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Capítulo 19

 

 

A Doutrina Secreta e os Keightley (março de 1887)

 

            Archibald Keightley nasceu em Westmorland, Inglaterra, em 19 de abril de 1859. Foi estudar em Cambridge, onde formou-se em Medicina. Foi nessa época que começou a se interessar pelos fenômenos do Espiritismo. Fez experiências em alquimia e estudou os trabalhos filosóficos e místicos, bem como os neoplatônicos que pode encontrar na biblioteca de Cambridge.

 

            Archibald era quase um ano mais velho que o irmão de seu pai, Bertram, que nasceu em Birkenhead, Inglaterra, em 4 de abril de 1860. Bertram foi educado dentro do Cristianismo místico de Swedenborg e também estudou em Cambridge, onde formou-se em Matemática. Ele sentia grande atração por filosofia e ciência e, na época de Cambridge, estudou mesmerismo, Eliphas Levi, os místicos medievais e os escritores neoplatônicos. (CW IX, 427)

 

            Em 1884, Archibald e seu tio Bertram entraram para a ST em Londres, juntamente com o casal Oakley. A primeira vez que os dois encontraram com HPB foi na reunião da Loja de Londres convocada para discutir a eleição entre Sinnett e Anna Kingsford. Durante a estadia de HPB na Europa em 1884, Archibald quase não pode conviver com ela, pois estava ocupado com seus estudos, mas Bertram passou muito tempo com HPB, em Paris, Londres e Elberfeld, na casa dos Gebhards.

 

            A partir de agosto de 1886 HPB passou uma temporada em Ostende, trabalhando na Doutrina Secreta com o auxílio da condessa. Em março de 1887, Archibald Keightley, foi a Ostende para aconselhar-se com HPB sobre o futuro do trabalho em Londres, que sofria as consequências do relatório da SPR. Ela já havia lhe escrito que o trabalho necessitava de um líder com determinação e vontade firme. Archibald escreve que “na opinião de um de seus amigos ocultos a quem ela havia consultado, era possível que eu pudesse ser tal líder e pudesse fazer o trabalho.” (Keightley)

 

            Ao chegar em Ostende, em março de 1887, HPB logo lhe passou uma parte dos manuscritos da Doutrina Secreta, pedindo-lhe para “corrigir, cortar, alterar o inglês, pontuar; de fato, tratei-o como se fosse meu

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mesmo”. (Wachtmeister, 83) Os poucos dias que passou em Ostende foram ocupados nessa leitura e no esforço de compreender a intenção do livro, que naquele momento:

 

“... era uma série de ensaios com informações do maior interesse mas, a meu ver, não tinha nenhum plano concatenado. Era um caos de possibilidades, mas de nenhum modo um vazio, ainda que estivesse sem forma. (...) eu começava a trabalhar nos manuscritos, enquanto Mad. Blavatsky trabalhava em seu próprio quarto e ficava invisível até o fim da tarde. Ela poderia aparecer para o seu jantar, mas suas refeições eram o desespero da empregada que as preparava, pois eram banquetes cujo horário era muito mutável. À noite ela emergia e então conversávamos sobre a sua planejada visita à Inglaterra, o trabalho a ser feito lá, a Doutrina Secreta e assuntos gerais. Na maior parte da noite, enquanto conversávamos, ela jogava sua “paciência”, conversando enquanto arrumava as cartas.” (Keightley)

 

            Após a morte de HPB, Archibald diz ter aprendido que enquanto a “paciência” ocupava o cérebro:

 

“... HPB estava ocupada em trabalhos muitos diferentes, e que Madame Blavatsky podia jogar paciência, tomar parte da conversa entre nós, que continuava à volta dela, dar atenção ao que nós costumávamos chamar de “o andar de cima” e também ver o que estava acontecendo em seu próprio quarto e outras peças na casa e fora dela, tudo ao mesmo tempo.” (Keightley)

 

            HPB prometeu a Archibald que iria a Londres, mas que ainda não podia fixar a data. Após dois ou três dias ele voltou à Inglaterra e começou a procurar um local onde pudesse hospedá-la. Porém, dez dias após seu retorno, chegaram notícias de que ela estava muito doente, com infecção nos rins. Dr. Ellis, um médico que fazia parte do grupo de teosofistas de Londres, foi para Ostende.

