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Tradução: Daniel M. Alves

Revisão e edição: Arnaldo Sisson Filho

[Embora o texto em inglês seja de domínio público, a tradução não é. Esse arquivo pode ser usado para qualquer propósito não comercial, desde que essa notificação de propriedade seja deixada intacta.]

 

 

(p. 80)

CAPÍTULO XXXII

 

SOBRE OS EVANGELHOS: SUAS ORIGENS E COMPOSIÇÃO (3)

 

            1. (*) ESTOU olhando para dentro do Serapeum (**) em Alexandria. O templo é conectado a uma biblioteca que, pelo que vejo, ainda está lá, sem estar destroçada ou queimada, mas repleta de manuscritos – na sua maioria rolos sobre varetas. Vejo um conselho com muitos homens

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sentados numa mesa na sala da biblioteca, e vejo uma série de nomes, como Cleópatra, Marco Antônio e outros.

            Essa é a chamada segunda biblioteca de Alexandria, tendo sido a primeira destruída no reinado de Júlio César. O núcleo dessa biblioteca foi um presente de Antônio a Cleópatra, que fez acréscimos e a melhorou imensamente, até o ponto em que continha toda a literatura existente no mundo.

            Vejo ainda que – e me pergunto qual a razão – eles estão deliberadamente construindo o Cristianismo a partir dos livros lá existentes! E, tanto quanto consigo ver, os Evangelhos estão um pouco melhor que as Metamorfoses de Ovídio – historicamente, quero dizer. Então, eles estão deliberadamente elaborando a nova religião, (1) implantando o antigo [conhecimento] no sistema Judeu.

            2. Anote esses nomes e as datas que me são especialmente mostrados. Teófilo, patriarca da Alexandria, e Ambrósio. 390 DC, 286 AC. Essa última é a data em que a biblioteca foi pela primeira vez reunida. E 390 DC (2) é a data da principal destruição dos documentos, a partir dos quais foi criada a nova religião. Se eles pudessem ser recuperados poderíamos ter uma prova absoluta da elaboração da nova religião a partir de originais hindus, persas e outros originais – as interpolações, remoções, e alterações comprovam isso. Eles mostram, também, que o nome inicialmente adotado para o homem exemplar era mais parecido com Krishna, e que o nome Jesus foi uma escolha posterior, (3) adotada por sugestão judaica, para ficar mais condizente com um herói judeu.

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O sistema (1) vinha sendo elaborado desde longa data, e levou todo esse tempo para ser aperfeiçoado. (2) Todos os detalhes da história dos Evangelhos são inventados, a começar pelo número dos apóstolos, assim como todo o resto. Nada é histórico, no sentido que se supõe. (*)

            3. Vejo agora o Serapeum destruído: não apenas a biblioteca, mas também o templo, tão temerosos eles estavam de deixar qualquer traço da sua elaboração. Ele foi destruído por cristãos, sendo instigados especialmente por Teodósio, Ambrósio e Teófilo. (3)

            Sua motivação era mesclada, cada um dos líderes tendo um objetivo diferente. O objetivo dos elaboradores era manter e continuar a antiga fé através da sua transposição para um novo terreno, a inserindo no Judaísmo.

            O objetivo de Teófilo era tornar a nova religião a inimiga e a sucessora da velha, fazendo com que ela parecesse ter uma base e uma origem independente.

            Ambrósio destruiu a biblioteca para se opor aos arianos, fazendo parecer que o Cristianismo teve uma origem totalmente sobrenatural.

            Os próprios elaboradores não pretendiam que ela fosse vista como sobrenatural, mas como representando o mais elevado do humano. E, coerentemente com isso, eles acumularam em Jesus tudo o que tinha sido dito acerca dos Cristos anteriores – Mitras, Osíris, Krishna, Buddha e outros – sendo que o esboço original continha a doutrina da transmigração das almas – [exposta] da forma mais clara e explícita. (4)

            A elaboração foi empreendida com o intuito de salvar a própria religião da extinção, em vista da prevalência do materialismo – pois aqueles tempos correspondiam, nesse aspecto, exatamente aos de hoje. E o plano era o de criar, a partir de todos os sistemas existentes, um sistema novo e completo, representando as mais altas possibilidades e satisfazendo as mais elevadas aspirações da humanidade.

