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Capítulo 9

 

 

A Aliança da Sociedade Teosófica com a Arya Samaj

 

            Tendo em mente o panorama mais verdadeiro de que a Sociedade Teosófica em seu início estava mais voltada para o desenvolvimento prático das faculdades psico-espirituais de seus membros, podemos entender melhor o porquê da aliança entre a Sociedade Teosófica e o Swami Dayanand Saraswati e sua sociedade, a Arya Samaj.

 

            Olcott relata que tudo começou numa tarde do ano de 1877, quando Ísis Sem Véu ainda estava sendo escrita. Um “viajante americano que havia recentemente estado na Índia” (ODL I, 395) apareceu e reparou numa fotografia pendurada na parede, onde Olcott aparecia com dois hindus.

 

            Embora esse viajante seja usualmente identificado como James Peebles, Michel Gomes chama a atenção de que o velho médico de 75 anos partiu de “sua casa em Hammond, Nova Jersey, em agosto de 1876 para sua segunda viagem à volta do mundo, retornando a Nova Iorque em junho de 1878.” (Gomes 1987, 228). Portanto, Peebles não poderia ser o “viajante americano”.

 

            Um possível candidato a ser o “viajante americano” é Albert Rawson. Embora ele praticamente não seja citado por Olcott, HPB o apresenta em Ísis:

 

“Fora do Oriente encontramos um único iniciado (e somente um) o qual, por algumas razões que ele mesmo melhor conhece, não faz segredo de sua iniciação na Fraternidade do Líbano. É o erudito viajante e artista, professor A.L. Rawson da cidade de Nova Iorque. Esse cavalheiro passou muitos anos no Oriente, visitou quatro vezes a Palestina e viajou para Meca. Podemos com segurança dizer que ele tem um inestimável conhecimento de fatos acerca dos primórdios da Igreja Cristã, que ninguém, a não ser aquele que tenha tido livre acesso aos repositórios fechados ao viajante comum, poderia ter coletado.” (Isis Unveiled ll, 312)

 

            A carta sobre sua iniciação com os druzos no Monte Líbano, publicada em Ísis, está datada: “Nova Iorque 6 de junho de 1877” (Isis Unveiled II, 313), mostrando que nessa época ele estava por lá e reforçando a hipótese de que ele seja o “viajante americano”.

 

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            Esse “viajante americano” reconheceu um dos dois indianos que aparecia na foto como sendo Moolji Thackersey, com quem ele se encontrara recentemente em Bombay. Então Olcott escreveu para Moolji contando sobre a Sociedade Teosófica e o amor que sentia pela Índia.

 

            A resposta de Moolji foi entusiasmada, aceitando o diploma de membro da ST que Olcott lhe oferecera. Moolji também lhe contou sobre um movimento chamado Arya Samaj, que tinha como um de seus objetivos o resgate da religião dos Vedas e que era liderado por um grande Pandit e reformador, Swami Dayanand Saraswati.

 

 

Swami Dayanand Saraswati

 

            Swami Dayanand Saraswati nasceu em Kathiawar, Gujarat, em 1824. Sua família era de brâmanes ortodoxos, seguidores de Shiva. Desde cedo ele foi iniciado nos conhecimentos religiosos tradicionais. Seu pai era muito rigoroso quanto à necessidade de cumprir os jejuns e orações devotados a Shiva. Sua mãe se opunha, gerando infindáveis discussões entre os dois.

 

            Aos 14 anos, em meio a uma noite de jejum e vigília de adoração à imagem de Shiva, ao ver ratos comendo as oferendas dedicadas à divindade, ele começou a rejeitar essa forma de adoração, pois lhe parecia impossível: “conciliar a ideia de um Onipotente Deus vivo, com esse ídolo, que permite que os ratos andem por seu corpo e assim sofre a profanação de sua imagem sem o menor protesto.” (Dayanand, 10). A partir desse episódio Dayanand passou a dedicar menos tempo às práticas religiosas.

 

            Aos 18 anos uma de suas irmãs morreu de uma doença muito rápida. Sua morte gerou em Dayanand uma firme determinação de alcançar uma realização interna. Abandonou as penitências e mortificações externas e passou a valorizar cada vez mais os esforços internos da alma. (Dayanand, 10-11)

 

            Aos 22 anos, quando seus pais resolveram que ele tinha que se casar, Dayanand fugiu de casa e entrou para a Ordem dos Sanyasis. Mas pouco tempo depois seus pais descobriram seu paradeiro e o levaram de volta para casa.

 

            Embora sempre vigiado, Dayanand conseguiu novamente fugir de casa. Dessa vez foi iniciado na 4ª Ordem dos Sanyasis, isto é, aquela

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em que seus membros renunciam a todos os laços mundanos. Passou vários anos viajando pela Índia, estudando e praticando Ioga. Nessas viagens vendo a prática religiosa da população, ficava horrorizado com as superstições com que se deparava, e que ele atribuía a traduções erradas dos Vedas. (Dayanand, 9-13)

 

            Em novembro de 1860 ele encontrou Swami Virajananda Saraswati, um asceta cego, que redirecionou sua busca. Em 1863, Dayanand foi embora, jurando dedicar-se à reforma do Hinduísmo, através do combate de suas práticas religiosas populares como “a idolatria, castas, casamento infantil, pretensões de superioridade dos brâmanes, peregrinações, horóscopos, proibição das viúvas de casarem-se novamente, restrições a viagens ao exterior”. (Johnson, 111) O lema de suas reformas sociais era “De Volta aos Vedas”.

 

            A Sociedade Arya Samaj foi fundada em Bombay, em 10 de abril de 1875. Quase dois anos depois, em 24 de junho de 1877, Swami Dayanand foi para Lahore e lá estabeleceu a sede da Arya Samaj.