 

            Enquanto Mary Gebhard não chegava para auxiliar a condessa, essa contratou uma irmã de caridade para ajudar a cuidar de HPB, com resultados desastrosos. Assim que a condessa virava as costas, a freira segurava o crucifixo diante de HPB, implorando que se convertesse e entrasse para a igreja, antes que fosse tarde demais. Isso deixava HPB furiosa e não restou outra alternativa para a condessa senão mandar a ajudante embora. (Wachtmeister, 59)

 

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            Como os médicos acharam que dificilmente ela escaparia da morte, HPB chegou a fazer um testamento, deixando suas poucas posses para a condessa. Entretanto, após uma noite em que parecia que HPB iria morrer, ela recuperou-se como por milagre. Madame Blavatsky contou à condessa que a cura se dera novamente por intervenção de seu Mestre, que lhe permitiu escolher seu destino:

 

“... eu poderia morrer e ficar livre se quisesse, ou poderia viver e concluir A Doutrina Secreta; Ele me disse quão grandes seriam meus sofrimentos e que período terrível eu teria diante de mim na Inglaterra (pois eu estou para ir para lá); mas quando pensei naqueles estudantes a quem eu poderei ter a permissão de ensinar umas poucas coisas e na Sociedade Teosófica em geral, para a qual já dei o sangue de meu coração, aceitei o sacrifício, e agora, para torná-lo completo, traga-me um pouco de café e algo para comer, e me dê minha caixa de tabaco.” (Wachtmeister, 62)

 

            Assim que HPB recuperou-se um pouco, a condessa deixou-a com a Sra. Gebhard e foi para a Suécia, para vender a propriedade que lá possuía, pois pretendia viver dali por diante ao lado de HPB, cuidando dela. (Letters of H.P. Blavatsky, X)

 

 

Blavatsky Lodge (maio de 1887)

 

            Para que HPB pudesse ir para Londres, Mabel Collins emprestou Maycot, sua casa em Upper Norwood, arredores de Londres. (Sinnett 1986, 34) Archibald e Bertram foram buscá-la em Ostende. Como ela ainda estava bastante doente e tinha dificuldades de se locomover, a viagem foi bastante difícil.

 

            Os três chegaram a Maycot em 1° de maio de 1887 e, apesar de seu estado físico debilitado, HPB logo pediu que seu material para escrever fosse todo arrumado, a fim de que pudesse recomeçar a trabalhar na manhã seguinte. No horário costumeiro ela estava em sua escrivaninha, escrevendo.

 

            Os Keightley foram morar com ela em Maycot. Um ou dois dias após a chegada, HPB entregou a eles os manuscritos da Doutrina Secreta para eles lerem e corrigirem. Esse material formava uma pilha de papéis de quase um metro de altura. Após uma leitura cuidadosa,

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eles concluíram que a obra: “precisava ser rearrumada com um plano definido, pois como estava, o livro era outra “Isis Sem Véu”, apenas ainda pior, no que diz respeito a uma ausência de plano e sequência lógica.” (Wachtmeister, 78)

 

            HPB, então, lhes disse que ela lavava as mãos, e que eles tentassem organizá-la o melhor que pudessem. Os dois estudaram os manuscritos e lhe apresentaram uma organização com base no caráter do assunto, sugerindo que o trabalho fosse feito em quatro volumes, cada qual dividido em três partes: (1) as Stanzas e os Comentários; (2) Simbolismo e (3) Ciência.

 

            Também sugeriram que, ao invés de começar o primeiro volume com a história de alguns grandes ocultistas, ela seguisse a ordem natural de exposição, começando com a evolução do Cosmos, passando depois para a evolução do homem, para então lidar com a vida de grandes ocultistas. E finalmente, num quarto volume, falaria de Ocultismo Prático. (Wachtmeister, 79) O plano foi aprovado, dotando a Doutrina Secreta de um ordenamento lógico definido.

 

            Durante todo aquele verão, Bertram e Archibald trabalharam lendo, relendo, copiando e corrigindo os manuscritos da Doutrina. Archibald relata que passava os dias no grande esforço de sugerir um melhor arranjo e a correção de expressões de linguagem e, ao mesmo tempo, tentando preservar o estilo literário de Madame Blavatsky.

 

            A tarefa tornava-se ainda mais difícil pelo fato de que HPB lhe dizia para fazer como quisesse, enquanto que outros, que também haviam sido chamados para ajudar, insistiam que a linguagem original devia ser mantida, de modo que aqueles que fossem ler o livro pudessem ter a sua escolha sobre o que a autora queria dizer. Enquanto isso:

 

“... a referida autora me ameaçava com as mais horríveis dores e penalidades se o texto não fosse colocado num “inglês correto”. Naturalmente eu preferi a “obscura e profunda” boa vontade de Madame Blavatsky. Vivendo no estrangeiro, como ela viveu, seu cérebro estava cheio de expressões idiomáticas que não eram do inglês, e o fato dela estar escrevendo o livro em inglês, implicava numa tradução literal de expressões “estrangeiras”, com os mais surpreendentes resultados.” (Keightley)

 

            No dia 19 de maio de 1887 a Blavatsky Lodge foi fundada, sendo a reunião inaugural realizada nos aposentos de HPB em Maycot.