            4. A grande perda, então, não foi a da primeira, mas a da segunda biblioteca de Alexandria. O Serapeum foi destruído pelos cristãos com o objetivo de impedir que se verificasse a origem humana de sua religião. O objetivo era fazer acreditar que

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tudo estava centrado em uma única pessoa real específica, e não que tenha sido coletado e compilado de uma multiplicidade de fontes.

            5. Todos os diálogos nos Evangelhos foram fabricados com a ajuda de vários livros a fim de ilustrar e impingir certas doutrinas específicas. Não consigo reconhecer a língua de muitos dos manuscritos antigos usados. Os que vejo em latim estão todos escritos em caixa alta, e sem qualquer divisão entre as palavras, se parecendo, assim, com uma longa palavra.

            6. Me é mostrada a cena real da destruição da biblioteca e os livros sendo espalhados. Há um tumulto assustador. As ruas de Alexandria estão tomadas por multidões de pessoas gritando e se dirigindo apressadamente para o local. Elas não sabem os reais motivos. Foi dito a elas que a biblioteca continha livros do diabo, os quais se fossem preservados seriam os meios para a destruição do Cristianismo.

            O barulho e o tumulto são aterrorizantes. Não consigo suportar, imploro para ser retirada, pois isso me machuca muito. (1)

            É extraordinário o quão exatamente similares são as duas épocas, tanto política como religiosamente. Tudo o que havia se estabelecido estava se rompendo nessas duas épocas; e aquilo que surge de cada um delas é a mais completa revelação da Idéia divina de Humanidade. Tudo trabalha por nós e pela nova revelação. Mas o mundo sofre terrivelmente no nascimento. Depois as coisas gradualmente tornam-se bem melhores.

 

            *.* Como explicação do método pelo qual esse conhecimento foi recuperado, podemos dizer que, de acordo com a ciência oculta, todo evento ou circunstância que aconteceu no planeta tem uma contraparte astral, ou imagem na luz magnética. De modo que há de fato fantasmas de acontecimentos, assim como de pessoas. Essas existências magnéticas são as Sombras ou Manes de tempos, circunstâncias, atos e pensamentos passados, dos quais o planeta foi cenário, e eles podem ser conjurados ou evocados. As impressões deixadas em tais ocasiões são tão somente sombras impressas sobre o espelho protoplásmico. “Esta atmosfera magnética, ou alma astral, é chamada de Anima Mundi, e nela estão armazenadas todas as memórias do planeta, sua vida passada, sua história, suas afeições e lembranças das coisas físicas. O adepto pode pesquisar esse mundo-fantasma, e ele lhe dará respostas. (2) É a vestimenta abandonada pelo planeta; e, no entanto, é viva e palpitante, pois a sua própria natureza é tecida de substância psíquica, e todo seu parênquima é magnético.” Vide Cap. No. XLV; e também The Perfect Way, Palestra V, parágrafo 39. Sobre a recuperação da memória individual, vide Cap. No. XL. E.M.

 

NOTAS

 

(80:3) Londres, 6 de Novembro de 1881. Falado em transe. Essa Iluminação se deu de forma totalmente independente de qualquer conhecimento ou predisposição de nossa parte – sendo o assunto bastante novo para nós – e provou-se, em pesquisa posterior (embora essa tenha ido muito além da história), estar de pleno acordo com a história, até onde a história pode alcançar, e também com os resultados da crítica independente e honesta. Por “história” não nos referimos à tradição ou invenção eclesiástica. E.M. Mencionado em Life of Anna Kingsford, Vol. II, pp. 32-33.

(80:*) N.T.: Essa numeração indica os parágrafos no original, em inglês.

(80:**) N.T.: Um Serapeum é um templo, ou outra instituição religiosa dedicada ao deus sincrético helenístico-egípcio Serapis, que combinava aspectos de Osíris e de Apis em uma forma humanizada que era do agrado dos gregos ptolemaicos de Alexandria. Havia vários desses centros religiosos, cada um dos quais era um Serapeion ou, em sua forma latinizada, um Serapeum.

