiros “brancos” a admirar o Budismo, em flagrante contraste à atitude dos missionários cristãos. (ODL II, 165) Três sacerdotes chefes os receberam, abençoando-os e recitando versos em Pali.

 

            A pedido dos monges, HPB fez alguns fenômenos, como sinos tocando no ar, tanto no teto quanto na varanda. Ao velho monge Bulatgama, HPB fez demonstrações dos sinos que mais pareciam uma explosão, “batidas” de espíritos, e fez com que a mesa da sala de jantar tremesse e se movesse, causando pasmo em sua seleta audiência. (ODL II, 161)

 

            É interessante notarmos como, nessa época, HPB era bastante liberal nas demonstrações de fenômenos psíquicos, os quais ainda eram um grande elemento de atração das pessoas à ST. Depois eles foram retirados de cena, pois, como disse o Mestre KH: “Não são fenômenos físicos que jamais trarão convicção aos corações dos que não crêem na ‘Fraternidade’, mas sim fenômenos de intelectualidade, filosofia e lógica”. (MLcr., 147)

 

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            No dia 25 de maio, em Galle, HPB e Olcott declararam o pansil – palavra Pali para pancha sila ou os cinco preceitos de compaixão, honestidade, pureza, sinceridade e temperança – numa cerimônia oficiada pelo venerável Bulatgama, sendo então formalmente reconhecidos como budistas. Nessa cerimônia, o sacerdote recita os “Cinco Preceitos” e os “Três Refúgios” em Pali, sendo repetidos pelos candidatos e presentes. Relata Olcott:

 

“HPB ajoelhou-se diante da enorme estátua do Buda, e eu fiz o mesmo. Tivemos muita dificuldade em pegar as palavras em Pali, que nós tínhamos que repetir após o velho monge, e não sei se nós o teríamos conseguido se um amigo não tivesse ficado bem atrás de nós e nos sussurrado as palavras seriatim. Uma grande multidão estava presente, e repetia logo depois de nós, e um silêncio absoluto era observado enquanto nós lutávamos com as sentenças não familiares.” (ODL II, 168)

 

            Damodar também passou por essa cerimônia de reconhecimento. (Eek 1978, 6) Como Olcott não o menciona, não sabemos exatamente quando isso ocorreu. Porém, pela intensa agenda de viagens pela ilha, dando palestras e organizando a ST, é provável que tenha ocorrido junto com HPB e Olcott.

 

 

Damodar Visita a Casa do Mestre M. no Ceilão (maio de 1880)

 

            Para Damodar, um dos episódios mais importantes nessa viagem ao Ceilão foi um encontro que teve com seu Guru, o Mestre KH, relatado numa carta para Judge. Nessa carta, Damodar designa o Mestre por três pontos formando um triângulo: .:.

 

            Numa determinada vila, após trabalharem até quase meia noite formando mais um grupo da ST, Madame Blavatsky, Olcott e Damodar foram dormir numa pousada onde havia acomodações apenas para duas pessoas. Então Damodar ficou na poltrona da sala de jantar. Ele conta que mal havia se acomodado quando ouviu uma batida leve na porta:

 

“Eu a abri, e que grande alegria senti quando vi .:. novamente! Num sussurro muito baixo, ele me ordenou que me vestisse e o seguisse. Na porta dos fundos da pousada está o mar. Eu o segui,

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como ele me ordenou. Ele me levou para a porta dos fundos do local e andamos por cerca de três quartos de hora pela beira do mar. Então nos movemos em direção ao mar. Tudo à volta era água, exceto o local por onde estávamos andando, que estava bem seco!! Ele caminhava na frente e eu o seguia. Assim andamos por cerca de sete minutos, quando chegamos a um local que parecia uma pequena ilha. (...) Lá, num pequeno jardim em frente, encontramos um dos Irmãos sentado. Eu o havia visto antes na Sala do Conselho, e é a ele que esse lugar pertence. .:. sentou-se próximo dele e eu fiquei de pé em frente a eles. Estivemos lá por cerca de meia hora. (...) O Mestre desse local, cujo nome não sei, colocou sua abençoada mão sobre minha cabeça, e .:. e eu fomos embora novamente. Voltamos para perto da porta do quarto onde eu iria dormir e ele subitamente de lá desapareceu, imediatamente.” (Eek 1978, 56-57)