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Ela escreve para a irmã que mudara-se para Londres, diante da insistência de membros ingleses que lhe diziam:

 

“ ‘Apenas você pode nos iluminar e dar vida à Sociedade em Londres, que está hibernando e inativa.’ Bem, agora eles têm o que queriam; eu vim e joguei mais lenha na fogueira – espero que eles não se arrependam. Sento em minha mesa e escrevo, enquanto todos eles pulam à volta e dançam a minha música. Ontem tivemos uma reunião na qual foi formado um novo ramo da ST e imagine só – unanimemente a chamaram ‘A Loja Blavatsky da Soc. Teosófica’! (...) Isso é o que chamo de bater direto na face da Psychical Research Society; que eles saibam de que material nós somos feitos!” (Letters of H.P. Blavatsky, XI)

 

            Ela também escreve para a condessa, que ainda estava na Suécia, sobre a fundação da Blavatsky Lodge e lhe pedindo que viesse logo, pois havia tanto trabalho teosófico para fazer que:

 

“... tenho que desistir de minha Doutrina Secreta ou deixar o trabalho teosófico sem ser feito. É por isso que sua presença é necessária mais do que qualquer outra coisa. Se perdermos as boas oportunidades, nunca teremos outras melhores. Você sabe, eu suponho, que uma Blavatsky Lodge foi organizada e legalizada por Sinnett e os demais.

            “Até agora ela está composta por quatorze pessoas. Você também sabe que uma Theosophical Publishing Company foi formada pelas mesmas pessoas e que nós não apenas começamos uma nova revista teosófica, mas que eles mesmos insistem em publicar a Doutrina Secreta. Tenho reuniões regulares às quintas-feiras, quando dez ou onze pessoas têm que se apertar em meus dois quartos, e sentar em minha escrivaninha e sofá. Eu durmo no meu sofá de Würzburg, pois não há espaço para uma cama. Você, se vier, terá um quarto no andar de cima.” (Wachtmeister, 65)

 

            Logo a presença de HPB começou a ser sentida, e Maycot tornou-se um local de peregrinação de pessoas que queriam falar com ela, que algumas vezes eram recebidas, outras não. HPB ficava trabalhando em seus aposentos durante quase todo o dia. Archibald Keightley relembra que após o jantar, durante o qual todos da casa se reuniam, a mesa era limpa e:

 

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“... vinha tabaco e conversa, especialmente o primeiro, embora houvesse bastante da segunda. Eu gostaria de ter a memória e o poder para relatar aquelas conversas. Todas as coisas sob do sol, e algumas outras também, eram discutidas. Com uma coisa Madame Blavatsky era intolerante – simulação, falsidade e hipocrisia. Com esses ela não tinha piedade; mas com o esforço genuíno, por mais que estivesse errado, ela não poupava trabalho para dar conselho e reorientação. Eu nunca soube dela afirmar o que não era verdade, mas soube que ela algumas vezes teve que manter silêncio, porque aqueles que a interrogavam não tinham direito à informação. Nesses casos, eu depois soube, ela foi acusada de deliberada inverdade. Uma de suas tristezas vem à minha mente enquanto escrevo: “pois então você saberá que eu nunca, nunca enganei ninguém, embora tenha sido frequentemente compelida a deixar que eles enganassem a si mesmos.””(Keightley)

 

 

A Doutrina Secreta e Subba Row

 

            Em setembro de 1886 HPB havia mandado para Adyar mais uma parte do manuscrito da Doutrina Secreta através da Sra. Gebhard, que fora visitá-la. Os manuscritos só chegaram no início de dezembro de 1886. Por essa época, Subba Row estava se posicionando cada vez mais contra a abertura de ensinamentos esotéricos aos ocidentais e recusou-se a “fazer mais do que lê-la, dizendo que estava tão cheia de erros que se ele a tocasse teria que reescrevê-la completamente!” (ODL III, 398)

 

            HPB ficou muito aborrecida com sua atitude, mas recomeçou a escrever todo o texto, pois tinha grande consideração e respeito por Subba Row. Ela escreve para Olcott, em janeiro de 1887:

 

