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VII – A FILOSOFIA PERENE E A
FRATERNIDADE UNIVERSAL:
A Diversidade de Capacidades
Manifestadas
59 – “É necessário compreender que esta fraternidade de todas as almas é muito
semelhante às relações que existem numa família, onde os irmãos não têm todos a
mesma idade, porém são todos filhos dos mesmos pais.”
(C. Jinarajadasa, Teosofia Prática, p. 142)
60 – “O grande princípio da Reencarnação corre parelho com o princípio da
Fraternidade, porém isto ocorre se o aplicamos e o convertemos em uma coisa
positiva na vida quotidiana. Porque dessas diferenças de idade surgem todas as
possibilidades de uma Sociedade ordenada e feliz.” (A. Besant, “A Fraternidade
Aplicada às Condições Sociais”, O Teosofista, p. 260, mar-abr/1939)
Passemos agora ao exame da Diversidade, a qual existe de forma simultânea à
Unidade, e também é um aspecto fundamental da fraternidade universal da
humanidade. Embora também seja um de seus aspectos fundamentais, a sua
importância dentro desta lei não é, nem de longe, tão reconhecida quanto
a
importância do aspecto da Unidade essencial. Nisso, segundo procuraremos
demonstrar, reside a origem da maioria das
interpretações equivocadas dentro da ST acerca da lei da fraternidade universal,
bem como da incapacidade da maioria dos membros perceber claramente a sua imensa
importância para as soluções dos problemas humanos. E por essa razão é que nos
alongaremos bem mais na análise deste aspecto.
A Constituição Interna do Homem
Não é possível alcançarmos uma compreensão precisa sobre a importância
fundamental desse aspecto (da Diversidade manifestada), para o princípio ou lei
da fraternidade de toda a humanidade, sem levarmos em conta os conhecimentos
acerca da constituição interna do homem, bem como do processo da evolução da
Alma humana por meio de sucessivas reencarnações. E, nesse sentido, o primeiro
fato importante para uma adequada visão do ser humano como um todo, que nos é
revelado pela Filosofia Perene, é aquele da existência da matéria em muitos
níveis de densidade mais sutis do que aqueles que são cientificamente bem
conhecidos.
O fato importante para o nosso estudo é que o homem possui veículos para
manifestação em todos estes planos, ainda que, segundo seu nível de evolução,
alguns possam estar muito pouco desenvolvidos. Deste modo, o ser humano é
essencialmente um Raio ou Centelha do Sol da Consciência Divina Una, radicado no
plano mais elevado ou divino. A partir daí, esta Consciência Divina do homem vai
revestindo-se de veículos apropriados à sua expressão em todos os planos e
subplanos de densidade da matéria, até o físico.
Segundo a Filosofia do Ocultismo, ao observarmos desde o seu veículo mais denso
para o mais sutil, a constituição total do homem seria a seguinte: (1) um
veículo físico denso, de carne e osso, correspondente aos níveis sólido, líquido
e gasoso do plano físico; (2) um primeiro veículo invisível ou aura, chamado
duplo etérico, correspondente aos quatro subníveis etéricos do plano físico; (3)
um veículo (corpo ou aura) astral ou emocional, composto de matéria dos sete
subníveis do plano astral; (4) um veículo mental concreto, composto de matéria
dos quatro subníveis mentais mais densos; (5) um veículo mental abstrato,
composto de matéria dos três subníveis de matéria mental mais sutil; (6) um
veículo intuicional ou búdico, com matéria de todos os subníveis desse plano;
(7) um veículo da volição espiritual ou átmico, composto de matéria dos quatro
subníveis inferiores do plano átmico; (8) uma Mônada ou Chispa Divina, reflexo da
Trindade Divina no homem, a qual se expressa a partir dos três subníveis
átmicos
mais elevados, até as alturas do plano divino.
