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Tradução: Daniel M. Alves –
Revisão e edição:
Arnaldo Sisson Filho
[Embora o texto em inglês seja de domínio público, a tradução não é. Esse arquivo pode ser usado para qualquer propósito não comercial, desde que essa notificação de propriedade seja deixada intacta.]

 

 

(p. 08)

CAPÍTULO II

 

Uma Casa Construída Sobre Areia

 

            1. (*) O SACERDOTALISMO tem suas raízes em duas tendências caracteristicamente materialistas: a primeira, considerar o Cristianismo como sendo totalmente aparte de qualquer outro sistema religioso existente, ao invés de reconhecer que seus símbolos e dogmas são comuns a todos; e a segunda, a construção de sua estrutura sobre as areias pouco consistentes da autoridade e da tradição histórica, sobre o plano objetivo e físico das aparências, ao invés de sobre a rocha firme da compreensão, sobre o plano espiritual e subjetivo de realidades.

 

            O Sacerdotalismo foi bem cedo transferido de uma base noumênica para uma base fenomênica, e nunca se recuperou desse destronamento ou perda. O foco de sua crença religiosa foi com uma presteza fatal centrado em pessoas, eventos e coisas pertencentes ao corpo, ao invés de se centrar em princípios, processos e estados pertencentes à alma.

 

            Isso é uma perversão comum a todos os sistemas religiosos em maior ou menos medida. Assim como o ensinamento do Buda foi uma reação necessária ao degradado cerimonialismo dos sacerdotes bramânicos e ao ascetismo repulsivo de Seu tempo, e assim como o evangelho de Jesus foi uma tentativa de derrubar e purificar o Judaísmo corrupto e diminuído e a insensível lei mosaica de Sua época, assim também, uma vez mais, o Cristianismo pervertido de nossos dias deve ser libertado de seu poder sacerdotal, e daqueles elementos estranhos de idolatria que esse poder acrescentou, se ele quiser nutrir a alma em desenvolvimento do homem.

 

            Ultimamente tem havido reações e conflitos desse tipo dentro e fora dessa temerosa estrutura. A ciência teve que se desfazer do jugo absurdo da autoridade das Escrituras que os literalistas idólatras da Bíblia tentaram em vão impor, em razão dos fatos científicos e os dogmas sacertotais estarem em desacordo.

 

            O socialista samaritano, vendo o homem de igreja farisaico deixar de lado ou ignorar as reais necessidades da humanidade, com freqüência se voltou para reprová-lo. Vez por outra tem havido uma “caça

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às heresias” dentro dos recintos bolorentos daquela Igreja a qual Jesus com toda a certeza jamais teria vindo fundar. E o “criticismo mais elevado”, em suas incursões intelectuais, algumas vezes chegou perto de pautar-se sobre verdades que fossem cruciais para a alma.

 

            No entanto, nada menos do que uma reorganização da verdadeira base de sua fé, e uma reconstrução em termos reais de sua concepção de religião, poderá salvar o Cristianismo de hoje do destino que aguarda por todas as religiões que deixaram de ser um meio real de reunir o homem a Deus; e que o homem se tornou mais separado do que unido a Deus as atuais condições da Europa [1915, durante a Primeira Grande Guerra] o atestam plenamente.

 

Um Novo Nascimento para o Cristianismo

 

            2. Quais, então, são as coisas essenciais a uma revitalização dos “ossos secos” [Ezequiel 37:4] da religião cristã?

 

            Nada menos do que uma reversão daquele processo de materialização e superstição que tanto ossificou o Cristianismo e sua relação com a alma, ao invés da ênfase nos sentidos: a substituição da letra e forma pelo espírito e substância, reescrevendo seu Credo – ou história espiritual dos Filhos de Deus – no tempo presente, formulando sua suprema verdade como uma verdade eterna e divina. Essa última sempre em processo de desvelamento e realização dentro da alma individual. E afirmando como as únicas senhas para todas as doutrinas sagradas e mistérios interiores, as palavras Agora e Dentro.

 

            Não há esperança para o Cristianismo como uma religião que possa desvendar o segredo do sofrimento, libertar a humanidade das tristezas nascidas da ignorância e alcançar a regeneração da alma microcósmica e macrocósmica, a não ser em um Novo Evangelho da Interpretação que complementará o velho evangelho da manifestação.