“Deixe S.R. [Subba Row] fazer o que ele quiser. Eu dou a ele carte blanche. Confio em sua sabedoria muito mais do que na minha, pois eu posso, em vários pontos, ter compreendido mal tanto o Mestre quanto o Velho C. [Cavalheiro, ou o Mestre Narayan]. Eles me dão apenas fatos e raramente ditam em sequência.” (Zirkoff, 38)

 

            Subba Row não colaborou mais com a trabalho da Doutrina Secreta. Em setembro de 1887, escrevendo para Subiah Chetty, HPB lhe diz:

 

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“Subba Row até mesmo se recusou, através de C. Oakley, a ler ou ter qualquer coisa a ver com minha Doutrina Secreta. Eu gastei aqui 30 libras para datilografá-la, com o propósito de lhe enviar e agora, quando tudo está pronto, ele se recusa a examiná-la. É claro que será um novo pretexto para ele pichar e criticar quando ela de fato for editada. Por esse motivo, eu retardarei sua publicação.” (Zirkoff, 45)

 

            Em fevereiro de 1888, HPB escreve a Olcott que recebera uma carta de um aluno pessoal de Subba Row, Tookaram Tatya, onde ele contava que Subba Row estava pronto para:

 

“... me ajudar e corrigir minha D.S. desde que eu tirasse dela todas as referências aos Mestres! Agora, o que é isso? Será que ele quer dizer que eu deveria negar os Mestres, ou que eu não Os compreendo e mutilo os fatos que Eles me dão, ou que ele, S.R., conhece as doutrinas do Mestre melhor que eu? Pois pode significar tudo isso.” (Zirkoff, 48)

 

            A recusa de Subba Row em ajudar na Doutrina Secreta repercutiu por toda Sociedade Teosófica. Tookaram Tatya, diz que ele:

 

“... declinou de empreender o trabalho porque acreditava que o mundo ainda não estava preparado para aceitar a divulgação daqueles segredos que ficaram, por boas razões, até então mantidos restritos ao conhecimento daqueles poucos consagrados.” (Row, vi)

 

            Subba Row saiu da ST em 1887, mas continuou como assinante de Lucifer e de The Theosophist e mantendo relações cordiais com Olcott e HPB. Ele morreu em 24 de junho de 1890, aos 34 anos de idade. Olcott relata que foi visitar Subba Row no dia 3 de junho, atendendo a seu pedido, para que lhe desse passes mesméricos com o intuito de tentar aliviar suas dores. Ele tinha o corpo todo coberto de furúnculos e pústulas, resultado de algum envenenamento do sangue. Olcott descreve:

 

“Conhecendo-o como o instruído ocultista que era, uma pessoa altamente apreciada por HPB (...) eu estava inexprimivelmente chocado ao vê-lo num tal estado físico. (...) Ao meio-dia do dia 24 ele disse àqueles a sua volta que seu Guru o havia chamado, que ele iria morrer, e que ele estava agora começando suas tapas (invocações místicas) e não queria ser perturbado. A partir daquele momento não falou com mais ninguém.” (ODL IV, 241)

 

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            HPB noticiou a morte de Subba Row, na edição de agosto de 1890 de Lucifer, dizendo que poucos membros da ST ou leitores da Doutrina não conheciam o nome de Subba Row, o grande sábio vedantino. E acrescenta:

 

“O carma tem misteriosos caminhos de executar seus fins, os quais para o profano devem permanecer para sempre insondáveis. Somente podemos sentir profundo pesar que um tal carma tenha atingido a alguém com cuja morte Madras foi privada de um intelecto gigantesco, e a Índia perdeu um de seus melhores eruditos.” (Ramajunachary, 45)

 

 

Lansdowne Road (agosto de 1887)

 

            A condessa Wachtmeister chegou da Suécia em agosto de 1887, reunindo-se a HPB e os Keightleys em Maycot. Como a casa era pequena e distante do centro de Londres, eles decidiram mudar-se para um local mais central. A condessa fala da mudança:

 

“Eu vim para a Inglaterra em agosto de 1887, encontrei HPB em Norwood, e logo depois nos mudamos para Lansdowne Road, 17, Holland Park, e então começou uma nova, difícil e frequentemente dolorosa vida. As provações seguiam-se umas às outras em rápida sucessão, mas o próprio resultado de todas essas provações e preocupações foi o desenvolvimento da Sociedade e a disseminação das verdades teosóficas.” (Some of Her Pupils, 20)

 