De acordo com a famosa classificação de São Paulo o ser humano compõe-se de um
corpo, uma alma e um espírito. Analogamente, segundo a Filosofia Esotérica, o
homem é integrado por uma personalidade transitória (do grego persona =
máscara), um Eu imortal e um Espírito Divino. Essa personalidade é composta pelo
quaternário inferior (o conjunto integrado pelos veículos físico denso, duplo
etérico, astral e mental inferior), o qual é perecível, ou renovável, a cada
nova encarnação. O Eu Superior é composto pela Tríade Superior (o conjunto
integrado pelos veículos mental superior ou causal, búdico e átmico). Este Eu é
imortal e é um reflexo ou manifestação da Mônada ou Espírito Divino do homem, o
qual é sempre uno com a Divindade.
A constituição total do homem acima descrita pode ser visualizada mais facilmente com o auxílio da Figura 1. No contexto desta obra não podemos aprofundar ainda mais este fascinante conhecimento a respeito da constituição interna do homem, o qual encontra-se nas obras dedicadas a este fim, a exemplo de O Homem e seus Corpos de Annie Besant, ou O Homem Visível e Invisível, de C.W. Leadbeater.
A Evolução do Eu Superior do Homem
O ponto seguinte a ser considerado é como esses veículos se comportam no
processo das sucessivas reencarnações, pois isso nos permitirá compreender
melhor o aspecto principal da Diversidade na fraternidade humana, que é o fato
da humanidade estar composta de seres de diferentes idades, ou diferentes níveis
de evolução psico-espiritual. Isso porque esse processo das reencarnações explica o
acúmulo diferenciado de experiências, o qual está na base dos diferentes níveis
de maturidade ou desenvolvimento psico-espiritual dos seres humanos.
As energias divinas, numa primeira etapa, criam e envolvem-se em níveis de
matéria cada vez mais densos, até alcançarem o plano físico. A partir daí,
conforme já foi
mencionado, essas energias sofrem uma inflexão, por assim dizer, e animam os reinos mineral, vegetal, animal, humano e
super-humano, até retornarem, agora plenamente conscientes, ao seio da Divindade
Una. Aqui uma das analogias com a Parábola do Filho Pródigo é quase óbvia. Os seres humanos, portanto, têm
imediatamente atrás de si o reino animal, de onde surgem como seres que
adquiriram uma individualidade própria, ao se libertarem das limitações da
consciência grupal, que é típica dos instintos animais.
Nesse ponto da evolução, no início da etapa humana, o Eu Superior do homem recém
tornou-se uma entidade espiritual individual, adquirindo assim uma liberdade de
pensamento e uma consciência de si mesmo muito maior, em comparação com aquela
que possuía no reino animal. Esse Eu Superior, contudo, apresenta-se muito pouco
desenvolvido quanto às suas imensas capacidades latentes. Ele vai gradualmente
desenvolvendo estas potencialidades à medida que o ser humano vai passando por
sucessivas reencarnações.
No início de cada encarnação o Eu Superior (relativamente
imortal, ou, mais precisamente, eônico) cria um novo quaternário inferior
para poder colher mais experiências nos planos físico, astral e mental inferior.
A vida física é, normalmente, a mais curta, embora a mais
significativa, pois é a única na qual o ser humano encontra-se com todos os veículos e, assim, possui
maior independência e potência para gerar novas causas e buscar novas
experiências.
Depois de seus anos de existência no corpo físico o homem chega à passagem
chamada morte, quando abandona o veículo físico denso e o
duplo etérico, normalmente já desgastados e pouco úteis para amealhar mais
experiências, e parte para uma vida no plano astral, por meio de seu
veículo astral. Esta vida dura, normalmente, duas ou três vezes mais do que a vida
física e então este veículo astral é abandonado em uma segunda
passagem (ou "morte"), a qual nada mais é
do que uma outra passagem para uma vida, normalmente, ainda mais longa, no plano mental
inferior. Ao final deste ciclo o Eu Superior recolhe os resultados, ou as
lições, das experiências vividas por meio de seu quaternário inferior nos três
planos mais densos.
Esse, em grossas linhas, é o processo pelo qual o Eu Superior vai desenvolvendo
suas infinitas potencialidades, até alcançar um estágio de amadurecimento e
perfeição no qual este ciclo de reencarnações não é mais uma necessidade
compulsória. Ao final deste longo (ou eônico) percurso de centenas de reencarnações o ser
humano alcança, portanto, uma Libertação e a consciência ingressa
na etapa super-humana de desenvolvimento, onde uma das características é o fato
de ter conquistado uma consciente imortalidade, e outra é a unificação com a
Vontade Divina. Um dos nomes dados para esta Libertação é “Adeptado”
ou, no Cristianismo, Ressurreição. Os Adeptos
ou Mahatmas que inspiraram a fundação da ST seriam
exemplos de seres que já alcançaram este nível evolutivo.