 

 

A União com a Arya Samaj (fevereiro/maio de 1878)

 

            Em fevereiro de 1878, Olcott escreveu para Dayanand sobre o grandioso trabalho que planejavam para a ST. Entre os vários objetivos propostos estava um que certamente conquistaria a boa vontade do Swami: imprimir e distribuir traduções corretas dos Vedas e de outros livros sagrados, acompanhadas de comentários. Após discorrer sobre a proposta Olcott lhe dizia:

 

“O Sr. nos honraria aceitando o diploma de membro correspondente da Sociedade? Sua aprovação e apoio nos fortaleceria imensamente. Nós nos colocamos sob suas instruções. Talvez possamos, direta e indiretamente, ajudá-lo a apressar a realização da sagrada missão em que está engajado (...). Nós labutamos para estabelecer uma verdadeira Fraternidade da Humanidade, na qual o supremo laço de parentesco será o amor à verdade. Aspiramos ajudar a fazer desaparecer dogmas, credos e teologias, pois seja quem for que os tenha criado, ou seja quem for a autoridade que os sustente, eles são nuvens escuras obstaculizando o sol da luz espiritual.” (Olcott, 131)

 

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            Na verdade Olcott e HPB não sabiam muito acerca da Arya Samaj. Ainda em fevereiro, Olcott escreveu para Hurrychund Chintamon, líder da Arya Samaj em Bombay, pedindo-lhe explicações sobre as diferenças entre a Brahmo e a Arya Samaj. No seu entender a principal diferença era que a Brahmo Samaj aceitava a doutrina de um Deus pessoal, enquanto que a Arya Samaj pregava a existência de uma Essência Divina, eterna e ilimitada. E lhe dizia:

 

Com uma tal Samaj como a última (se for como a descrevi), a Sociedade Teosófica tem a maior das afinidades. De fato, no que diz respeito a seu departamento de trabalho no campo das religiões, ela já é uma Arya Samaj sem o saber... Se a Arya Samaj é o que imagino, ficarei orgulhoso de ser admitido como seu membro e proclamar o fato para todo o público cristão. Mande-me todos os documentos necessários para que eu possa compreender exatamente o que ela ensina.” (Olcott)

 

            Em maio receberam a resposta de Swami Dayanand, datada de 21 de abril, na qual ele declarava aceitar o diploma e fazia votos de continuar com a troca de correspondência e amizade. Veio também uma carta de Chintamon, datada de 22 de abril de 1878, na qual ele assegurava que os princípios da ST eram idênticos aos da Arya Samaj e propunha uma fusão das duas sociedades.

 

            Entusiasmados com a possibilidade de fortalecimento do trabalho, o Conselho da ST reuniu-se e aprovou a união das duas sociedades. Em 22 de maio de 1878, Augustus Gustam, secretário do Conselho, escreveu para Swami Dayanand informando: “Foi resolvido por unanimidade que a Sociedade aceita a proposta da Arya Samaj de unir-se a ela, e que a denominação da Sociedade Teosófica seja alterada para “Sociedade Teosófica da Arya Samaj”. E também que Swami Dayanand seja reconhecido como “seu diretor legal e chefe.” (Gomes 1987, 162) Outra denominação do Conselho foi voltar à cobrança de taxas dos membros que seriam enviadas para a Arya Samaj.

 

 

Swami Dayanand como Instrutor dos Membros Ocidentais

 

            Como já vimos, o treinamento prático visando ao desenvolvimento psico-espiritual era o objetivo mais perseguido no início da ST.

 

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Nesse contexto, a aliança com Swami Dayanand Saraswati era muito oportuna, pois HPB e Olcott reconheciam Dayanand como sendo um “Swami Adepto”, como alguém que poderia dar instruções práticas aos membros. Olcott escreve:

 

“... não me ofereci individualmente como seu Chela. Eu já era um aluno aceito de um Mahatma, e recebendo instruções. Mas nossos membros em geral não eram tão favorecidos, e por eles eu roguei ao Swami para assumir a relação de Instrutor. Estando no mundo e trabalhando ativamente, eu naturalmente inferi que ele estaria mais livre do que nossos Mahatmas para estabelecer relações com aqueles membros que não haviam prestado os votos de celibato e total abstinência que eu havia prestado. E os irmãos Adeptos que nós conhecíamos, tendo recusado a instruir qualquer membro que não fosse um chela aceito, esses membros, tanto na América quanto na Europa, estavam na época muito ansiosos para encontrar um tal Instrutor. Às nossas ansiosas perguntas sobre o Swami, nossos Instrutores invariavelmente nos respondiam que: – “Ele era um Chela, era um logue... Ele é um bom homem. Testem-no e vejam. Ele pode ser muito útil para seus membros americanos e ingleses.” O que aprendemos do Swami depois, logo após nossa chegada à Índia, não estamos em liberdade para divulgar.” (Olcott)

 

            Além das instruções, outro ponto de união era a aparente similaridade dos objetivos das suas Sociedades. Entretanto, em agosto de 1878 quando receberam os estatutos da Arya Samaj traduzidos para o inglês, perceberam que os objetivos da Arya Samaj eram bastante diferentes dos da ST. Isso os levou a rescindir a resolução do Conselho de fusão das duas Sociedades, e a Sociedade Teosófica retornou para a sua denominação original. (Ransom, 108)

 

            Provavelmente a importância que Swami Dayanand assumia como um instrutor prático é que fez com que as duas Sociedades continuassem juntas. Não mais como uma fusão, mas agora como uma aliança de trabalho, semelhante àquela que também se iniciava com os budistas do Ceilão.