(81:1) “A nova religião”, nesse contexto, “implica o empenho sistemático dos Místicos de Alexandria a quem se dá o crédito pela autoria dos Evangelhos (...) em construir, com base na história de Jesus, uma religião que deveria representar uma síntese simbólica das verdades fundamentais que embasam todas as religiões anteriores” (Carta de E.M. a Light, 1889, p. 507). S.H.H.

(81:2) O templo foi destruído em 389 DC. A biblioteca jamais deixou de existir, o Bruchium, à época de sua destruição, havia se juntado com o Serapeum. O que sobrou foi em muito superado com os acréscimos trazidos de Pérgamo, feitos por Antônio, que se tornaram, na prática, o núcleo da biblioteca. E.M.

(81:3) Edward Maitland, referindo-se a essa Iluminação, diz: “De acordo com a visão assim dada com relação às origens cristãs, o rápido declínio da fé e o avanço do materialismo havia, muito antes da ascensão do Cristianismo, chamado a atenção dos iniciados dos Mistérios, cujo centro de operações situava-se em Alexandria; e eles, em razão disso, buscaram, por meio de uma reformulação da verdade religiosa, adaptada ao caráter modificado dos tempos, impedir a crescente torrente de infidelidade. Tudo o que era necessário no sentido de doutrina já estava em suas mãos por eras. Apenas faltava um indivíduo apto para sua exemplificação prática. (...) Tal exemplo foi reconhecido em ‘Jesus’, e nele, portanto, eles centraram todas as verdadeiras características de um Homem Regenerado, conforme verificado nos exemplos anteriores. E sua história – que não foi a história física de nenhum Homem Regenerado, mas sim a história espiritual de todo Homem Regenerado – foi descrita na terminologia mística corrente. A chave dessa terminologia estava perdida até que foi recuperada por meio da Sra. Kingsford.” (Carta a Light, 1889, p. 527). S.H.H.

(82:*) Grifo do editor.

(82:1) Não os Evangelhos (Carta de E.M. a Light, 1889, p. 527). S.H.H.

(82:2) Há uma ambigüidade aqui, devido à data do término da “elaboração” não ter sido especificada. E.M. (Vide Carta de E.M. a Light, 1889, p. 527.)

(82:3) Teodósio foi Imperador da divisão oriental do Império Romano. Ambrósio foi Arcebispo de Milão. E.M.

(82:4) A razão para a exclusão não é difícil de se encontrar. “Não há mais (nascimento nem) morte para aqueles que estão em Cristo.” Sendo a transmigração condição apenas do homem não-regenerado, os Evangelhos – que têm como propósito dar a conhecer o Homem Regenerado – não tinham a obrigação de se referir aos estágios anteriores de sua evolução. Isso está implícito na narrativa de seu nascimento de uma virgem, como vemos nos capítulos XXIII e XXIV. E.M.

(83:1) Edward Maitland diz que a destruição da segunda biblioteca de Alexandria foi “um acontecimento tão vividamente observado” por Anna Kingsford, que ela “sofreu agudamente por vários dias em razão do tumulto” (Carta a Light, 1889, p. 528). S.H.H. (83:2) Com relação à credibilidade da faculdade de Anna Kingsford como meio de obter conhecimento histórico, Edward Maitland diz que tal faculdade era “a real percepção de uma série de eventos infalivelmente impressos por si mesmos na memória astral do planeta, acessíveis, portanto, a qualquer um que possua a faculdade necessária para observar e ler o registro. Tal faculdade é como um telescópio, que – embora possa escurecer e distorcer uma imagem na transmissão – não pode de forma alguma criar tal imagem. E da mesma forma em que confiamos num telescópio para ver objetos que por sua grande distância não podemos verificar, com base na sua precisão em relação àqueles que podem ser verificados, assim é com a faculdade de ler na memória do planeta. Se nós encontrarmos um instrumento digno de confiança – tal como indiscutivelmente era a faculdade da Sra. Anna Kingsford – com relação a coisas verificáveis, somos obrigados a confiar nele com relação a coisas não verificáveis” (Carta a Light, 1889, pp. 527-528). S.H.H.

 

 

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