Todos os seres humanos encontram-se nesse processo de desenvolvimento de suas
potencialidades divinas, pois, como já foi dito, todos
são essencialmente divinos. No entanto, os bilhões de seres humanos encarnados,
bem como aqueles seres humanos (em número ainda bem maior) sem corpo físico na
vida astral ou mental do ciclo reencarnatório, não iniciaram sua jornada humana
ao mesmo tempo.
Uns tantos iniciaram a jornada muito antes de outros. E assim, enquanto alguns
já chegaram à meta e outros estão próximos do término desta jornada, o grosso da
humanidade distribui-se ao longo deste caminho, alguns estando mesmo próximos do
seu início. Este fato é da maior relevância pois
explica a enorme diversidade de estágios de desenvolvimento psico-espiritual (que se
reflete como diferenças de caráter e de capacidades) entre os homens.
Em vista disso, não é difícil percebermos que esse aspecto da enorme Diversidade
de níveis de desenvolvimento psico-espiritual é quase tão importante para que se
possa
compreender as reais características da fraternidade universal da humanidade,
quanto o aspecto da Unidade subjacente a todos os seres.
O Corpo
Causal: O Único Registro Verdadeiro da Evolução
Vejamos, agora, algumas passagens de Geoffrey Hodson, que foi um grande
clarividente da ST, onde ele trata do veículo mental superior (Corpo Causal),
bem como do seu desenvolvimento. Estas passagens ilustrarão de uma forma mais
vívida o que foi explanado nos parágrafos
anteriores:
61 – “Em sânscrito o corpo causal é conhecido como o
Kãrana
Sharira, Kãrana significando “causa”.
Resumidamente, o corpo causal tem duas funções principais:
(1) Funcionar como um veículo para o Eu Superior: o Corpo Causal é o “corpo de
Manas”, o aspecto forma da Individualidade, o verdadeiro homem, o Pensador.
(2) Agir como um receptáculo ou armazém para a essência das experiências do
homem em suas várias encarnações. O corpo causal é aquele no qual são
incorporadas todas as coisas que podem durar, e no qual estão guardadas as
essências das qualidades que serão levadas para a próxima encarnação. Assim
sendo, podemos ver que as manifestações inferiores do homem, isto é, sua
expressão nos seus corpos mental, astral e físico, depende fundamentalmente do
crescimento e desenvolvimento do próprio homem real, aquele “para quem a hora
nunca soa”.
“No começo, o corpo causal, ou o aspecto forma do verdadeiro homem, é descrito
como um película delicada de matéria muito sutil, quase
invisível, denotando o início da vida separada do indivíduo. Esta película
delicada, quase incolor, é o corpo que perdurará ao longo de toda a evolução
humana. E nesse, como em um cordão – o cordão do ser, ou “Sutrãtmã”, como às
vezes é chamado – serão amarradas todas as futuras encarnações.
“O corpo causal, como foi dito, é o receptáculo de tudo
aquilo que é duradouro – isto é, somente aquilo que é nobre e harmonioso e de
acordo com a lei do espírito; pois cada pensamento grande e nobre, cada emoção
pura e elevada é retida, e sua essência transformada em substância do corpo
causal. Portanto, a condição do corpo causal é um verdadeiro registro –
o único
registro verdadeiro – do crescimento do homem, ou do estágio de evolução que ele
atingiu. (...)
“No Pensador, residindo no corpo causal, estão todos os poderes que
classificamos como Mente, isto é, memória, intuição e vontade. O Pensador
reúne todas as experiências das vidas terrenas, pelas quais ele passa para serem
transmutadas dentro dele mesmo, por meio de sua própria divina alquimia, naquela
essência da experiência e conhecimento que é a Sabedoria. Mesmo em uma breve
vida terrena distinguimos entre o conhecimento que adquirimos e a sabedoria que
gradualmente – com freqüência muito raramente – destilamos deste conhecimento. A
sabedoria é o fruto da experiência de vida, a posse mais valiosa dos idosos. Em
um sentido muito mais pleno e rico, a Sabedoria é o fruto de muitas encarnações,
o produto de muita experiência e conhecimento. No Pensador, assim, está o
depósito das experiências, colhidas em todas as suas vidas passadas, através de
muitos renascimentos.