 

 

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Dois Krishnavarmas? (1878)

 

            Pandit Shiamji Krishnavarma, um dos principais discípulos de Swami Dayanand, nasceu em 1857 em Kutchi. (Johnson, 117). Pouco tempo após HPB e Olcott terem chegado à Índia, Krishnavarma foi para Oxford, aceitando a posição de Conferencista Oriental do Balliol College. Foi nomeado Conferencista nas línguas Sânscrito, Marathi e Gujarati e assessorou ao Prof. Sir Monier-Williams, que havia originalmente patrocinado sua ida. (CW I, 437)

 

            Há uma carta de HPB para sua tia onde ela fala sobre a existência de dois Krishnavarmas. Não há dúvidas de que HPB está se referindo ao Krishnavarma descrito acima quando escreve: “o segundo Krishnavarma Sheyamaji, principal apóstolo e aluno de nosso Swami virá no próximo inverno para nos ensinar”. (HPB Speaks I, 200)

 

            Olcott não faz nenhum comentário sobre a existência de dois Krishnavarmas em seu livro Old Diary Leaves. É interessante observarmos isso porque, como veremos adiante, esse outro Krishnavarma não parece ser um personagem fácil de esquecer. Portanto, ou ele é uma ficção criada por HPB ou é alguém que queria ficar incógnito. A única referência conhecida para esse outro Krishnavarma é uma carta de Madame Blavatsky para sua tia, que Jinarajadasa data como sendo de 3 de julho de 1877, embora pelo seu conteúdo fique claro que foi escrita em 1878. (Deveney et al., 51)

 

            HPB escreve para sua tia que esse outro misterioso Krishnavarma tinha sido de grande auxílio para eles. Ele havia chegado há duas semanas de Multan (Punjab, Índia) numa carroça (!!) e estava hospedado com eles. Ela também relata que havia retornado a três dias de uma viagem com Krishnavarma e Olcott, na qual foram até um local “quase tão distante quanto a Califórnia”. (HPB Speaks I,198) HPB descreve a viagem:

 

“Em Milwaukee e Nevada, todas as senhoras ficavam todo o tempo andando perto de nossas janelas e do terraço onde estávamos sentados, para olhar para Krishnavarma; ele é excepcionalmente bonito, embora de uma cor café claro. Em sua longa túnica branca, com um turbante branco estreito em sua cabeça, com diamantes em seu pescoço e os pés descalços, ele é realmente uma visão curiosa entre os americanos de paletós pretos e colarinhos

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brancos. Muitos fotógrafos vieram me pedir permissão para tirar fotos suas, mas ele negou a todos eles, e todos se admiravam quão bom e puro era seu inglês. Deus sabe qual a sua idade. Quando alguém o olha pela primeira vez, ele parece não ter mais do que 25, mas há momentos em que ele parece um homem de 100 anos.” (HPB Speaks I, 198)

 

            Essa viagem para um lugar “quase tão distante quanto a Califórnia”, da qual teriam voltado a três dias, ou seja, em final de junho de 1878, é difícil de encaixar nas atividades de HPB e Olcott nesse período. Sabe-se que eles viajaram para Nova Jersey e Albany, no estado de Nova Iorque. (CW I, lxiii)

 

            HPB ainda escreve que Krishnavarma estaria indo no dia seguinte para a América do Sul, e que trouxera para a Sociedade Teosófica 40.000 rúpias ou 20.000 dólares em ouro. Lembrando das dificuldades financeiras que HPB e Olcott passavam, ou esse dinheiro foi repassado para outro trabalho que desconhecemos, ou a quantia parece ser mais um exagero de HPB.

 

            Krishnavarma também teria dado a HPB 200 moedas de ouro inglesas por sua estadia de duas semanas, embora com exceção do chá que ele mesmo preparava, não tivesse tirado nada da dispensa. Ela descreve seus hábitos:

 

“Todas as manhãs, seu velho servo (...) ia à cidade para trazer frutas e arroz em suas próprias travessas de prata. Esse homem se diria ter 1000 anos de idade. Sua face é velha, velha como um pergaminho, mas que força! Alguns dias atrás meninos e alguns adultos aborreceram-no muito, seguindo-o por toda parte e provocando-o. Ele segurou um deles pelo pescoço e jogou-o do outro lado da rua numa vala com água suja e outro uns 50 passos mais adiante. A multidão estava brava, mas Krishnavarma jogou no meio deles um punhado de moedas de ouro e eles pularam sobre o dinheiro como feras selvagens e gritavam para os dois Hurra! até que eles entraram em nossa casa. Agora, para evitar escândalos, Olcott está indo com o velho homem até o mercado, comprar provisões.” (HPB Speaks l, 199)

 

            Em 5 de abril Thomas Alva Edison havia enviado seu pedido de ingresso na Sociedade Teosófica. Embora tanto HPB quanto Olcott se orgulhassem de sua filiação, referindo-se a ele como “Sr. Edison, o teosofista”,

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a verdade é que sua relação com a Sociedade nunca foi muito profunda, ainda que seus pontos de vista pessoais tivessem muitas semelhanças com aqueles expostos em Ísis Sem Véu e A Doutrina Secreta. (Deveney et al., 51) Apesar de vários convites de HPB, os dois nunca se encontraram pessoalmente.

 

            HPB menciona na carta que Krishnavarma havia ensinado a Edison, que sofria problemas de audição, “mais duas ‘maravilhas’, de modo que com um pequeno e quase invisível aparato colocado em seu pescoço, o surdo ouvirá bastante bem.” (HPB Speaks I, 202) Na correspondência até hoje conhecida, trocada entre HPB, Olcott e Edison, não há qualquer referência a Krishnavarma. (Deveney et al., 54-57)

 

 

HPB e Olcott Chegam na Índia (fevereiro de 1879)

 

            Embora já em 16 de maio de 1878 HPB e Olcott tivessem recebido as primeiras ordens para se prepararem para uma mudança para a Índia (Ransom, 106), apenas em 18 de dezembro é que eles conseguiram partir de Nova Iorque, acompanhados de Edward Wimbridge. Chegaram em Londres em 3 de janeiro de 1879, e nos quinze dias que lá passaram a ST em Londres foi organizada.

 

            Em 18 de janeiro, os três embarcam para a Índia acompanhados de Rosa Bates (ODL II, 9), chegando em Bombay em 16 de fevereiro de 1879. O navio mal havia ancorado quando três cavalheiros subiram a bordo à procura de Olcott e HPB: eram Moolji Thackersey, Shiamji Krishnavarma e Ballajee Sitaram, todos membros da ST. Mais tarde Chintamon também apareceu e levou-os para uma casa de sua propriedade.

 

            Na noite seguinte, Chintamon ofereceu uma enorme festa de boas-vindas, para 300 convidados, com guirlandas de flores e discursos que emocionaram Olcott (ODL II, 18). No outro dia, visitaram as cavernas de Elephanta, receberam presentes e saudações de inúmeros visitantes e assistiram ao drama hindu “Sitaram”, especialmente encenado em honra deles.

