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Tradução: Daniel M. Alves –
Revisão e edição:
Arnaldo Sisson Filho
[Embora o texto em inglês seja de domínio público, a tradução não é. Esse arquivo pode ser usado para qualquer propósito não comercial, desde que essa notificação de propriedade seja deixada intacta.]

 

 

 

CAPÍTULO XIII

 

Uma Odisséia da Alma

 

            1. (*) SE O PRÓPRIO homem não trilhar por vontade própria o caminho da redenção para a vida de Cristo [a vida Crística], ninguém – nem mesmo Deus – pode trilhá-lo por ele.

 

            A senda está dentro do próprio homem; os meios não estão além de sua capacidade de descoberta e adoção. O incentivo e a certeza da realização estão diante de seus olhos no exemplo dos Cristos que vieram anteriormente, mas ele não deve “entregar-se

(p.37)

a nenhum refúgio externo,” (*) pois tão somente ele pode operar sua própria salvação e conquistar a Dádiva de Deus.

 

            Portanto, a Bíblia, em todas aquelas passagens ou livros que verdadeiramente legitimam sua reivindicação de ser a Palavra de Deus – eles formam, lamentavelmente, apenas uma pequena proporção da compilação completa – graficamente representam a história e as aventuras espirituais do homem e sua alma, freqüentemente representando a alma como uma mulher, através dos três grandes estágios ou ciclos da Criação, Degeneração e Regeneração.

 

            2. No primeiro período Adão e Eva – respectivamente representando o homem exterior terreno e o homem interior espiritual, a natureza corpórea e a alma – são desenvolvidos ou criados por Deus como as duas metades de uma completa e perfeita Humanidade.

 

            O segundo estágio sobrevém sempre que a alma, Eva, transferindo sua fidelidade de seu próprio centro, Deus, para as “maçãs” da ilusão ou dos sentidos, cai na armadilha da serpente da matéria e arrasta consigo o homem exterior, Adão. Esse a partir de então é capaz de assumir tal domínio sobre a alma a ponto de ameaçar sua própria existência como um indivíduo por meio da perda de seu Espírito Divino.

 

            Mas, mesmo no destino que ela dessa forma gera pra si mesma, a alma não é deixada, como o perecível Adão, sem esperança de regeneração, pois sua natureza é imortal e seus elementos são divinos. Ela ainda irá, em seu próprio Ser rejuvenescido, e através de seu redimido Filho, esmagar a cabeça da serpente da matéria e dos sentidos.

 

            E assim a alma ingressa naquele necessário e postergado processo de sofrimento, expiação, purificação e desenvolvimento ao longo de múltiplas encarnações e estados intermediários, processo esse que pode ser resumido no termo Redenção, ou Reconciliação, e que está compreendido no ciclo ou estágio final da Regeneração.

 

            3. Agora, a Bíblia, naquela seção especialmente dedicada ao último dos três estágios, lida com o

(p. 38)

último e conclusivo estágio da regeneração, mais do que dos estágios preparatórios e intermediários da regeneração – embora algumas das personagens do Velho e do Novo Testamentos possam ser tomados como representações simbólicas do homem e da alma parcialmente redimidos.

 

            O Novo Testamento inicia, mais uma vez, com o homem e sua alma, mas dessa vez representa essa última como Maria, que não é outra senão Eva tornada imaculada ou virgem. E ela, de forma conclusiva e para sempre, centralizando seu amor e vontade no Amor e Vontade de Deus, e casando-se indissoluvelmente com o Espírito Santo, dá nascimento, por fim, a uma nova Humanidade, a um Adão espiritual, que é Cristo, no qual e por meio do Qual ninguém morre, mas a todos é dada a vida.

 

Iesous Chrestos, – o Perfeito Sim de Deus

 

            4. Jesus e Cristo não são, portanto, em sua mais elevada e mais profunda significância, os nomes de algum indivíduo em particular, mas de muitos e, potencialmente, de todos os indivíduos.

 

            Eles principalmente representam: o primeiro [Jesus], uma ordem, escola ou fraternidade de Homens Regenerados ou tornados perfeitos através do sofrimento; e o segundo [Cristo] representa o princípio e o processo interiores por meio dos quais o Amor e a Sabedoria perfeitos de Deus se tornam individuados dentro da alma redimida que alcançou a completa libertação.

 

            Embora Ele seja um Cristo – qualquer que seja Seu nome no mundo físico – que aperfeiçoou o Seu Ser espiritual e superou a necessidade de novas encarnações, Ele, mesmo assim, por puro amor, retorna à encarnação para que possa demonstrar plenamente, enquanto no corpo, a todos os homens, o processo através do qual o Reino de Deus pode ser alcançado por eles próprios e dentro deles mesmos.