“Nas pessoas comuns o corpo causal não está ainda plenamente ativo
e, consequentemente, apenas a matéria que pertence ao terceiro subplano está
vivificada. À medida que o Eu Superior, durante o longo curso de sua
evolução, desenvolve suas capacidades latentes, a matéria dos subplanos
superiores é gradualmente posta em atividade; mas é apenas no homem que alcançou
a perfeição, a quem chamamos Adeptos, ou Mestres, que ela está desenvolvida em
toda sua extensão.
“É difícil descrever plenamente um corpo causal, porque os sentidos pertencentes
ao mundo causal são completamente diferentes e mais elevados do que aqueles que
empregamos no nível físico. A memória da aparência de um corpo causal, tal como
é possível a um clarividente trazer para seu cérebro físico, representa-o como
um ovóide, esta sendo, de fato, a forma de todos os corpos sutis. O ovóide do
corpo causal se estende a uma distância de cerca de 46
cm além da superfície do corpo físico.
“Um ser humano que recém se individualizou do reino animal tem um
corpo causal de tamanho mínimo. No caso do homem primitivo, o corpo
causal se parece com uma bolha e dá a impressão de estar vazio. É apenas uma
película incolor, aparentemente apenas suficiente para se manter e produzir uma
entidade reencarnante, mas nada mais do que isso. Embora ele esteja preenchido
com matéria do plano mental superior, esta ainda não foi posta em atividade e,
assim, permanece incolor e transparente. À medida que o homem se desenvolve,
esta matéria é gradualmente ativada e despertada por vibrações que a alcançam
desde os corpos inferiores. Isto ocorre apenas vagarosamente, porque as
atividades do homem nos primeiros estágios de sua evolução não são de um caráter
que possa obter expressão numa matéria tão refinada quanto a do corpo causal.
Mas quando o homem alcança o estágio onde ele é capaz, seja de pensamento
abstrato, ou de emoção inegoísta, a matéria do corpo causal é despertada em
resposta.
“As vibrações desse modo despertadas
mostram-se no corpo causal como cores, de modo que, ao invés de ser uma mera
bolha transparente, ele gradualmente se torna uma esfera preenchida com matéria
dos mais delicados e encantadores matizes, um objeto belo além de toda
concepção.
“No caso do homem espiritualmente desenvolvido, uma enorme mudança é notada. A
gloriosa película iridescente está agora completamente preenchida com as cores
mais adoráveis, exemplificando as formas mais elevadas de amor, devoção e
simpatia, acrescidas de um intelecto refinado e espiritualizado, e de aspirações
sempre elevando-se em direção ao divino. Algumas destas cores não
existem de modo algum no espectro do plano físico.
“A matéria inconcebivelmente refinada e delicada de um tal
corpo causal encontra-se intensamente desperta e pulsando com um fogo vivo,
formando um radiante globo de cores cintilantes, suas elevadas vibrações
emitindo ondulações de matizes
variados sobre sua superfície – matizes dos quais a vida terrena nada conhece –
brilhantes, suaves e luminosos além do poder de descrição da linguagem. Um tal
corpo causal está preenchido com um fogo vivo, oriundo de um plano ainda mais
elevado, com o qual ele parece estar conectado por um tremulante cordão de
intensa luz.
“Além disso, desde a parte superior do corpo causal ascende uma
coroa de centelhas brilhantes, indicando a atividade da aspiração espiritual,
naturalmente acrescentando muitíssimo à beleza e dignidade da aparência humana.
(...)