 

            Porém, descreve Olcott, “a doçura dessa noite foi seguida por nosso primeiro gosto de amargura, na manhã seguinte.” (ODL II, 20). A aparente amável recepção de Chintamon foi colocada numa enorme conta, em que cobrava todas as despesas por ele efetuadas, como aluguel

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da casa, comida, reformas efetuadas na casa para hospedá-los, aluguel de centenas de cadeiras para a festa, flores etc., deixando Olcott e HPB quase sem dinheiro. (ODL II, 20)

 

            A segunda decepção com Chintamon foi quando, logo em seguida, Olcott e HPB descobriram que o dinheiro por eles enviado para a Arya Samaj, 609 rúpias, havia parado nos bolsos de Chintamon. Com as reclamações de outros membros da Arya Samaj, HPB forçou Chintamon a devolver todo o dinheiro. Em 7 de março eles se mudaram para uma pequena casa na Girgaum Back Road, 108, onde moraram por quase dois anos.

 

            Em 11 de abril HPB, Olcott e Moolji partiram para o norte da Índia, encontrando Swami Dayanand em Sarahanpur, no dia 30. Olcott descreve:

 

“Eu estava imensamente impressionado com sua aparência, modos, voz harmoniosa, gestos afáveis e dignidade pessoal. (...) Na longa conversa que se seguiu, ele definiu seus pontos de vista quanto ao Nirvana, Moksha e Deus, em termos tais que não tínhamos nenhuma objeção. Na manhã seguinte discutimos as novas normas da ST, ele aceitou um lugar no Conselho, me deu procuração por escrito com totais poderes, recomendou a expulsão de Hurrychund Chintamon e aprovou completamente nosso esquema de ter seções compostas por grupos afins como budistas, parsis, maometanos, hindus, etc.” (ODL II, 78)

 

            No dia seguinte partiram para Meerut, acompanhando Swami Dayanand. No caminho, chegaram a um acordo de que ele iria “esboçar e nos enviar os três graus maçônicos que pretendíamos criar para classificar nossos membros avançados, de acordo com suas capacidades mentais e espirituais.” (ODL II, 79)

 

            Ficaram até 7 de maio participando de várias atividades da Arya Samaj, num clima bastante cordial. No dia 13, seguindo a recomendação de Swami Dayanand, o Conselho da ST expulsou Chintamon.

 

            Em julho de 1879 HPB e Olcott decidiram fundar a revista oficial da ST: The Theosophist. Um de seus objetivos iniciais era ser um meio para responder às inúmeras – e geralmente repetidas – perguntas que chegavam, respondidas em infindáveis horas escrevendo cartas. Após vários meses envolvidos com o desenvolvimento da nova revista, em outubro de 1879 o primeiro número foi publicado.

 

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            No final de 1879 The Theosophist tinha 621 assinantes o que era um grande número, pois os jornais de maior circulação na Índia tinham de 1500 a 2000 assinantes. O crescimento da revista trouxe muito trabalho, pois havia poucos ajudantes e pouco dinheiro para contratar pessoas. Eles tinham que fazer de tudo, do editorial ao empacotamento das revistas. (ODL II, 137)

 

 

Damodar K. Mavalankar (julho de 1879)

 

            Após a partida de HPB e Olcott de Nova Iorque, no final de 1878, a Sociedade Teosófica na América ficou praticamente inativa. Devido a situações particulares, os principais representantes, William Q. Judge e o general Abner Doubleday, não podiam dedicar-se à propagação do movimento. Olcott escreve:

 

“Mais do que nunca, o centro de desenvolvimento estava confinado a nós dois, e a única esperança da sobrevivência do movimento era que continuássemos vivendo e nunca permitindo que nossas energias arrefecessem por um momento.” (ODL II, 212)

 

            Porém, poucos meses após se estabelecerem em Bombay, eles já não estavam tão sozinhos: Damodar K. Mavalankar havia chegado para ajudá-los, dedicando-se ao trabalho de corpo e alma. Embora tenha participado da ST apenas entre 1879 e 1885, ele é reconhecido no meio teosófico por seu trabalho e dedicação incansável como um modelo de vida teosófica.

 

            Damodar nasceu em Ahmedabad, Gujarat, em setembro de 1857, numa família de brâmanes. Sua família tinha posses e ele recebeu uma excelente educação, tanto dentro da tradição hindu quanto inglesa. Na infância ficou gravemente enfermo e, analogamente a Judge, foi milagrosamente salvo:

 

“Em minha infância tive uma doença muito perigosa, e os médicos perderam as esperanças de me salvar. Enquanto meus parentes esperavam minha morte para qualquer momento, tive uma visão que produziu uma impressão tão profunda em minha mente que jamais pude esquecer. Vi um certo personagem – que então considerei ser um Deva, i.e., um Deus – que me deu um estranho remédio; e, surpreendentemente, a partir daquele momento

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comecei a me recuperar. Alguns anos mais tarde, enquanto estava praticando meditação, vi o mesmo personagem, e o reconheci como o meu Salvador. Ele também me salvou das garras da morte numa outra ocasião.” (SPR Appendix IX)

 

            Entre 10 e 14 anos, Damodar estudou o Hinduísmo, e praticava todos os ritos religiosos apropriados para seu estágio. À medida que começou seus estudos acadêmicos, os rituais foram dando lugar aos estudos escolares:

 

“Antes, embora ardentemente ritualista, não estava realmente gozando de felicidade e paz mental. Simplesmente praticava minha religião, sem compreendê-la. O mundo pesava tão duramente sobre mim quanto sobre qualquer outro, e eu não podia ter nenhuma visão clara do futuro. (...) Minhas aspirações eram apenas por mais Zamindaries [terras], posição social e gratificação de desejos e apetites. Mas meus estudos e reflexões posteriores me mostraram que todas essas coisas não passam da névoa ilusória de um sonho e que somente é digno de ser chamado um homem, aquele que fez do capricho seu escravo e, da perfeição de seu ser espiritual o grande objetivo de seus esforços.” (Eek 1978, 140)