            A casa na Lansdowne Road era bem maior e HPB pode ocupar todo o andar de baixo. Tinha um pequeno dormitório que ligava-se a um escritório grande, onde ela escrevia. Os Keightleys se preocupavam com pequenos detalhes que pudessem contribuir com o bem-estar de HPB. Assim, no escritório a mobília foi arrumada à volta de HPB de modo que ela pudesse alcançar seus livros e papéis sem dificuldades. (Wachtmeister, 67)

 

            O primeiro volume da Doutrina Secreta foi publicado em 20 de outubro de 1888 e o segundo volume no final de dezembro, ou em janeiro de 1889. Archibald, a pedido de HPB, havia ido para a 1° Convenção da Seção Americana, em Chicago. Assim que ele voltou, em fevereiro de 1889, HPB lhe deu os dois volumes publicados, escrevendo no segundo volume:

 

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“Para Archibald Keightley, meu verdadeiramente amado amigo e irmão, e um dos zelosos editores desse trabalho; e possam esses volumes, quando a autora estiver morta e partido, lembrá-lo daquela cujo nome na presente encarnação é H.P. Blavatsky. Meus dias são meus Pralayas [períodos de dissolução, obscurecimento ou repouso], minhas noites – meus Manvantaras. [o oposto de Pralaya, i.e., períodos de atividade] HPB.” (CW IX, 431)

 

            A mudança para a casa na Lansdowne Road propiciou que outras pessoas integrassem à equipe de ajudantes, como G.R.S. Mead e D.E. Fawcett. Archibald escreve que quando retornou da América mais trabalhadores haviam se incorporado à casa, e havia trabalho para todos. E na casa:

 

“A vida prosseguia com crescente pressão, cada um de nós tendo uma relação especial com HPB, cada um recebendo um tratamento diferente. Tot homines, quot sententiae, e as variações da rotina diária e da vida eram todas adaptadas para testar e para a fortalecedora reparação de qualquer defeito de caráter que pudesse afetar o trabalho que estávamos fazendo.” (Keightley)

 

            Mesmo com a Doutrina Secreta publicada, HPB continuava com uma intensa atividade literária. Além de seus artigos para Lucifer e das instruções para a Seção Esotérica, ela escreveu e publicou: A Chave para a Teosofia, em julho de 1889; A Voz do Silêncio, em setembro e Gemas do Oriente, um livrinho com pensamentos diários, em junho de 1890.

 

 

“Lucifer” (setembro de 1887)

 

            Numa dessas conversas noturnas, HPB manifestou que estava tendo cada vez mais dificuldade de que seus pontos de vista fossem expressos no The Theosophist, que era editado na Índia, por Olcott. Então decidiram lançar uma nova revista. Mas houve muita discussão quanto ao seu nome:

 

“Verdade”, “Tocha” e vários outros foram oferecidos como sugestões e foram rejeitados. Então veio o “Portador da Luz” e finalmente “Lúcifer” como uma abreviação. Mas alguns se opuseram com a maior veemência a isso, por ser diabólico demais e ser muito contrário a “les convenances” [às convenções]. Pereça o mundo!” (Keightley)

 

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            HPB escreve para sua irmã:

 

            “Estamos para fundar uma revista nossa, Lucifer. Não se deixe assustar: não é o diabo, no qual os católicos falsificaram o nome da Estrela da Manhã, sagrada para todo o mundo antigo (...) e não está dito no Apocalipse de S. João, ‘Eu, Jesus, a estrela da manhã’? Eu gostaria que as pessoas pelo menos tivessem isso em mente. É possível que o anjo rebelde tenha sido chamado Lúcifer antes de sua queda, mas após sua transformação ele não deve ser chamado assim... É simplesmente assustadora a quantidade de trabalho que tenho. Mas como poderei ter tempo para tudo – revistas, lições em Ocultismo, a Doutrina Secreta, cuja primeira parte ainda não está pronta – eu mesma não sei!” (Letters of H.P. Blavatsky, Xl)

 

            No primeiro número da revista, editado em 15 de setembro de 1887, aparecem os nomes de H.P. Blavatsky e Mabel Collins como editoras. O primeiro artigo da revista explicava a escolha de seu polêmico nome:

 

“Ora, o primeiro e mais importante, senão o único objetivo da revista, (...) é mostrar em seu verdadeiro aspecto e real significado original coisas e nomes, homens e suas ações e costumes; é, finalmente, combater o preconceito, a hipocrisia e a falsidade em todas as nações, em todas as classes da sociedade e em todos os departamentos da vida. A tarefa é laboriosa, mas não impraticável, nem inútil, mesmo como uma experiência.” (CW VIII, 5)

 

 

Annie Wood Besant

 