“Esse fluxo direcionado para o alto, da aspiração espiritual, que forma uma tão
gloriosa coroa no homem desenvolvido, é ele mesmo o canal através do qual desce
o poder divino: de modo que quanto mais plena e forte se torna sua aspiração,
maior é a medida da graça que desce do alto.” (Basic Theosophy, p. 21-25)
A Diversidade
Aplicada à Organização Social
O conjunto de informações acima apresentadas nos permite perceber como a
Diversidade de níveis de desenvolvimento é um dos aspectos fundamentais da
fraternidade humana, do mesmo modo que a sua Unidade essencial. À luz desses
conhecimentos podemos, então, partir para uma visualização geral da fraternidade
universal da humanidade, da maneira em que ela se apresenta na vida terrena.
Isto faremos
trazendo uma citação de C. Jinarajadasa, conhecido autor e ex-Presidente
Internacional da ST. Nestas passagens ele nos expõe em linguagem simples os
aspectos fundamentais da fraternidade humana, com a devida ênfase para o aspecto
da Diversidade, bem como com algumas das suas principais implicações práticas, a
exemplo das questões do governo e da forma de tratar os criminosos:
62 – “Sendo os homens as unidades constituintes da organização
social, o valor que um dado ensinamento ético possa ter para um indivíduo, está
indissoluvelmente ligado à sua aplicação na comunidade de que o indivíduo faz
parte.
“E do mesmo modo que a assimilação de algumas simples
verdades modifica o conceito que um indivíduo tenha de si mesmo, assim também a
compreensão do que constitui o verdadeiro Estado, considerado do ponto de vista
da Filosofia Esotérica, modifica profundamente a atitude do indivíduo para com
os seus semelhantes. (...)
“Os indivíduos que compõem a agrupação que denominamos Estado, são almas, egos imortais revestidos de
corpos terrestres; esses seres fazem parte do Estado com o propósito de evoluir
até alcançar um ideal de perfeição.
“Como almas, participando todas de uma única e divina natureza, são todas irmãs dentro do Estado; ricos e pobres, instruídos e
ignorantes, bons cidadãos ou criminosos. E sejam quais forem os atos que as
almas executem, não se poder desconhecer a verdade deste fato.
“Os indivíduos instruídos ou orgulhosos talvez se recusem a admitir a identidade
de sua própria natureza com a do ignorante ou do degradado; os seres de caráter
fraco ou de tendências criminosas, podem manifestar mais os atributos do animal que os
divinos; mas o certo é que tanto no indivíduo evoluído quanto naquele que está
atrasado, não há senão uma só natureza – a da Vida divina – e nada que o homem
faça pode enfraquecer os laços de fraternidade por meio dos quais ele está
ligado aos demais.
“É necessário compreender que esta fraternidade de todas as almas é muito
semelhante às relações que existem numa família, onde os irmãos não têm todos a
mesma idade, porém são todos filhos dos mesmos pais.
“Da mesma forma, entre as almas que em seu conjunto compõem o
Estado, existem as velhas e as jovens, e é precisamente essa diferença de idade
espiritual e de capacidades o que torna possível o funcionamento do verdadeiro
Estado.
“A idade da alma pode ser aferida de acordo com o interesse
que tenha pelos ideais de altruísmo e cooperação; a alma de maior idade é a que
toma a dianteira a fim de contribuir para o bem-estar dos demais, enquanto que a
alma mais jovem se preocupa preferencialmente com os seus próprios interesses e
se guia mais pelas suas necessidades pessoais do que pelo desejo de se
sacrificar pelos outros.
“As diferenças de situação social e de fortuna que existem nos
Estados modernos, não podem ser consideradas como classificações que separem as
almas maiores das mais jovens.
Um homem nascido numa classe ou casta elevada pode não ser uma alma muito
adiantada e elevada.
“Havendo em cada Estado almas velhas e jovens, a Lei da Fraternidade
manda que as maiores se sacrifiquem muito mais pelas jovens, do que essas por
aquelas. Como almas mais velhas, receberam da Vida maiores dons no curso
das idades passadas e por isso se exige delas maior contribuição sob o ponto de
vista do sacrifício e da responsabilidade.
“Seguindo a ordem natural das coisas, da direção dos negócios do Estado
estariam, sem dúvida, encarregadas as almas mais
velhas. (...) quando o Estado começa a exercer as suas verdadeiras funções, os
seus assuntos são dirigidos por uma aristocracia composta das melhores almas,
isto é, das mais velhas e capazes. (...)