 

            Em 1879, Damodar leu um livro que mudaria sua vida para sempre: Ísis Sem Véu. Ao saber da presença da autora na Índia, foi imediatamente para Bombay conhecê-la. Quando entrou na Sede da ST em Bombay, ficou impactado ao ver o retrato do Ser que havia aparecido em suas visões. Quando soube que Ele era um dos Mahatmas que estava por detrás de HPB e da ST, esse reconhecimento “selou sua devoção à nossa causa, seu discipulado a HPB.” (ODL II, 213)

 

            Em 13 de julho de 1879 Damodar pediu ingresso na ST. Foi iniciado em 3 de agosto, e passou a fazer visitas frequentes a Olcott e HPB. De acordo com os costumes de sua casta, Damodar precisava da autorização de seu pai para poder viver na Sede com HPB e Olcott. Além disso, ele também queria adotar o modo de vida de um sannyase, renunciando a todas as ligações mundanas, inclusive à casta. HPB e Olcott o aconselharam a esperar mais tempo, para que pudesse refletir melhor sobre um passo tão importante como esse. (Eek 1978, 140) Mas Damodar estava decidido e não esperou. Ele assim justifica sua decisão:

 

“Que culpa tem alguém de ter nascido numa determinada casta? Eu respeito um homem por suas qualidades e não por seu nascimento.

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Isto é, o homem que a meus olhos é superior, é aquele cujo homem interior se desenvolveu ou está numa condição de desenvolvimento. Esse corpo, riquezas, amigos, relações e todos os outros prazeres mundanos que os homens consideram tão caros e próximos de seus corações passarão, mais cedo ou mais tarde. Mas o registro de nossas ações para sempre permanecerá para ser transmitido de geração para geração. Nossas ações, portanto, devem ser tais que nos façam dignos de nossa existência nesse mundo, enquanto estivermos aqui, assim como após a morte. Eu não podia fazer isso observando os costumes da casta.” (Eek 1978, 142)

 

            Damodar assumiu o cargo de secretário adjunto e, apesar da saúde delicada, varava as noites trabalhando, principalmente na correspondência e na revista recentemente fundada, The Theosophist. Olcott relembra sua dedicação:

 

“Embora fosse frágil como uma menina, ele se sentaria em sua escrivaninha, algumas vezes escrevendo por toda a noite, a menos que eu o surpreendesse e o forçasse a ir para a cama. Nenhum filho jamais foi tão obediente a uma mãe, nenhum filho adotivo mais completamente generoso em seu amor a uma mãe adotiva, do que ele a HPB: sua menor palavra era para ele lei; seu desejo mais extravagante, uma ordem imperiosa, para obedecer a qual, ele estava pronto a sacrificar a própria vida.” (ODL II, 212)

 

 

“Tente Novamente” Sempre Deveria Ser Nosso Lema

 

            A determinação era um traço marcante na personalidade de Damodar. Numa carta para Judge, escrita poucos meses após ter entrado na ST, ele lhe fala sobre a importância de não desistir, de sempre tentar novamente para alcançar o sucesso na vida interna:

 

“Ao empreender qualquer coisa, a primeira coisa que se requer é a perseverança. “Tente novamente” sempre deveria ser nosso lema. Uma criança nunca aprenderia a andar se nunca tentasse fazer isso, simplesmente porque em suas primeiras tentativas ela sofre fracassos e cai de vez em quando. Mas, apesar disso, o instinto da criança a estimula a continuar em seus esforços até ter sucesso. Será que o mesmo espírito que dá à criança o instinto, não a

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ilumina depois que ela se torna um homem? Não é vergonhoso para qualquer pessoa que, embora na infância ela aja em obediência às instruções do Espírito Divino, após chegar à maturidade se torne surda aos ensinamentos daquele Espírito que uma vez já lhe deu o sucesso, em sua juventude, apesar de todos os primeiros fracassos? (Eek 1978, 26)

 

            Essa determinação e força de vontade também aparecem claramente num episódio contado por Olcott, ocorrido pouco depois deles terem se mudado para Adyar. A presença de um rio, nos fundos da casa, despertou em HPB e Olcott a vontade de nadar:

 

“Deve ter espantado nossos vizinhos europeus ver quatro europeus – pois aquela era a época dos dois Coulombs – banhando-se junto com meia dúzia de indianos de pele escura, batendo na água e rindo juntos, exatamente como se não acreditássemos pertencer a uma raça superior. Eu ensinei minha “colega” a nadar, ou melhor, a debater-se de uma maneira ou de outra, e também ao querido Damodar que era, até um certo momento, um dos maiores covardes que jamais vi na água. Ele tinha calafrios e tremia se a água estivesse perto do joelho, e podem acreditar que nem HPB nem eu o poupávamos com nossos sarcasmos. “Que vergonha” eu disse, “Um belo adepto você dará, quando nem mesmo ousa molhar seu joelho!” Ele não disse nada naquele momento. Mas no dia seguinte, quando fomos nos banhar, ele mergulhou e atravessou o rio a nado: tendo tomado minha zombaria ao pé da letra, decidiu que iria nadar ou morrer. Essa é a maneira das pessoas se desenvolverem até se tornarem adeptos. TENTAR, é a primeira, última e eterna lei de auto evolução. Fracasse cinquenta, quinhentas vezes se precisar, mas continue a tentar e tente sempre, e você terá sucesso no final. “Eu não posso” nunca desenvolveu um homem ou um planeta.” (ODL II 396)

 

 

Onde Estão os Adeptos? (agosto de 1879)

 

            Cerca de um mês após ter ingressado na ST, Damodar começou a sentir uma voz interna sussurrando que HPB não era o que aparentava ser. Isso se tornou uma crença tão forte, que várias vezes ele pensou em

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lhe implorar que ela se revelasse. Mas, considerando-se impuro para receber tal revelação, ficou em silêncio, consolando-se com o pensamento de que, se algum dia o julgasse digno, ela lhe revelaria esse segredo. Ele achava que ela era “algum grande Adepto indiano que havia assumido aquela forma ilusória.” (Eek 1978, 34)