            Annie Wood nasceu em 1 de Outubro de 1847, em Londres, sendo descendente de irlandeses. Aos 20 anos casou-se com o Reverendo Frank Besant, com quem teve dois filhos. Diante de crescentes dúvidas com relação ao Cristianismo, seu marido obrigou-a a escolher entre a submissão e fingimento ou a separação. Apesar do escândalo e da perda da guarda dos filhos, Annie escolheu a separação. Depois da separação, Annie Besant passou a buscar resposta para as questões religiosas e filosóficas que a angustiavam. Suas reflexões levaram-na

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para o ateísmo e para uma ética fundada no dever da correção pela correção e não, como acontece na postura religiosa comum, na esperança de qualquer prêmio ou no receio de qualquer castigo.

 

            Também veio o interesse pela política e questões sociais, tornando-se uma destacada militante socialista, pelos direitos das mulheres e pelo reconhecimento pleno das liberdades de expressão em geral. Na luta dessas causas começou a se manifestar seu notável talento oratório e literário.

 

            No início de 1889, trabalhando como jornalista, lhe pediram para fazer uma crítica literária da obra A Doutrina Secreta. Annie Besant levou os dois pesados volumes para ler em casa. Seu assombro foi enorme, pois o assunto lhe parecia extremamente familiar. (Caldwell, 268)

 

            Após redigir a crítica foi visitar HPB, que a recebeu com um veemente aperto de mãos, exclamando: “Minha querida Senhora Besant! Há quanto tempo eu desejava conhecê-la”. (Caldwell, 268) Esse primeiro encontro deixou uma forte impressão em Annie. Numa segunda visita, Besant novamente lhe perguntou sobre a Sociedade Teosófica, “com desejo de ingressar, mas lutando contra esse sentimento” (Caldwell, 268), pois essa atitude implicaria numa completa mudança em sua vida. Ela estaria voltando-se contra o Materialismo que até então defendera, e publicamente confessando que estivera errada.

 

            Essa profunda luta interna não se resolvia, e Besant mais uma vez foi a Lansdowne Road para ter mais informações sobre a ST. Então Madame Blavatsky olhou-a penetrantemente e lhe deu o relatório da SPR, dizendo apenas: “Vá e leia-o; e se, após sua leitura, você voltar – muito bem.” (Caldwell, 269) Annie leu o relatório e, no dia seguinte, formulou o pedido de ingresso na Sociedade Teosófica. Ao receber seu diploma de membro, dirigiu-se para Lansdowne Road, onde encontrou HPB sozinha. Ela relata o encontro:

 

“... aproximei-me dela, inclinei-me e beijei-a mas sem falar nada. “Você ingressou na Sociedade?” “Sim.” “Leu o relatório?” “Sim” – “E então?” Caí de joelhos diante dela e apertei suas mãos entre as minhas, olhando direto em seus olhos. “Minha resposta é: você me aceitaria como sua discípula e me daria a honra de proclamá-la ao mundo como minha instrutora?” O seu austero semblante se suavizou e lágrimas irreprimíveis lhe brotaram dos olhos;

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depois, com dignidade mais régia, colocou a sua mão sobre a minha cabeça, dizendo: “Você é uma nobre mulher! Que o Mestre a abençoe!”.” (Caldwell, 269)

 

 

George R.S. Mead (agosto de 1889)

 

            George Robert Stowe Mead nasceu em 22 de março de 1863, em Nuneaton, Inglaterra. Iniciou seus estudos em Matemática, mas logo depois mudou para línguas e literatura clássicas, obtendo um conhecimento de Grego e Latim que lhe seria de grande valor nos anos seguintes. Logo após sua graduação em Cambridge, em 1884, entrou para a Sociedade Teosófica. Por essa época leu o livro de Sinnett, Budismo Esotérico e associou-se a Bertram Keightley e Mohini Chatterji. (CW XIII, 393)

 

            Mead se encontrou com HPB pela primeira vez em 1887. Foi trabalhar como seu secretário em agosto de 1889, cargo que ocupou até o final da vida de HPB. Na ocasião ainda havia uma grande suspeita pública pairando no ar, pois “o público em geral daquela época, acreditando na impossibilidade de todos os fenômenos psíquicos, naturalmente condenou HPB sem qualquer questionamento.” (Mead, 7) Entretanto, sua convivência com HPB logo lhe mostrou uma imagem que contradizia completamente aquela que o relatório da SPR apresentava. Mead relata que foi trabalhar com ela:

 

“... com um conhecimento acurado do Relatório e de todas as suas elaboradas hipóteses em minha mente; e não poderia ter sido de outro modo. Mas poucos meses de relações pessoais com HPB me convenceram de que as próprias falhas de sua personalidade eram tais que ela não poderia, de modo algum, ter levado adiante uma fraude cuidadosamente planejada, mesmo que ela o quisesse fazer, e muito menos um esquema elaborado de trapaça, dependendo da manipulação de dispositivos mecânicos e da ajuda de cúmplices astutos.