“A grande idéia que guiará esses homens em sua administração de todos os negócios
do Estado, será aquela que fará primar, sobre todas as demais idéias, o
princípio da Fraternidade. Isso implicará no reconhecimento de dois fatos: primeiro, que o sofrimento, a ignorância, ou a condição
atrasada de um só cidadão é prejudicial para o bem-estar de toda a comunidade,
porque sendo o destino de cada um inseparável do destino dos outros, o
desenvolvimento de um contribui para o adiantamento de todos, assim como a queda
de um contribui para o atraso de todos; e, segundo, que não deveria existir a
exploração do homem pelo homem, nem de uma classe, casta ou nação pelas outras.
“Visto que todos os homens, mesmo os menos desenvolvidos, são
almas – deuses em processo de formação – o indivíduo que dirige a aplicação das
leis e das constituições, tem o dever de pensar continuamente no fato de que uma
Divindade mora dentro de cada indivíduo. (...)
“Quando no Estado se reconhecer a existência dessa Divindade que está oculta no
homem, se produzirá uma revolução muito grande em nossa atitude para com os
criminosos e na maneira de tratá-los. Em primeiro lugar, seja qual for o ato
cometido não devemos esquecer que o criminoso é nosso irmão. Para nós que
obedecemos
implícita e voluntariamente as leis do Estado, o criminoso é um irmão menor; e
ainda que caia mil vezes, ele não deixa por isso de ser nosso irmão.” (Teosofia Prática, p. 137-147)
A citação de C. Jinarajadasa evidencia a relevância do aspecto da Diversidade
dentro da fraternidade universal da humanidade, bem como nos revela algumas de
suas implicações práticas mais importantes. Infelizmente, a importância desse
aspecto não é bem reconhecida tanto em termos teóricos quanto, consequentemente,
em termos práticos. A citação abaixo de N. Sri Ram é um claro alerta nessa
direção:
63 – “Não é suficiente meramente compreender nossa fraternidade subjacente,
também deve haver habilidade e sabedoria ao tratar com as diferenças externas,
as desigualdades de desenvolvimento e circunstâncias.” (Thoughts for Aspirants, 2nd Series, p. 122)
A Importância da Lei da Reencarnação
Há uma passagem de HPB que também é muito interessante de ser trazida nesse
contexto, onde ela comenta a importância da lei da reencarnação para explicar as
diferenças entre os seres humanos, e que a ausência de uma explicação lógica
para essas diferenças é muito perniciosa:
64 – “As pessoas cultas foram educadas dentro daquela mais perniciosa das idéias
de que a grande diferença encontrada entre as unidades da mesma e única
humanidade, ou mesmo de uma raça, é o resultado do acaso; que o abismo existente
entre os homens em suas posições sociais, de nascimento, e quanto às suas
respectivas capacidades intelectuais, físicas e mentais – todas essas
qualificações tendo uma influência direta em cada vida humana – que tudo isso é
simplesmente devido ao cego acaso, e somente os mais crentes entre estas pessoas
encontram um consolo equivocado na idéia de que isso é “a vontade de Deus”. Eles
nunca analisaram, nunca pararam para pensar na profundeza da injúria que é
lançada sobre seu Deus, quando a grande e tão equânime lei dos múltiplos
renascimentos do homem sobre essa terra é tolamente rejeitada.” (CW, Vol. XIV, p. 57)
Antes de concluirmos nossa abordagem desse aspecto, da existência de uma
Diversidade de desenvolvimentos individuais simultânea à existência de uma
Unidade subjacente, citaremos
algumas passagens extraídas de várias das grandes tradições religiosas, como
forma de corroborar por meio do método comparativo a perspectiva acima exposta.