 

            5. Assim, o mistério da Divina Encarnação é simplesmente isso, que Deus não cessa de ser puro espírito, ou que o puro espírito não cessa de ser Deus, ao tornar-se individualizado em uma alma humana, mesmo quando essa alma toma para si mesma um corpo humano.

 

            Portanto, o homem é de fato “salvo pelo sangue de Cristo”, pois esse sangue é a própria vida e essência espiritual da condição de Cristo.

 

(p. 39)

            E o homem é de fato “redimido pelo amor de Cristo”, contudo não pelo amor de um Cristo Que sofre no lugar dele – pois o máximo que mesmo um Cristo pode fazer é sofrer nos outros e com os outros, e por meio de Sua imensurável compaixão e perfeição de ilimitado amor Ele também os conquista para o amor.

 

            Mas isso é feito através do amor engendrado no homem pela pureza e perfeição do ser. Amor que ao ser exercitado o redime por seus pecados e é, como Cristo, Deus manifestado dentro dele.

 

            E se for argumentado que isso é remover o Jesus pessoal da história da Bíblia da esfera do amor humano, a resposta é que a comida oferecida a ídolos pode saciar parcialmente os sentidos primitivos, mas não pode nutrir duradouramente a alma, e que a auto-confiança deve substituir à adoração do herói à medida que a natureza do homem se desenvolve e sua consciência se expande. (1)

 

Adorem Somente a Deus

 

            6. Assim, ficará evidente que qualquer que sejam as correspondências históricas ou pessoais sobre as quais tais alegorias divinas como a da Queda, da Encarnação e da Crucificação são construídas, não é o elemento histórico, por transcendental que seja, que é de vital interesse e importância para o real ego ou homem.

 

            O que torna essas alegorias divinamente verdadeiras é sua aplicabilidade como princípios para a alma no presente, em qualquer estágio de sua evolução, para todo e qualquer indivíduo, e tanto no mundo macroscópico quanto no mundo microscópico.

 

            O critério definitivo de todas as narrativas, incidentes e afirmações na Bíblia como veículos da verdade espiritual é: – São eles traduzíveis pela razão em verdades que sempre ocorrem para a alma? Se eles

(p. 40)

não podem ser assim compreendidos, eles não têm o que é essencial da verdadeira religião dentro deles, a despeito de qualquer coisa que os teólogos possam dizer sobre eles.

 

NOTAS

 

(36:*) N.T.: Essa numeração indica os parágrafos no original, em inglês.

(37:*) N.T.: Retirado do conhecido sutra budista Mahaparinibbana:

“Quando o Buda estava para morrer,

Ananda perguntou

Quem seria o instrutor deles depois que ele morresse.

Ele respondeu a seu discípulo: –

‘Sejam lâmpadas para si mesmos.

Sejam refúgios para si mesmos.

Não se entreguem a nenhum refúgio externo.

Aferrem-se à verdade como uma lâmpada.

Aferrem-se à verdade como um refúgio.

Não busquem refúgio em ninguém além de si mesmos.

E aqueles, Ananda, tanto agora como depois de minha morte,

Que se tornarão lâmpadas para si mesmos,

Que não se entregarão a nenhum refúgio externo,

Porém, aferrar-se-ão à verdade como suas lâmpadas,

Aferrar-se-ão à verdade como seus refúgios,

E não buscarão refúgio em ninguém além de si mesmos,

São esses os que alcançarão o mais elevado cume;

Mas eles devem ter forte aspiração por aprender.’” [Mahaparinibbana Sutta]

[Inglês:]

“As the Buddha was dying,

Ananda asked

Who would be their teacher after death.

He replied to his disciple: –

‘Be lamps unto yourselves.

Be refuges unto yourselves.

Take yourself no external refuge.

Hold fast to the truth as a lamp.

Hold fast to the truth as a refuge.

Look not for a refuge in anyone besides yourselves.

And those, Ananda, who either now or after I am dead,

Shall be a lamp unto themselves,

Shall betake themselves as no external refuge,

But holding fast to the truth as their lamp,

Holding fast to the truth as their refuge,

Shall not look for refuge to anyone else besides themselves,

It is they who shall reach to the very topmost height;

But they must be anxious to learn.’” [Mahaparinibbana Sutta]

(39:1) É precisamente esse limitado amor pessoal pelo homem Jesus, que se transforma tão freqüentemente de uma pura emoção em uma idolatria egoísta, que o Sacerdotalismo estabeleceu como uma barreira, mais do que uma escada, entre o homem que deixou de lado as coisas infantis e Deus. “Todo mundo ama alguém que ama” – mas apenas porque aquele que ama nos faz lembrar de nosso próprio amor pelos outros. E assim deveria ser com o nosso amor pelos Amantes Universais, ou Cristos da Humanidade.

 

 

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