 

            O grupo viajou pela ilha encontrando e iniciando pessoas como membros da ST, e com Olcott dando palestras. Em 8 de junho a ST de Colombo foi organizada, com duas subdivisões – uma para leigos e outra só para monges. Isso foi feito para atender a uma regra dos monges, que os impedia de se associarem a leigos, em termos de igualdade, em questões mundanas. Sumangala ficou como presidente da associação dos monges, bem como vice-presidente honorário da ST como um todo. (ODL II, 179)

 

            A ST também foi organizada em Kandy e algumas outras cidades. Em 13 de julho a comitiva embarcou no SS Chanda, em Colombo, de volta para Bombay.

 

 

 Briga Entre Rosa Bates e Emma Coulomb (julho de 1880)

 

            Quando da partida para o Ceilão, Olcott havia determinado que Emma Coulomb ficaria como governanta da casa, cargo até então ocupado por Rosa Bates. Quando retornaram a confusão estava armada na Sede em Bombay. As duas mulheres faziam todo tipo de acusações uma à outra. Rosa Bates acusava Emma Coulomb até mesmo de ter tentado envenená-la. Olcott relata:

 

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“... fui chamado para arbitrar suas diferenças e sentei-me imparcialmente, ouvindo suas absurdas alegações por duas tardes inteiras e, finalmente, decidi em favor de Madame Coulomb no que diz respeito à estúpida acusação de envenenamento, que não tinha um único fato que a comprovasse. (...) HPB sentou-se perto enquanto a arbitragem prosseguia, fumando ainda mais cigarros do que de costume, fazendo comentários ocasionais cuja tendência era mais aumentar do que apaziguar a excitação.” (ODL II, 207-8)

 

            Em agosto, não aceitando a decisão, Rosa Bates brigou com Olcott e HPB. Wimbridge, que também viera de Nova Iorque com os fundadores, ficou do lado dela, criando uma divisão no grupo da Sede. A situação foi ficando difícil, pois todos conviviam sob o mesmo teto mas nem mesmo se falavam. Poucos dias depois, com a ajuda de Olcott, Wimbridge conseguiu montar um negócio em Bombay e os dois se retiraram da Sociedade. (ODL II, 209)

 

            Anos mais tarde, em agosto de 1885, HPB revela a Sinnett que Emma Coulomb já havia tentado traí-la em julho de 1880, quando ainda estavam em Bombay. Talvez ela estivesse querendo garantir algum dinheiro, caso Olcott e HPB decidissem em favor de Rosa Bates. HPB escreve:

 

“Ela começou a construir seu plano de traição em 1880, desde o primeiro dia em que desembarcou em Bombay com seu marido, ambos sem ter o que vestir, sem um tostão e famintos. Ela ofereceu vender meus segredos para o Rev. Bowen, do The Bombay Guardian, em julho de 1880 (...). Eu a conhecia e tentei o melhor que pude não odiá-la, mas como sempre falhei nisso, tentei compensar abrigando e alimentando a vil serpente.” (LBS, 110)

 

            Pela maneira como HPB tratou Emma Coulomb até 1884, não me parece que ela soubesse desse fato em 1880. Ela provavelmente soube dessa tentativa de venda dos “segredos” bem mais tarde.

 

 

Desentendimentos com Swami Dayanand (agosto de 1880)

 

            A partir de março de 1880 as relações com Swami Dayanand começaram a ficar difíceis. No dia 18, Olcott e HPB receberam dele uma carta severa, devolvendo seu diploma e exigindo que seu nome fosse retirado da relação de membros. (Ransom, 141) Olcott escreve:

 

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“Por essa época estávamos passando por uma desagradável fase em nossas relações com Swami Dayanand. Sem a menor causa sua atitude para conosco se tornou hostil; ele nos escreveu cartas exasperantes, depois as modificou, depois novamente mudou seu tom e assim nos manteve permanentemente sob tensão. O fato é que nossa revista não era de modo algum um órgão exclusivo da Arya Samaj, nem nós consentiríamos em nos manter distantes dos budistas ou dos parsis, como ele quase insistia que deveríamos fazer. Evidentemente ele queria nos forçar a escolher entre a continuação de seu apoio e a fidelidade ao nosso declarado ecletismo. E nós escolhemos; pois de nossos princípios nós não abriríamos mão em troca de quaisquer outros.” (ODL II, 150)