            “Ela frequentemente era muitíssimo imprudente em suas declarações, e se estivesse brava falaria sem pensar qualquer coisa que pudesse vir em sua cabeça, não importando quem estivesse presente. Ela não parecia se importar com o que qualquer pessoa pudesse pensar, e algumas vezes iria se incriminar de todo tipo de

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coisas – defeitos e fracassos – mas nunca, sob quaisquer circunstâncias, mesmo em seus mais exaltados estados de espírito, ela pronunciou uma sílaba que de qualquer modo pudesse confirmar as especulações e acusações do Dr. Hodgson. Eu estou convencido de que se ela fosse realmente culpada das coisas que lhe acusavam a esse respeito, ela não poderia ter deixado escapar, em uma ou outra de suas frequentes explosões ou confidências, alguma palavra ou indicação de uma natureza incriminatória.” (Mead, 7)

 

            Outro aspecto que para Mead demonstrou a inocência de HPB foi como ela o recebeu, pois quando foi trabalhar como seu secretário particular, ela mal o conhecia. Se fosse uma impostora, seria arriscado empregar alguém assim, pois muitas vezes ela era espionada pelos inimigos. Entretanto, ela não apenas o admitiu à sua íntima convivência, mas o recebeu com total confiança:

 

“Ela me deixou responsável por todas as suas chaves, seus manuscritos, sua escrivaninha e suas várias gavetas nas quais ela mantinha seus papéis mais particulares; não apenas isso, mas ainda mais, sob a alegação de que precisava ser deixada em paz para seus escritos, ela absolutamente se recusou a ser incomodada com suas cartas, e me fez assumir sua volumosa correspondência, e isso sem nem mesmo primeiro abri-la pessoalmente. Não apenas metaforicamente, mas algumas vezes verdadeiramente arremessava as missivas ofensivas em minha cabeça!” (Mead, 8)

 

            Mead não somente tinha que ler toda a correspondência, mas também responder às cartas, da melhor maneira que pudesse. HPB era muito lacônica em suas orientações quanto a como responder às cartas, e gradualmente foi ficando ainda mais silenciosa, de modo que:

 

“... frequentemente eu tinha que correr o risco de desagradá-la, insistindo por uma resposta ou tentando persuadi-la para que ela mesma respondesse alguma carta que fosse de grande importância. Era comparativamente fácil manter a salvo a correspondência que chegava pela manhã, mas as cartas chegando nas entregas posteriores eram uma dificuldade; pois HPB severamente negava todo acesso a seu quarto e, para compensar isso, costumava guardar cuidadosamente as cartas importantes em esconderijos, de modo a me entregá-las mais tarde, enquanto as demais eram deixadas à sua própria sorte. O plano não era bom, pois ela quase

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sempre esquecia de seus esconderijos e frequentemente eu não podia resgatar o resto das cartas perdidas e extraviadas entre seus manuscritos, pois ela não deixaria ninguém tocar no trabalho que estava ocupada no momento, e assim elas tinham que ficar, para serem respondidas quando finalmente fossem desenterradas numa data distante. Mas, gradualmente também nós encontramos nossos melhores métodos, e por último não tínhamos que jogar tantos jogos de esconde-esconde.” (Some of Her Pupils, 33)

 

            Quando Mead começou a trabalhar com HPB, ela estava em Jérsei, e ele foi encontrá-la. Logo após sua chegada, HPB entrou inesperadamente em seu quarto, com um manuscrito, pedindo-lhe que lesse e desse sua opinião. Era a terceira parte de Voz do Silêncio. Enquanto ele lia, ela:

 

“... sentou-se e fumou seus cigarros, batendo com o pé no chão, como frequentemente era seu hábito. Eu continuei lendo, esquecendo sua presença diante da beleza e sublimidade do tema, até que ela quebrou meu silêncio com “Então?” Eu lhe disse que era a coisa mais grandiosa de toda a nossa literatura teosófica e tentei, contrariamente ao meu costume, transmitir em palavras algo do entusiasmo que sentia. Mas mesmo assim HPB não estava satisfeita com seu trabalho e expressou sua grande apreensão de que tivesse falhado em fazer justiça ao original em sua tradução, e mal pode ser persuadida de que havia feito um bom trabalho. Essa era uma de suas principais características. Ela nunca estava confiante em seu próprio trabalho literário e ouvia alegremente todas as críticas, mesmo de pessoas que deveriam ter ficado quietas. Estranhamente, sempre estava muito receosa de seus melhores artigos e trabalhos e muito confiante em seus escritos polêmicos.” (Some of Her Pupils, 32)