 

            Desde os sete anos de idade Damodar tinha um intenso desejo de encontrar os Adeptos. Nutria a convicção de que Eles viviam na Índia e que poderiam ser encontrados. Procurava conversar sobre esse tema com HPB e várias vezes lhe pediu os nomes e endereços de alguns dos Adeptos, sem resposta. Até que um dia ela lhe disse:

 

“Um de nossos Irmãos me disse que uma vez que você está insistindo tanto comigo, é melhor que eu lhe diga de uma vez por todas que, sendo uma europeia, não tenho nenhum direito de lhe dar qualquer informação sobre eles; mas que se você continuar perguntando para indianos o que eles sabem sobre o assunto, você poderá saber por eles; e um daqueles Elevados seres talvez possa se colocar em seu caminho sem que você o conheça, e lhe dirá o que deve fazer.” (Eek 1978, 35)

 

            Damodar seguiu suas instruções, embora achasse que só realizaria seu objetivo por meio de HPB. Pouco depois, um conselheiro da ST, escreveu para HPB sobre uma iogue que era sua Guru. Ela vivia em Benares e chamava-se Mâji. Damodar ficou esperançoso: talvez essa fosse a pessoa que poderia lhe dar as informações que tanto desejava.

 

 

Viagem para Allahabad (dezembro de 1879)

 

            Em 2 de dezembro de 1879 HPB, Olcott e Damodar partiram de trem de Bombay para Allahabad, para conhecer Alfred P. Sinnett, com quem HPB já estava se correspondendo desde fevereiro. Durante essa visita também encontraram pela primeira vez com o casal Hume e com Alice Gordon. O encontro com o casal Sinnett e Alice Gordon foi tão marcante que, para Olcott, isso já fazia a viagem até a Índia ter valido a pena. (ODL II, 114)

 

            Em Allahabad, Olcott fez uma palestra para uma grande audiência. Hume, que presidia a reunião, também fez um eloquente discurso, bem melhor que o de Olcott. Naquele dia, HPB estava de mau

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humor e passara o tempo todo ralhando com Olcott, até mesmo no momento em que ele subia na plataforma para fazer sua palestra, “a um tal ponto que minha cabeça estava toda confusa.” (ODL II, 118) Eles mal haviam saído do salão quando HPB:

 

“... disparou suas críticas sobre ele com excessivo rancor. Ao ouvi-la voltar a falar sobre esse assunto, várias vezes durante a noite, alguém poderia ter pensado que as aspirações de sua vida haviam sido comprometidas, embora a reunião e a palestra (...) não fossem importantes para o progresso da Sociedade de qualquer forma mais séria. Col. Olcott suportou todos esses acessos de raiva com maravilhosa firmeza, considerando-os todos como provações, a serem atribuídas a seu chelado oculto; e apesar de todo esse comportamento exasperante, Mad. Blavatsky tinha uma estranha faculdade de conquistar afeição.” (Sinnett 1886, 229)

 

            Além de reconhecer suas qualidades e sentir gratidão por HPB ter lhe mostrado um novo caminho espiritual, Olcott suportava “seu temperamento selvagem” (ODL II, 118) porque sabia que o bem que ela estava fazendo ultrapassava todo o sentido de sofrimento pessoal. Além disso:

 

“... decididamente havia um “método em sua loucura” – que percebi ao longo de todo o nosso relacionamento: ela somente insultava seus amigos mais dedicados, aqueles que ela sentia que estavam tão ligados a ela e devotados à Sociedade, de modo que estavam preparados para tolerar tudo dela; com os demais, como Wimbridge e outros que poderia citar, que ela sabia que não suportariam um tal tratamento, ela nunca levantava a voz, nem os tratava de forma insolente ou ofensiva. Ela parecia ter medo de perdê-los.” (ODL II, 118)

 

            Logo após chegar em Allahabad, Damodar partiu para Benares para encontrar-se com Swami Dayanand, a fim de tratar “de assuntos ligados ao Ritual” (Eek 1978, 33) que pretendiam implementar na Sociedade Teosófica, transformando-a em algo semelhante a uma organização maçônica.

 

            Para Damodar a ida a Benares também era a oportunidade de tentar encontrar Mâji, a iogue. Madame Blavatsky lhe revelara que Dayanand era um grande iogue e que conhecia Mâji, mas ordenou-lhe não deixar que Dayanand percebesse o que sabia acerca dele. Assim, Damodar não podia lhe perguntar nada diretamente, mas apenas fazer referências indiretas, e Dayanand:

 

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“... fingia rir de mim por acreditar em poderes obtidos por um logue. E quando lhe perguntei se conhecia uma mulher chamada “Mâji”, ele respondeu – Se é que essa mulher existe por aqui, ela não é conhecida. Sempre que lhe perguntava qualquer coisa com relação a esses assuntos, me respondia com respostas evasivas. Fiquei desapontado quando vi que todas as minhas expectativas ao ir a Benares eram apenas castelos no ar.” (Eek 1978, 35)

 

            Damodar então escreveu para HPB que obedecera às suas instruções, e que Dayanand parecia pensar que ele estava trabalhando na Sociedade Teosófica apenas para ganhar dinheiro. (Eek 1978, 36)

 

 

Encontro com Mâji em Benares (dezembro de 1879)

 

            Em 15 de dezembro de 1879, HPB e Olcott chegam a Benares, acompanhados do casal Sinnett e de Alice Gordon. Ficaram numa casa providenciada pelo Marajá de Vizianagram em cujo palácio, dois dias depois, foi realizado um encontro do Conselho da ST. Nessa reunião, com a presença de Swami Dayanand, os estatutos foram revisados. (ODL II, 118)

 

            Para surpresa de Damodar, quando HPB perguntou para Dayanand sobre Mâji ele: “mencionou o local onde “Mâji” residia e se ofereceu para nos levar Iá, acrescentando que a conhecia muito bem e que ela frequentemente vinha vê-lo.” (Eek 1978, 36)

 

            O casal Sinnett estava muito ansioso para presenciar algum fenômeno, mas HPB recusava-se a fazer qualquer coisa, a menos que Dayanand o permitisse. Entretanto, ela queria satisfazer o desejo de Sinnett porque ele, sendo influente na comunidade anglo-indiana, seria de grande auxílio no trabalho da ST. Dayanand não permitiu que HPB fizesse qualquer fenômeno para eles, mas sugeriu que fossem visitar Mâji e assim, quem sabe, poderiam presenciar algo com ela. (Eek 1978, 36)

 

            Então, no dia seguinte, foram todos visitar Mâji. Ela vivia às margens do rio Ganges, uma ou duas milhas distante de Benares, numa caverna escavada na rocha. Além desse agradável local, ela havia herdado de seu pai uma casa na cidade e uma extensa e valiosa biblioteca.