 

            É bom também lembrarmos que as condições sob as quais Swami Dayanand havia aceito seu diploma de membro da ST já não eram as mesmas. Em abril de 1878, quando Olcott lhe ofereceu o diploma de membro correspondente, havia também um pedido explícito de que ele fosse um Instrutor dos membros ocidentais da ST. Em maio de 1878, ele recebeu o diploma de uma ST que se denominava “Sociedade Teosófica da Arya Samaj”, e da qual ele era o Chefe.

 

            Em 30 de agosto de 1880, poucos meses após Swami Dayanand ter devolvido o diploma, HPB e Olcott encontraram-se com ele em Meerut e o acharam muito mudado. Olcott relata:

 

“Na presença de seus seguidores, iniciamos uma discussão visando estabelecer seus reais pontos de vista sobre a Yoga e os ditos siddhis, ou poderes humanos psico-espirituais; seus ensinamentos para os seus samajistas foram calculados para desencorajar a prática do ascetismo, e até mesmo para lançar dúvida sobre a realidade dos poderes; enquanto que suas conversas conosco foram em outro tom.” (ODL II, 215)

 

            Apesar de Olcott dizer que estava tentando saber qual era a posição do Swami quanto aos siddhis, ele a conhecia bem, pois em dezembro de 1879 Dayanand já se recusara a fazer qualquer exibição de fenômenos (tamasha) para o casal Sinnett. E em 26 de julho de 1880, Dayanand lhe escrevera:

 

“O que eu disse para o Sr. Sinnett está certo, pois eu não considero apropriado ver e exibir tais questões de ‘tamasha’, sejam realizadas por prestidigitação ou pelo poder ióguico, porque ninguém

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pode compreender a importância da Ioga e ter um verdadeiro amor por ela, sem que ele mesmo a pratique e estude. Mas elas (as testemunhas) são apenas levadas a um estado de dúvida e perplexidade, e estão o tempo todo querendo examinar aqueles que os demonstram, e vendo ‘tamasha’ deixam de lado questões do seu próprio melhoramento. Eles não se empenham para adquiri-los. Eu não mostrei nenhum fenômeno ao Sr. Sinnett, nem desejo que qualquer coisa lhe seja mostrada, fique ele contente ou descontente comigo, pois se eu estivesse disposto a fazer isso, todos os tolos, assim como os Pandits, me pedirão para lhes mostrar fenômenos similares pela Ioga, como eu poderia ter mostrado a ele. E também porque eu teria sido importunado com essa questão mundana de ‘tamasha’, assim como ocorre com Madame H.P. Blavatsky. Ao invés de investigarem, e aceitarem suas informações científicas e religiosas, por meio das quais a alma, sendo purificada, alcança felicidade, todos os que se dirigem a ela pedem pela exibição de ‘tamasha’. Por essas razões eu não encorajo tais coisas, direta ou indiretamente. Mas se alguém desejar, posso ensinar-lhe Ioga, de modo que por sua própria prática ele possa experimentar os Siddhis.” (Olcott)

 

            Ainda em Meerut, Olcott fez uma palestra sobre “A ST e a Arya Samaj, suas Regras e Relações Mútuas”. Ficou acertado que nenhuma das Sociedades seria responsável pelos pontos de vista da outra. (Ransom, 145) Nenhuma das Sociedades era considerada como um ramo da outra, mas compunham uma Seção Védica, que era como o elo que as unia. (Olcott)

 

            Na relação de dirigentes da ST em 1880, Swami Dayanand aparece como “Chefe Supremo dos Teosofistas da Arya Samaj”, que era: “um ramo distinto da ST e da Arya Samaj da Índia (...) composto por teosofistas ocidentais e orientais que aceitam Swamiji Dayanand como seu líder.” (Ransom, 153)

 

            Após Meerut, HPB e Olcott foram visitar os Sinnetts em Simla, ficando até 21 de outubro. Foi nessa estadia que ocorreram os famosos fenômenos produzidos por HPB durante um piquenique, em que ela duplicou uma xícara de chá, materializou um diploma para o major Henderson e fez aparecer um broche que a Sra. Sinnett havia perdido tempos atrás. (Ransom, 146) Esses fenômenos receberam grande publicidade. Também foi durante essa visita que começou a troca de cartas entre Sinnett e o Mestre KH.