A maioria das passagens foram retiradas da obra A Sabedoria das Grandes Religiões de J. Gaer:
A Unidade nas
Grandes Religiões
Cristianismo:
65 – “Deus é amor; aquele que permanece no amor permanece em Deus, e nele
permanece Deus.” (João,
4:16)
66 – “Mente quem diz “amo a Deus”, mas odeia seu irmão. Quem ama a Deus ama
também a seu irmão”. (João, 4:20,21)
67 – “De um só sangue Ele fez todas as gerações humanas.” (Atos,
17:26)
68 – “Em verdade vos digo que o quanto fizestes a um desses meus pequeninos
irmãos, a mim o fizestes.” (Mateus, 25:40)
Hinduísmo:
69 – “O verdadeiro conhecimento é ver uma vida imutável em todos os seres, e ver
nos seres separados o Uno Inseparável.” (Bhagavad-Gita, XVIII)
70 – “Amar todas as coisas, grandes ou pequenas, tal como Deus as ama, eis a
verdadeira religião.” (Hitopadexa)
Islamismo:
71 – “Ó Povo! Servi Alá, que vos criou, a vós e aos que vos precederam. Ele fez
a terra para vosso assento e o céu para vosso dossel. E ele faz cair chuva do
céu para produzir os frutos com que vos sustentais.” (Corão, 2:20)
Judaísmo:
72 – “Toda sabedoria vem de Deus, e com Ele está e esteve sempre, antes de todos
os séculos”. (Eclesiástico, 1:1)
73 – “Não temos todos nós um mesmo Pai? Não nos criou um mesmo Deus?” (Malaquias,
2:10)
Taoísmo:
74 – “O Tao é inominável e oculto, e
contudo todas as coisas se realizam nele.” (Tao-Te-King, 41)
Xintoísmo:
75 – “Todos os homens são irmãos; todos recebem as bênçãos do
mesmo céu."
(Provérbio do Kurozomi Kyo)
A Diversidade
nas Grandes Religiões
Budismo:
76 – “Poucos são os homens que chegam à outra margem do rio; a maioria deles se
contenta em permanecer na mesma margem, subindo-a e descendo-a.” (Dhammapada, 49a)
77 – “O néscio pode associar-se a um sábio toda a sua vida, mas percebe tão
pouco da verdade como a colher do gosto da sopa. O homem inteligente pode
associar-se a um sábio por um minuto, e perceber tanto da verdade quanto o
paladar do sabor da sopa.” (Dhammapada, 64-65)
78 – “Contempla este mundo, adornado como uma carruagem real! Os néscios estão
encarapitados nele, mas os sábios não estão presos a ele.” (Dhammapada, 171)
79 – “Que grandes, pequenos e médios façam todos o
melhor ao seu alcance.” (Játacas, 121)
Confucionismo:
80 – “O homem superior pensa em seu caráter; o homem inferior pensa em sua
posição. O homem superior busca o que é correto; o inferior, o que é lucrativo.”
(Analectos, IV)
81 – “O bom e o mau governo dependem dos dirigentes. Os cargos devem ser
confiados, não aos favoritos do príncipe, porém somente aos homens capazes. As
funções devem ser confiadas, não aos homens viciosos, porém aos homens eminentes
por suas virtudes e por seus talentos.” (Chu-King, VIII, II, 5)
Cristianismo:
82 – “Porque assim é (o reino dos céus) como um homem que, ao ausentar-se para
longe chamou seus servos e lhes entregou os seus bens. E deu a um cinco
talentos, e a outro dois, e a outro deu um, a cada um segundo a sua capacidade,
e partiu logo.” (Parábola dos Talentos,
Mateus, 25:14-15)
83 – “Eis que o semeador saiu a semear. Quando semeava, uma parte das sementes
caiu à beirada do caminho, e vieram as aves e a comeram. Outra parte caiu nos
lugares pedregosos, onde não havia muita terra; logo nasceu, porque a terra não
era profunda, e tendo saído o sol, queimou-se; e porque não tinha raízes, secou
se. Outra caiu entre os espinhos, e os espinhos cresceram e a sufocaram. Outra
caiu na terra boa e deu frutos, havendo grãos que rendiam cem por um, outros
sessenta, outros trinta por um. O que tem ouvidos para ouvir,
ouça.” (Parábola do Semeador, Mateus, 13:3-8)
Hinduísmo:
84 – “O mundo dos homens, achando-se sob o domínio da ilusão
dessas três qualidades da natureza (gunas), não compreende que Eu sou
superior a elas, e conservo-Me intacto e imutável no meio dos inúmeros
acontecimentos e mudanças.