 

            Porém, para decepção de Sinnett, Mâji recusou-se a produzir qualquer fenômeno, dizendo que a Ioga era uma ciência sagrada demais

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para ser tratada como um espetáculo. O casal Sinnett e Alice Gordon, decepcionados, passaram parte da noite conversando com HPB e Olcott sobre o assunto dos fenômenos.

 

            Durante a conversa, quando alguém fez referência a flores, ouviu-se um barulho, como de algo caindo de cima. Várias flores haviam sido jogadas por mãos invisíveis em cima da mesa em torno da qual estavam todos sentados. (Eek 1978, 37) Damodar relata para Judge que achava que Dayanand havia sido responsável por esse fenômeno das flores. Isso porque, pouco antes da ocorrência, quando ele foi falar com o Swami:

 

“... o encontrei num estado não usual, como o que ele sempre está, quando está explicando o Ritual. E eu percebi que o fenômeno correspondeu exatamente à hora em que vi Swamiji no estranho estado de “Samadhi” que lhe descrevi acima: “Samadhi” sendo, como você talvez saiba, aquele estado quando o adepto deixa seu corpo. Portanto, para mim não havia dúvida do que e como isso havia ocorrido.” (Eek 1978, 37)

 

            No dia seguinte, os Sinnetts voltaram para Allahabad e Mâji apareceu para visitar HPB, encontrando-a com Damodar. Mâji disse a HPB que elas tinham o mesmo Guru. Quando HPB lhe pediu provas disso, ela disse que:

 

“... o Guru da Madame havia nascido no Punjab, mas geralmente vive no sul da Índia e especialmente no Ceilão. Ele tem cerca de 300 anos e tem um companheiro de mais ou menos a mesma idade, embora os dois não aparentem nem mesmo quarenta anos.” (Eek 1978, 33)

 

 

Somente Nela Devo Colocar Minha Plena Confiança

 

            Num segundo encontro, em que Madame Blavatsky estava ausente, Olcott perguntou a Mâji sobre HPB. Ela respondeu que “a Madame não era o que aparentava ser. Seu homem interior já estivera duas vezes em um corpo hindu e agora estava em seu terceiro.” Quando Damodar lhe perguntou se a verdadeira HPB ainda estava no corpo, Mâji “recusou-se a responder essa questão, apenas acrescentando que ela mesma – “Mâji” – era inferior à Madame.” (Eek 1978, 39)

 

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            Depois de tentar sem sucesso que Damodar desistisse de seus propósitos de busca, Mâji lhe disse que se ele quisesse progredir espiritualmente e ver qualquer dos Irmãos, deveria para isso depender inteiramente de HPB, pois:

 

“Ninguém mais seria competente para me levar pelo caminho correto. (...) Devo estar sempre com a Madame e somente nela colocar minha plena confiança. Ela me disse para trabalhar na Sociedade e praticar regularmente, duas vezes ao dia, o que a Madame havia me ordenado fazer. Em todos os aspectos devo agir em obediência às suas instruções.” (Eek 1978, 40)

 

            Para Damodar as palavras de Mâji em relação a HPB foram uma confirmação do que ele mesmo já sentia, pois poucos dias após ter pedido ingresso na ST, dissera para HPB:

 

“... que a considerava como minha benfeitora, a reverenciava como minha Guru e a amava mais do que uma mãe. Desde então tenho lhe asseverado o que lhe disse naquela ocasião. E agora “Mâji” me diz a mesma coisa, reforça minha fé e me pede para confiar nela (Madame). E quando, mais tarde, consultei Swamiji em relação à mim mesmo, sem lhe dizer uma palavra do que “Mâji” havia me dito, ele me exortou a fazer exatamente a mesma coisa, isto é, colocar minha fé em HPB. Desde o princípio tenho sentido e de fato ainda sinto intensamente como se eu já tivesse estudado essa filosofia com Madame e que alguma vez devo ter sido seu mais obediente e humilde discípulo. Isso deve ter sido um fato pois, de outro modo, como explicar o sentimento em mim gerado a seu respeito, após vê-la não mais do que três ou quatro vezes? Portanto, todas as minhas esperanças e planos futuros estão nela centrados, e nada nesse mundo pode abalar minha confiança, especialmente quando dois indianos, que não falam inglês e não poderiam ter combinado isso previamente, me dizem exatamente as mesmas coisas (...) que eu mesmo, desde o princípio, havia sentido.” (Eek 1978, 40)

 

 

Mais Fenômenos (dezembro de 1879)

 

            Na noite anterior à partida de Benares havia umas sete ou oito pessoas na sala de estar de HPB quando a Sra. Gordon, que estava conversando

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com Dr. Thibaut, diretor do Benares College, falou sobre flores. Então HPB disse ao Pandit com quem conversava, que tentaria fazer com que um dos Irmãos lhe desse algum sinal. Em dois segundos caiu uma chuva de flores a seus pés.

 

            Cada um pegou uma flor para guardar de lembrança e a menor de todas ficou com Dr. Thibaut. Ao sair, ele perguntou para HPB se poderia pegar uma outra, que estava em cima da mesa. Ela lhe respondeu: “Você pode pegar tantas quantas quiser. Você terá muitas mais.” (Eek 1978, 42) E, nesse momento, do teto, caíram flores à direita dos pés do Dr. Thibaut.