 

            A Igreja universal, tal como o indivíduo em busca da redenção, deve “nascer novamente”; e essa interna e espiritual realização ou reconstituição só pode ser alcançada por meio do nascimento daquele espírito iluminado de compreensão dentro da purificada alma da humanidade,

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que em seu advento tornará todas as coisas novas [Apocalipse 21:5].

 

“Vejam, Eu Estou com Vocês Sempre”

 

            3. Como já foi dito antes, a essência vital da doutrina mística, aquela doutrina que é exemplificada e plenamente realizada em Cristo e por meio dele, está e sempre esteve no mundo para aqueles que, pondo de lado coisas menos importantes, irão resolutamente buscar até que a encontrem. Ela está no coração dos livros sagrados das diferentes épocas; dentro do repositório de tesouros dos Vedas, do Bhagavad-Gita, dos Upanishades, do Dhammapada, do Zend-Avesta, do Tao-Te-King, da Kabbala, do Velho e do Novo Testamentos, do Alcorão, em todos esses a jóia da Grande Lei se encontra escondida.

 

            Como a doutrina do Homem Regenerado ela teve sua enunciação e demonstração pessoal em tais Seres Libertos e Libertadores como Osíris, Mitras, Zoroastro, Krishna, Pitágoras, Hermes, Lao Tze, Buddha, Jesus e todos Aqueles que – quer tenham sido aclamados, quer tenham sido ignorados pelo mundo – sempre no final alcançaram, pelo caminho da pureza e do amor, a uma perfeição de alma e, desse modo, a um conhecimento de todas as almas e, assim, de Deus, que é a Vida e a Substância das almas.

 

            Trata-se da doutrina que inspira a mensagem intuicional do Profeta, em oposição à fórmula materialista do Padre; uma vez que essas duas ordens estão em guerra sem trégua uma com a outra – a primeira é a do Homem de Deus, a segunda é a do servidor dos sentidos, respectivamente.

 

            Mas como a noite do Sacerdotalismo caiu sobre o Cristianismo, com cada vez mais profundas sombras, sob a forma de elementos desnecessários e irrelevantes – história, tradição, autoridade, revelação (no sentido ortodoxo), mando sacerdotal, difusão pelos padres, função mediadora, expiação vicária [por meio de outro], a colocação de Deus fora ao invés de dentro do homem e do universo – esses elementos gradualmente obscureceram as verdadeiras características da religião cristã original. E, dessa maneira, a necessidade de uma reafirmação ampla e franca de seus princípios tornou-se imperativa.

 

            Essa necessidade foi percebida e atendida no Ocidente por uma

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recuperação e reformulação da Sabedoria Antiga e Oculta, uma recuperação dentro das próprias fontes, e uma reformulação com os próprios símbolos da pura fé cristã. (1)

 

            Nas páginas que seguem o autor – a cujas deficiências se devem todas as falhas de expressão e de organização – tentou oferecer um esboço de alguns dos princípios mais importantes desse “Evangelho da Interpretação”, enunciado plenamente nas obras que estão referidas abaixo, (1) o qual contém a Gnose do Cristo. A doutrina esotérica que ali está contida não merece nada menos que a mais profunda consideração, em sua maravilhosa e pura fonte, por todos aqueles que possam ter alcançado a faculdade de discernimento espiritual.

 

NOTA

 

(8:*) N.T.: Essa numeração indica os parágrafos no original, em inglês.

(11:1) A reformulação é encontrada em The Perfect Way; or, the Finding of Christ (O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo), de Anna Kingsford e Edward Maitland, publicado em 1882. A recuperação é apresentada em Clothed with the Sun; Being the Book of the Illuminations of Anna Kingsford (Vestida com o Sol: o Livro da Iluminações de Anna Kingsford), editado por Edward Maitland e publicado em 1896.

            O advento da doutrina consolidada nesses livros é um dos mais importantes eventos na história espiritual do mundo ocidental, não apenas por seu significado supremamente profético, mas também porque nunca antes a Gnose divina, o “Evangelho do Cristo”, foi apresentado para todos em tal plenitude, clareza e beleza.

            Isso não pretende diminuir o trabalho de outros místicos, do passado ou do presente, mas apenas para reconhecer o ápice e o cerne da doutrina mística cristã nesses escritos – a única fusão de ciência, filosofia, moralidade, poesia e religião em uma Unidade, a qual esses Videntes realizaram. Contudo, nenhum reconhecimento é visado quanto às pessoas, mas somente aos princípios (Ver páginas 44 a 47).

 

 

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