“Esta ilusão é muito forte, e tão denso é o seu véu que é difícil aos olhos
humanos penetrá-lo. Só aqueles que a Mim se dirigem e se deixam iluminar pela
chama que está detrás da fumaça, vencem a ilusão e chegam até Mim.
“Malfeitores e tolos não me procuram, nem aqueles que nutrem
pensamentos baixos, nem aqueles que vêem, no vasto espetáculo da natureza,
somente o jogo das forças, sem diretor; nem aqueles que extinguiram em si a
centelha da vida espiritual e se tornaram plenamente materialistas.
“Há quatro classes de gente que a Mim se dirigem: os infelizes, os que
investigam a verdade, os bondosos e os sábios.” (Bhagavad-Gita, VII)
Islamismo:
85 – “Fala aos homens segundo suas capacidades mentais; se lhes falarem de
coisas que não podem compreender poderão incidir em erro.” (Hadith ou Máximas de
Maomé, 143)
Judaísmo:
86 – “Quando os justos governam, o povo se regozija; mas quando no poder estão os perversos, o povo geme.” (Provérbios, 29:2)
87 – “Entre os homens se distinguem quatro tipos de caráter. O neutro, que é
daquele que diz: “O que é meu é meu, e o que é teu é teu.” O rústico, que é
daquele que diz: “O que é meu é teu, e o que é teu é meu.” O santo, que é
daquele que diz: “O que é meu é teu, e o que é teu é teu.” E o perverso, que é
daquele que diz: “O que é meu é meu, e o que é teu é meu.” (Máximas dos Pais, 5:13)
Taoísmo:
88 – “É fácil seguir o grande Tao, mas o povo vagueia pelas veredas.” (Tao Te-King, 53)
Xintoísmo:
89 – “Para todas as coisas, grandes ou pequenas, cumpre descobrir o homem certo,
e elas serão bem administradas.” (Nihongi ou Crônicas do Japão, cap. 22)
Como vemos, podemos encontrar nas várias tradições religiosas ensinamentos que
corroboram a perspectiva apresentada pela Filosofia Perene de que o princípio ou
lei da fraternidade universal está fundamentado nos fatos da Unidade essencial e
da Diversidade de capacidades manifestadas. E não poderia ser diferente, uma vez
que todas as grandes religiões têm suas raízes na tradição viva daqueles Sábios
para os quais os princípios da Filosofia Perene são fatos inquestionáveis, uma
vez que para Eles são, por assim dizer, experimentalmente conhecidos. Em conjunto, esses dois
aspectos da fraternidade universal compõem a única perspectiva que pode inspirar
tanto um sistema de ética correto, quanto novas instituições sócio-políticas
capazes de organizar satisfatoriamente a humanidade, pois essa é a única
perspectiva que descreve corretamente a humanidade.
Essas passagens das grandes tradições religiosas também nos servem,
incidentalmente, para corroborar a afirmação antes citada de A Chave para a
Teosofia de HPB, sobre a fraternidade e a ST, cujo trecho mais relevante nesse
contexto é o que segue:
90 – “Essa Sociedade foi organizada com base nesse único princípio, a
Fraternidade Essencial da Humanidade, como aqui foi brevemente esboçado e
imperfeitamente apresentado. Ela tem sido atacada como budista e
anti-cristã, como se pudesse ser essas duas coisas ao mesmo tempo, já que
tanto o budismo quanto o cristianismo, como apresentados por seus inspirados
fundadores, fazem da fraternidade a essência da doutrina e da vida.” (HPB,
citando J.D. Buck, A Chave para a
Teosofia, p. 29)
O aspecto que examinamos acima – da Diversidade dos níveis de evolução dos
indivíduos que compõem a fraternidade universal da humanidade – ficar ainda mais
claro ao tratarmos, a seguir, do atual estágio de evolução da humanidade
coletivamente considerada, isto é, ao tratarmos de perceber quais as proporções
relativas dos grupos de diferentes idades evolutivas dentro da família humana.
E, analogamente, a importância desse aspecto para a solução dos grandes problemas que a humanidade enfrenta também irá ficando mais evidente ao longo das análises que seguem.
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