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Tradução: Daniel M. Alves

Revisão e edição: Arnaldo Sisson Filho

[Embora o texto em inglês seja de domínio público, a tradução não é. Esse arquivo pode ser usado para qualquer propósito não comercial, desde que essa notificação de propriedade seja deixada intacta.]

 

 

(p. 77)

CAPÍTULO XXX

 

SOBRE PAULO E OS DISCÍPULOS DE JESUS (1)

 

            1. (*) EM uma visão que me foi mostrada na noite passada, foi demonstrado que a visão comum que se tem do caráter e da posição de Paulo com respeito à Igreja primitiva é totalmente falsa; e as pessoas que fizeram a comunicação que estou prestes a relatar me pareciam ter conhecido pessoalmente Paulo e estarem totalmente familiarizados com os eventos que ocorreram à época de seu apostolado.

            Disseram-me, com visível indignação, que a Igreja Cristã de hoje é inteiramente equivocada quanto a real relação que existe entre os apóstolos, que Cristo instruiu e elegeu como seus missionários,

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e o convertido sacerdotalista hebreu.

            É impressionante”, eles disseram, “que sua Igreja possa ler, nas escrituras remanescentes sobre nossas relações com Paulo, relatos de desconfiança, suspeita, e desaprovação com a qual sempre o tratamos, e não perceber que ele jamais esteve de acordo conosco.

            O próprio líder e chefe de nosso círculo se opôs a ele frontalmente repetidas vezes, como se ele tivesse sido um inimigo da Igreja; e em uma ocasião ele foi forçado a fugir dos irmãos durante a noite e por meio de um ardil, tamanha e tão amarga era a indignação que sua visão sobre a fé provocou em nós, que tínhamos sido os amigos do Senhor, e que conhecíamos a verdade como Paulo jamais tinha visto. Pois ele trouxe para dentro daquela regra de vida pura e simples um amontoado de usos e crenças levitas e rabínicas que tínhamos afastado de nós como a poeira de nossos pés.

            Ele cobriu as realidades do Evangelho de Jesus com um impressionante peso de duros ditos e de interpretações sacerdotais equivocadas. Ele, que jamais conheceu o Mestre como ele era, tomou para si o encargo de distorcer sua imagem como a de um Deus estranho que nós não conhecemos. Nem conseguíamos reconhecer, nessa versão alterada do belo e voluntário martírio do homem que tínhamos amado tão ternamente, um traço sequer de seu caráter, ou a menor semelhança com a doutrina que ele nos ensinou.

            O que nós vimos e conhecemos como o puro e perfeito amor de uma morte voluntária, bravamente encarada em nome da consciência, Paulo nos apresentou sob uma roupagem nova e não amorosa, como sendo o sacrifício de uma vítima para apaziguar a cólera do Deus que Jesus chamou de seu e nosso Pai.

            A partir daquela que tinha sido para nós uma simples regra de vida, uma simples purificação da velha fé, Paulo erigiu o sistema estranho e elaborado que é chamado de “esquema da Reconciliação”. Para nós e para nosso Mestre não tinha havido nenhum ‘esquema’; Deus se reconciliava com o homem pelo amor, e não pelo sacrifício.

            Mas, Paulo queria uma “nova religião”, (1) e uma crença difícil de compreender; e ele deixou para o mundo um Cristianismo próprio dele que nós não conhecíamos, mas que é o que vocês têm hoje. E com isso ele nos causou um mal e um prejuízo maior do que se ele tivesse nos perseguido e eliminado fisicamente. Pois, por meio de sua falsa conversão ele enganou o mundo e afundou a verdade em uma torrente de estranhas doutrinas.

            Por essa razão todos nós éramos contra ele, e jamais reconhecemos seu apostolado, estando convencidos de que ele não conhecia Cristo, nem a fé que Cristo ensinou.

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            Se ele tivesse se contentado com a verdade, nós jamais teríamos nos posicionado contra ele; pois ele possuía muitos dons, dentre eles a eloqüência – que não era o menor de seus talentos.

            Mas, através de sua fatal perversão da fé, e através de seu amor fatal por doutrinas metafísicas e por sutilezas rabínicas, ele deturpou aquilo que era a glória da Igreja, e trouxe ao mundo as monstruosas doutrinas do ‘Cristianismo’ que é pregado nas suas igrejas atualmente.

            2. Contaram-me, além disso, que na noite antes da fuga de Paulo na cesta descida das muralhas de Damasco, uma violenta discussão entre ele e os irmãos tinha acontecido, no decorrer da qual Paulo sustentou que a única chance do triunfo final do Evangelho residia em sua edificação em um sistema, e um que tinha que ser necessariamente sacrificial.

            Eles o questionaram quanto a esse ponto, mas ele insistia que tinha uma visão mais profunda sobre o assunto do que eles, e que sua missão especial consistia na elaboração do plano que tinha concebido quanto à posição de Cristo como o Mediador entre Deus e o homem.

            [A visão foi inteiramente espontânea e inesperada. Eu não tinha dado anteriormente nenhuma atenção ao assunto, nem tinha consciência de que uma instrução similar tinha previamente sido dada ao meu colega.

            Os personagens que eu vi em minha visão não tinham nenhuma semelhança com qualquer das inúmeras representações dos apóstolos feitas pelos pintores, mas eu estava longe de estar em uma condição suficientemente lúcida para guardar suas aparências de maneira vívida o suficiente para me permitir, como normalmente é o caso, fazer um desenho deles.

            Tampouco fui capaz – sequer de forma parecida com a precisão que me é habitual – de reproduzir suas palavras. O tom e o conteúdo, no entanto, foram fielmente reproduzidos. O tom, em todo momento, foi de forte indignação misturada de pesar em relação a Paulo; e de desdém pela loucura da Cristandade em aceitar tão grosseira e tangível perversão do ensinamento de Jesus e da natureza de Deus, como aquela envolvida na doutrina sacerdotal da reconciliação vicária.] (1) 

 

NOTAS

 

(77:*) N.T.: Essa numeração indica os parágrafos no original, em inglês.

(77:2) Paris, 17 de julho de 1877. Mencionado em Life of Anna Kingsford, vol. I, p. 181.

(78:1) A “nova religião”, nesse contexto, “implica os distanciamentos criados por Paulo do ensinamento dos discípulos originais” (Carta de E.M. para Light, 1889, p. 507). S.H.H.

(79:1) 2 Pedro 3:15-16 (uma carta de autoridade altamente duvidosa), evidentemente representa um desejo ou de conciliar ou de ignorar essa contenda, tratando as diferenças como sendo mais aparentes do que reais. E.M.

 

 

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