 

            Como já estava escuro quando todos se levantaram para ir embora, Damodar pegou um lampião para lhes mostrar o caminho. Ao chegarem na varanda a chama havia quase apagado. Surpresa, Alice Gordon quis entrar para pegar outro lampião, mas Damodar lhe disse que não havia nada de errado, mas que deveria ser HPB fazendo algo com o lampião. Ao ouvir isso, Olcott chamou todos para presenciarem o fenômeno. HPB colocou o Iampião sobre a mesa e disse:

 

“Qual o problema com você, suba”, e imediatamente ele resplandeceu com um brilho fora do normal. Então ela disse “Abaixe” e num curto espaço de tempo estava praticamente escuro. Em seguida ela fez a chama subir de novo, assim estabelecendo claramente aos visitantes o que um logue pode realizar pelo poder de sua vontade.” (Eek 1978, 42)

 

            Para Olcott, HPB contou que um Adepto, invisível para todos exceto para ela mesma, é que havia feito a chama aumentar ou diminuir, quando ela dava tais ordens. Outra explicação, dada em ocasiões semelhantes, era que ela tinha poder sobre os elementais do fogo, que obedeciam a suas ordens. Olcott comenta que o fenômeno era mais um de uma longa série:

 

“... provando sua posse de reais e extraordinários poderes psíquicos; fatos aos quais eu pude sempre retornar, quando sua boa fé pudesse ser desafiada por seus críticos ou impugnada por suas próprias indiscrições de linguagem e de ações. A essa altura seus amigos íntimos acreditavam nela apesar de suas frequentes explosões exaltadas de temperamento, quando ela se declarava pronta para gritar do alto das casas que não existia nenhum Mahatma, nenhum poder psíquico, e que ela havia simplesmente nos enganado todo o tempo. E falam sobre provações e

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testes de fé! Duvido que quaisquer neófitos, postulantes ou discípulos tenham alguma vez passado por testes mais severos do que nós. Parecia ser seu deleite nos deixar loucos com seus caprichos extravagantes e autoacusações, quando sabia o tempo todo que para nós era impossível duvidar, em vista de nossa experiência com ela.” (ODL II, 135)

 

            Em 22 de dezembro de 1879 HPB e Ollcott partiram de Benares, voltando à casa de Sinnett. No dia 26 o casal Sinnett ingressou na Sociedade, numa cerimônia de iniciação inesquecível, devido a um fenômeno ocorrido. Num determinado momento do ritual de iniciação, à pergunta de Olcott se os Mestres haviam ouvido o juramento dos candidatos e se aprovavam suas admissões à Sociedade, uma voz respondeu: “Sim, aprovamos.” (ODL II, 137)

 

 

Pensamos que Era o “Sahib” (março de 1880)

 

            Na noite de 25 de março de 1880, HPB, Olcott e Damodar, resolveram dar um passeio de carruagem aberta até o final de uma barragem conhecida como Ponte Worli. Raios brilhavam intensamente no céu, mas não havia chuva. HPB e Olcott fumavam e todos conversavam, distraídos, apreciando a brisa marítima, quando ouviram o som de vozes. Era um grupo de indianos, rindo e conversando, vindo da praia. Eles entraram em suas carruagens e foram embora em direção à cidade.

 

            Para vê-los, Damodar ficou de pé. Quando os últimos indianos estavam passando ao lado deles, ele silenciosamente tocou no ombro de Olcott e indicou com a cabeça para que ele olhasse naquela direção. Olcott ficou de pé e viu, atrás do último grupo, uma figura humana solitária se aproximando:

 

“Ele, como os outros, estava vestido de branco, mas a brancura de suas vestes positivamente fazia com que a dos outros parecesse cinza, assim como a luz elétrica faz com que a mais brilhante das luzes a gás pareça opaca e amarela. A pessoa era um palmo mais alta do que o grupo que o precedera, e seu caminhar era o próprio ideal da dignidade refinada. Quando chegou a uma distância como da cabeça de nosso cavalo, ele desviou-se da rua em nossa

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direção e nós dois, para não falar de HPB, vimos que era um Mahatma. Sua veste e turbante brancos, a grande cabeleira escura caindo sobre os ombros e a barba cheia nos fizeram pensar que era “o Sahib”, mas quando ele chegou na lateral da carruagem e ficou de pé a não mais que uma jarda [91,4 cm.] de nossos rostos, colocou sua mão no braço esquerdo de HPB, que repousava no corpo da carruagem, nos olhou nos olhos e respondeu as nossas saudações reverentes, então vimos que não era ele, mas um outro, cujo retrato HPB usou, mais tarde, num grande medalhão de ouro, e que muitos viram.” (ODL Il, 144)

 

            Sem chamar a atenção dos indianos que se afastavam em suas carruagens, ele foi se afastando pela barragem. Não havia nenhuma árvore ou arbusto que pudesse escondê-lo e eles o olhavam com intensa concentração. Mas, de repente, ele desapareceu. Sob a excitação do ocorrido, Olcott pulou da carruagem e correu para o ponto onde fora visto por último, mas não havia ninguém ali – apenas a rua vazia e as costas da carruagem que recém passara.

 

            É interessante notarmos que no encontro descrito acima, Olcott faz uma clara distinção entre o “Sahib” e o Mestre “cujo retrato HPB usou, mais tarde, num grande medalhão de ouro”, identificado como sendo o Mestre Morya, o Guru de HPB. (Sinnett 1886, 267) Essa distinção clara entre os dois reforça nossa conclusão de que esse termo – Sahib – era usado por HPB para designar seu Instrutor, “John King” – o Adepto Hillarion – e não seu Guru.

 

            Entretanto, talvez Olcott não esteja dando a identidade correta do Mestre desse encontro, pois, em seu diário, além de não demonstrar sua usual devoção pelo Mestre M., identifica o Mestre do encontro como: “Hamlet, um de nossos Irmãos e um discípulo de T. Bey.” (Murphet 1972, 119)

 

 

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