 

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            O grupo em seguida foi para Amritsar e Lahore, onde ficava a sede da Arya Samaj, sendo sempre bem recebidos. Nas discussões com os samajistas o ponto crucial era a questão da natureza de Iswara e a personalidade de Deus, sobre o que “HPB e eu nutríamos crenças muito divergentes das deles”. (ODL II, 258)

 

            É evidente que havia outros pontos de discordância como a questão da demonstração ou não de fenômenos e a transmissão de conhecimentos ocultos aos membros. A questão da natureza de Deus, que Olcott aponta como sendo um ponto crucial, era antiga e nunca fora matéria de consenso entre eles.

 

            Ainda em Nova Iorque, haviam recebido uma carta de Swami Dayanand onde ele expunha a natureza da alma, os ritos para os mortos e a adoração prescrita a Deus. Ao receber essa carta, o choque que essas ideias causaram em Olcott foi tamanho que ele escreveu em seu diário, em 18 de setembro de 1878: “Um Deus pessoal, uma revelação inspirada, um Céu e um Inferno são ali ensinados. Graças a Deus pelo menos esse Deus é ‘alegre e casto’, isso já é melhor do que Jeová!” (Gomes 1987, 164)

 

            Em agosto de 1881 foi fundado o ramo Anglo-Indiano da ST, em Simla, com Hume como presidente e Sinnett como vice. A importância desse ramo Anglo-Indiano era enorme, pois trazia prestígio e reconhecimento público para a Sociedade Teosófica.

 

            Em 14 de fevereiro de 1882, Olcott fez uma palestra sobre o espírito da religião de Zoroastro. Os parsis mandaram imprimir e distribuir 20.000 cópias dessa palestra, em inglês e gujarati. Depois Olcott partiu para uma viagem ao norte da Índia.

 

            Em 15 de março de 1882, um famoso médium inglês, William Eglinton, após passar um bom tempo na Índia tentando verificar a realidade dos Mestres, partiu de volta para a Inglaterra, sem chegar a qualquer conclusão. Em alto mar, ele recebeu no dia 22 a visita astral do Mestre KH. E no dia 24, as cartas escritas por Eglinton foram transmitidas quase que instantaneamente, por meios ocultos, para Bombay. O caso todo foi amplamente noticiado tanto pela imprensa indiana quanto a inglesa, causando grande sensação. (Eek 1978, 188)

 

            É possível que essa propaganda com relação a fenômenos, acrescida da grande publicidade dada à ajuda aos budistas do Ceilão e aos parsis de Bombay, tenha levado Swami Dayanand a colocar um ponto final em sua relação com a Sociedade Teosófica.

 

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            Após pedir várias vezes para conversar com Olcott e HPB, sem resultados, em 26 de março de 1882, Swami Dayanand fez uma palestra pública em Bombay denunciando a ST e os fundadores por mudanças em suas atitudes e crenças, como o fato de antes terem se declarado membros da Arya Samaj e agora se apresentarem como budistas. (Ransom, 169) Olcott respondeu às acusações num artigo para o The Theosophist, em julho de 1882.

 

            Terminava dessa triste maneira a aliança entre a Arya Samaj e a ST. Foi uma perda para as duas Sociedades. Talvez a primeira grande oportunidade perdida no desenvolvimento da Sociedade Teosófica, que demonstrou inabilidade em conciliar crenças divergentes. Anos mais tarde, isso se repetirá em relação à Dra. Anna Kingsford. Nas duas ocasiões a ST perdeu força, inspiração e ecletismo, avançando na cristalização de um credo próprio, como o Mestre KH advertiu em sua carta de 1900: “A ST e seus membros estão lentamente manufaturando um credo.” (LMW 1st Series, 99)

 

 

Fraternidade Com Proeminência, Ocultismo em Segundo Plano

 