 

            Quando eles voltaram para Lansdowne Road, “uma daquelas mudanças, tão familiares para aqueles que trabalharam com HPB, ocorreu” (Same of Her Pupils, 32) e os dois Keightleys foram viajar para o exterior. Assim, a maior parte do trabalho dos dois recaiu sobre Mead, que gradualmente passou a compartilhar mais da companhia de HPB. Mead começou então uma carreira de escritor, que manteve até o final de sua vida. Ele foi um dos grandes eruditos que a ST teve na época, e um dos únicos que dedicou-se ao estudo das origens do Cristianismo.

 

(p. 300)

            Sete de seus livros tratam especificamente do Gnosticismo ou textos Gnósticos, começando com Simon Magus (“Simão Mago”) em 1892. (Goodrick-Clarke, 138) Em 1890 Mead traduziu para o Inglês o texto Pistis-Sophia, a partir da versão em Latim de M.G. Schwartze, que fora feita diretamente do manuscrito copta original, no Museu Britânico. Após a morte de HPB, Mead e Besant ficaram como editores de Lucifer. Em 1898, Mead mudou o nome da revista para The Theosophical Review, passando a ser seu único editor. Em 1899 ele casou-se com Laura Cooper, irmã de Isabel Cooper-Oakley.

 

            Besant e Mead publicaram em junho de 1897 o chamado volume III da Doutrina Secreta, que na edição brasileira, de 6 volumes, corresponde aos dois últimos. Nesse 3° volume eles incluíram escritos não publicados e ensinamentos esotéricos que HPB havia escrito para os membros da Seção Esotérica. Há muitos estudiosos que consideram que esse material publicado não fazia parte da Doutrina Secreta, e que o “verdadeiro” terceiro volume que HPB prometera escrever teria se perdido, nunca tendo sido publicado. (Caldwell 1999)

 

            Aparentemente, parte do material publicado era o que na reorganização feita pelos Keightleys, ficou de fora dos dois primeiros volumes. Um exemplo disso é o material que diz respeito à vida de grandes Adeptos, como Simão Mago, São Paulo, Pedro, Apolônio de Tiana, São Cipriano de Antioquia, Gautama Buddha e Tsong-kha-pa. Bertram Keightley, que conhecia bem o material da Doutrina, desde seu primeiro manuscrito afirmou, quanto ao que HPB pretendia para o terceiro volume, que: “todo esse material foi publicado no terceiro volume, o qual contém absolutamente tudo que HPB deixou em manuscritos.” (Caldwell 1999)

 

            Mead foi também o responsável pelos preparativos e pelo discurso na cerimônia da cremação de HPB, em 11 de maio de 1891, onde disse: “H.P. Blavatsky está morta, mas HPB, nossa instrutora e amiga está viva, e viverá para sempre em nossos corações e memórias.” (Some of Her Pupils, 8)

 

            Num artigo de 1904, ele demonstra o quanto ela ainda estava viva dentro dele, ao escrever:

 

“H.P.B. era uma guerreira, não uma sacerdotisa, era uma profetisa mais do que uma vidente; ela era, além disso, muitas coisas que você não esperaria como um instrumento para trazer de volta

(p. 301)

o conhecimento de muito do que havia de mais sagrado e sábio na antiguidade. Ela era verdadeiramente como o símbolo vivo da aparente insensatez desse mundo, pela qual a sabedoria é prenunciada. Nessa vida, estou convencido, nunca sentirei novamente tanta consideração por alguém quanto por ela; somente ela me deu um sentimento de estar em contato com alguém colossal, titânico, às vezes quase cósmico. Algumas vezes tenho me perguntado se esse estranho ser de fato pertencia à nossa humanidade – e contudo ela era tão humana, tão cativante. Teria ela fugido de algum outro planeta, por assim dizer? Será que ela normalmente pertencia à evolução deles? Quien sabe?

            “Para todas essas questões, nenhum de nós que a conheceu e a amou pode dar qualquer resposta segura; ela permanece nossa esfinge, nosso mistério, nossa ternamente amada Velha Senhora.” (Mead, 19)

 

 

 

HPB.

 

 

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