            Em dezembro de 1880 HPB e Olcott foram novamente a Benares. Foi a partir dessa visita que a Sociedade Teosófica adotou o lema da família do Marajá de Benares: “Satyan Nasti Paro Dharma” (Ransom, 151), usualmente traduzido como “Não há religião superior à verdade”. No entanto, a palavra sânscrita “dharma”, traduzida no lema como “religião”, tem um significado bem mais amplo. Como Sri Ram escreveu, o espírito do lema é que “Não há Dharma – não há doutrina, não há regra estabelecida de conduta, não há nada que possamos contar como apoio – maior do que a Verdade.” (Sri Ram, 9)

 

            No final de 1880, de volta a Bombay, a sede da ST foi transferida para outra casa mais espaçosa, chamada de “O Ninho do Corvo”. (ODL II, 288) Em 17 de fevereiro de 1881 o Conselho da ST se reuniu e votou por unanimidade que HPB e Olcott teriam seus cargos em caráter vitalício. Também indicou Damodar como secretário adjunto. (Ransom, 155-156)

 

            Dois dias depois, em 19 de fevereiro, o Mestre Hillarion visitou HPB em Bombay, e lhe “expôs toda a situação, sobre o que eu não entrarei

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em detalhes, uma vez que tudo aconteceu como ele nos havia prevenido.” (ODL II, 294) Ao partir, ele deixou “um barrete, muito usado, bordado a ouro, de um formato peculiar, o qual tenho até hoje.” (ODL II, 294) Um resultado dessa visita foi que alguns dias depois, em 25 de fevereiro, HPB e Olcott tiveram uma longa discussão sobre a ST, que resultou:

 

“... num acordo entre nós de “reconstruir a ST numa base diferente, colocando a ideia da Fraternidade mais proeminentemente à frente e mantendo o ocultismo mais em segundo plano; em resumo, ter uma seção secreta para ele”. Essa, então, foi a semente da Seção Esotérica da ST, e o começo da adoção da idéia da Fraternidade Universal numa forma mais definida do que anteriormente.” (ODL II, 294).

 

            Essa nova atitude de deixar o Ocultismo mais em segundo plano está claramente exposta na carta de Damodar para Sinnett, recebida antes do dia 20 de fevereiro de 1881, onde ele escreve:

 

“Parece prevalecer uma impressão geral de que a Sociedade é uma seita religiosa. Essa impressão tem sua origem, penso eu, na crença de que toda a Sociedade está voltada para o Ocultismo. Até onde posso julgar, esse não é o caso. Se fosse, o melhor caminho a adotar seria tornar toda a Sociedade secreta e fechar suas portas para todos, exceto àqueles muito poucos que tenham demonstrado determinação para dedicarem suas vidas inteiras ao estudo do Ocultismo. Se não for assim e a Sociedade estiver baseada no amplo princípio Humanitário da fraternidade universal, deixemos o Ocultismo, que é um de seus inúmeros aspectos, ser um estudo completamente secreto.” (MLcr., 41)

 

            Logo depois, em abril, Olcott foi para o Ceilão, onde ficou até dezembro trabalhando em prol do Budismo. Sua principal meta era levantar um fundo para educação, que se encontrava quase completamente nas mãos dos missionários cristãos. Logo que chegou, Olcott editou dois folhetos: “Por que não sou Cristão?” e “Por que sou Budista?”. Os missionários logo contra-atacaram publicando artigos contra HPB e Olcott. (Ransom, 158)

 

            Impressionado com a ignorância dos singaleses sobre o Budismo, Olcott compilou um “Catecismo Budista”, análogo ao utilizado pelos cristãos, que foi editado simultaneamente em inglês e em singalês em julho de 1881. As edições rapidamente se esgotaram, marcando o início de sua campanha pelo Budismo. (ODL II, 301-302)

 

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            Em 1880, havia na ilha apenas 4 escolas budistas, contra 805 cristãs. Em 1900 já eram mais de duzentas escolas budistas. (Murphet 1972, 140)

 

 

A Família Rompe com Damodar (1881)

 

            Como já vimos, quando foi morar com HPB e Olcott, Damodar havia renunciado à sua casta, com a autorização de seu pai, que dava todo o apoio às buscas espirituais de seu filho. Nessa ocasião, seu pai, seu irmão e um tio também ingressaram na Sociedade Teosófica. Entretanto, com sua conversão ao Budismo o pai de Damodar, o tio e seu irmão mais velho, Krishnarao, saíram da ST e se tornaram abertamente hostis a ela: Olcott relata:

 

“... quando Damodar estava completamente identificado conosco, indo até mesmo ao ponto de, como nós, tornar-se budista no Ceilão, sua família se revoltou e começou uma perseguição para forçar o pobre rapaz a voltar para sua casta. Isso ele não iria fazer, e o resultado foi a saída de seus parentes da Sociedade e, de uma maneira não muito respeitável, travarem uma batalha contra nós, objetos inocentes de sua raiva, na forma de panfletos indecentes e outros ataques a nossas reputações, que eram publicados e colocados em circulação por um ou outro em Bombay.” (ODL II, 292)

 

            Agora que a família discordava do caminho escolhido por Damodar, seu pai passou a dizer que Damodar o importunara para dar presentes valiosos para HPB, como uma carruagem e um cavalo árabe. (Chetty)

 

            Em 27 de fevereiro de 1881 Olcott fez uma palestra sobre “Teosofia: Seus amigos e Seus Inimigos”. Antes da palestra haviam sido distribuídos panfletos difamadores dizendo para as pessoas não acreditarem nos teosofistas e tomarem cuidado para não serem despojadas financeiramente por eles. O folheto havia sido publicado pelo irmão mais velho de Damodar, Rosa Bates e Wimbridge. (Ransom, 156)

 

            Olcott leu o folheto para a audiência e, aplaudido, jogou-o no chão e pisou em cima, dizendo que essa era a resposta para difamadores sem princípios. (ODL II, 293) Os problemas com a família de Damodar não pararam por aí. Em 21 de agosto de 1881 um jornal de Bombay publicou:

 

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“... uma carta maldosa dirigida contra a honestidade e retidão dos fundadores da Sociedade Teosófica e jogando uma nódoa sobre os Mahatmas, com referência a questões de minha própria família. De fato, se fazia uma tentativa de induzir o público a acreditar que eles haviam me feito de fantoche, para me trapacear e tirar minhas propriedades.” (Eek 1978, 484)

 

            Damodar ficou muito aborrecido e mandou uma resposta para o jornal. Porém, no dia 25, saiu outra matéria sobre o assunto, num jornal de maior circulação. Ele novamente respondeu, sentindo-se muito infeliz durante todo o dia com o ocorrido. Sua saúde, delicada, já estava sendo afetada pelos problemas com sua família, fazendo-o sentir-se depressivo. Naquela noite, em seu quarto, ele estava sentado numa pequena mesa perto de sua cama, quando começou a sentir “uma peculiar vibração magnética” (Eek 1978, 485) que denotava a presença de seu Mestre. Então uma carta materializou-se diante de seus olhos. Ela dizia:

 

“Não se sinta tão desanimado! ... Não há necessidade disso. Sua imaginação é seu maior inimigo, pois cria fantasmas que mesmo seu melhor discernimento não consegue dissipar. Não se acuse (...), nem atribua as ofensas recebidas ... aos seus crimes imaginários. Ofensas! Eu vos digo, filho, o silvo de uma serpente tem mais efeito sobre o velho, eterno e nevado Himavat [Himalaia] do que as ofensas de difamadores, o riso de cépticos ou qualquer calúnia sobre mim. Mantenha-se inabalável no cumprimento do seu dever, seja firme e correto em suas obrigações e nenhum homem ou mulher mortal o machucará”. (Eek 1978, 485)

 

 

Viagem Astral de Damodar à Casa do Mestre KH (1881)

 

            Todas essas dificuldades e desafios são inerentes à vida daqueles que querem servir aos Grandes Seres. Como escreveu o Mestre KH:

 

“Ser aceito como um chela em provação – é algo fácil. Tornar-se um chela aceito – é pedir as tribulações da “provação”. (...) a vida de um chela que se oferece voluntariamente é um longo sacrifício.” (LMW 2nd Series, 124)

 

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            Mas se o ano de 1881 trouxe provações, preocupações e problemas para Damodar, especialmente com sua família, também trouxe dádivas que ele nunca esqueceria. Talvez uma das mais importantes tenha sido a visita astral à casa de seu Mestre. Essa visita está descrita numa carta para Judge, datada de 28 de junho de 1881.

 

            Damodar conta que certa noite, após terminar o trabalho, mais ou menos às 2h da manhã, havia recém se deitado, quando ouviu a voz de HPB o chamando. Levantou-se rapidamente e foi até o quarto dela. Ela lhe disse: “algumas pessoas querem vê-lo”. (Eek 1978, 60) Surgiu a forma de .:. e mais dois outros. Um deles disse para Damodar ficar de pé, ereto, por algum tempo e olhou-o fixamente. Damodar começou a sentir uma sensação agradável, como se estivesse saindo do corpo.

 

            Quando retomou a consciência, viu que estava num outro lugar, aos pés dos Himalaias. No local, havia apenas duas casas, uma oposta à outra. De uma delas saiu Aquele a quem Sinnett dedicou seu livro O Mundo Oculto: o Mestre “Koot Hoomi .:.”. Então Damodar seguiu seu guia por cerca de meia milha, até uma passagem subterrânea natural que fica sob os Himalaias. (Eek 1978, 61)

 

            Após cruzarem vários vales, chegaram a um local plano onde havia um enorme edifício, muito antigo, que se erguia sobre sete pilares em forma de pirâmides. Na frente havia uma enorme cruz Egípcia e no portão de entrada um grande arco triangular. Damodar foi então com seu Guru até o Grande Salão:

 

“A grandeza e serenidade do local é suficiente para infundir em qualquer um reverência e devoção. A beleza do Altar que está no centro e onde todo candidato tem que prestar seus votos na hora da sua Iniciação, certamente ofusca os olhos mais brilhantes. O esplendor do Trono do CHEFE é incomparável. Tudo tem um princípio geométrico e contém vários símbolos que são explicados apenas para o Iniciado. Mas não posso dizer mais, pois agora estou sob voto de Segredo, que K. – lá ouviu de mim. Enquanto estava lá, de pé, não sei o que me aconteceu, mas de repente acordei e me encontrei novamente em minha cama.” (Eek 1978, 61)

 

            Ao se perguntar se tudo havia sido um sonho, Damodar viu cair um bilhete a sua frente. Nele estava escrito que ele havia sido levado, em

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seu corpo astral “ao verdadeiro local de Iniciação, onde estarei em meu corpo para a Cerimônia, se me mostrar ser merecedor da bênção.” (Eek 1978, 62)

 

 

O Mundo Oculto (junho de 1881)

 

            Em 22 de julho de 1881 HPB foi novamente para Allahabad e Simla, para encontrar-se com o casal Sinnett. Em 21 de agosto foi formado o ramo Anglo-Indiano da ST em Simla, com Hume como presidente e Sinnett como vice. Posteriormente o nome desse ramo foi mudado para “Simla Eclectic Theosophical Society”. Depois de Simla HPB foi para Lahore e fez uma extensa viagem pelo norte da Índia, retornando a Bombay apenas no final de novembro de 1881.

 

            O primeiro livro de Sinnett, O Mundo Oculto, havia sido publicado em junho de 1881. Nele, ele discorria sobre os fenômenos ocultos que havia presenciado, a Sociedade Teosófica, a existência dos Adeptos e as primeiras cartas que recebera do Mestre KH. Então alguns indianos escreveram para Sinnett e Damodar, querendo também receber tal atenção dos Mestres. O Mestre M. pediu então que Sinnett desse o seguinte recado aos indianos:

 

“Os ‘Irmãos’ desejam que eu informe a todos vocês, nativos, que a menos que um homem esteja preparado para tornar-se um verdadeiro teósofo, i.e., fazer como fez D. Mavalankar, – renunciar completamente à casta, às suas velhas superstições e demonstrar ser um autêntico reformador (especialmente no caso de casamentos infantis), ele permanecerá simplesmente como um membro da Sociedade, sem esperança alguma de receber uma comunicação nossa. (...) É inútil para um membro argumentar: ‘Tenho uma vida pura, me abstenho de álcool, carne e vícios. Todas as minhas aspirações são para o bem etc.’, enquanto que constrói com seus atos uma barreira intransponível no caminho entre ele mesmo e nós.” (MLcr., 95)

 

 

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