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Capítulo 7

 

 

            Os Primeiros Anos da Sociedade Teosófica (1875 a 1878)

 

            Quando a ST foi fundada, em 1875, seu objetivo era simplesmente: “reunir e difundir um conhecimento das leis que governam o universo”. (Gomes 1987, 89) Em seu início a ideia de formar um núcleo da Fraternidade Universal ainda não estava presente.

 

            A Sociedade estava sendo proposta como um “corpo para reunir e difundir conhecimentos; para pesquisa oculta, e o estudo e disseminação de antigas ideias filosóficas e teosóficas”. (ODL I, 120) O jornal Spiritual Scientist publicou uma matéria a respeito da nova sociedade, dizendo que o plano de Olcott era:

 

“... organizar uma sociedade de Ocultistas e começar imediatamente a formar uma biblioteca; e difundir informações a respeito daquelas leis secretas da Natureza que eram tão familiares para os caldeus e egípcios, mas que são totalmente desconhecidas pelo nosso moderno mundo da ciência.” (ODL I, 120)

 

            Em julho de 1875, Madame Blavatsky havia recebido de seu Mestre “ordens para formar uma Sociedade – uma Sociedade secreta como a Loja Rosacruz.” (CW I, 73) Sendo uma sociedade de ocultistas, ela necessariamente seria para poucos, como HPB escreveu em setembro de 1875:

 

“... as obras sobre Ocultismo não foram, eu repito, escritas para as massas, mas para aqueles Irmãos que fazem da solução dos mistérios da Cabala o principal objetivo de suas vidas, e que se supõe que conquistaram as primeiras abstrusas dificuldades do Alfa da Filosofia Hermética. Aos candidatos fervorosos e perseverantes da referida ciência, eu tenho a oferecer apenas uma palavra de conselho, “Tentem e tornem-se”.” (CW I, 132)

 

            A referência que Madame Blavastky faz da Sociedade voltada para aquisições práticas de seus membros no campo do Ocultismo é bastante diferente da visão tradicional, que se criou posteriormente, vigente até nossos dias. Isto é, de que mesmo em seu início, os membros se reuniam apenas para discussões teóricas, apresentação de palestras e, ocasionalmente, teste de algum médium, sem qualquer prática ou treinamento oculto.

 

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            Em seu artigo “Astral Projection or Liberation of the Double and the Work of the Early Theosophical Society”, John Patrick Deveney mostra como o trabalho inicial da ST estava voltado para instruções práticas de seus poucos membros, como aprender a sair conscientemente do corpo físico e fazer viagens astrais, com a utilização de espelhos mágicos e outras técnicas.

 

            Esse espírito prático ainda aparece claramente numa circular de setembro de 1878, anunciando a fusão da ST com a Arya Samaj da Índia. A circular diz que os membros “que assim desejarem, devem trabalhar para adquirir aquele controle sobre certas forças da natureza que comunica ao seu possuidor um conhecimento de seus mistérios.” (ODL I, 402) E Olcott comenta:

 

“O treinamento e desenvolvimento oculto de HPB e a categoria de seus alunos foram aqui sugeridos. A frase mostra que o principal motivo original dos fundadores da Sociedade era promover esse tipo de estudo; sendo sua firme convicção que com o desenvolvimento de poderes psíquicos e discernimento espiritual, todo conhecimento religioso seria alcançado e todo o dogmatismo religioso ignorante seria banido.” (ODL I, 402)

 

 

Charles Sotheran

 

            Na história tradicional a Sociedade Teosófica tornou-se secreta nesses primeiros anos em decorrência a desentendimentos com Charles Sotheran, um de seus fundadores. Esses desentendimentos foram causados por discursos políticos inflamados de Sotheran para grevistas, onde ele se declarava um trabalhador socialista e incitava-os a tomar medidas contra os capitalistas exploradores. Abaixo de um recorte de jornal onde esse acontecimento é narrado, HPB escreveu:

 

“Um teosofista se tornando um desordeiro, encorajando revolução e ASSASSINATO, um amigo de comunistas não é um membro adequado para nossa Sociedade. ELE TEM QUE SAIR.” (CW I, 404)

 

            Abaixo desse artigo, colado em seu Scrapbook, HPB escreveu que até a rixa com Sotheran:

 

“... a Sociedade não era uma sociedade secreta (...)  Mas ele começou a atacar injuriosamente nossos experimentos e nos denunciar

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aos espíritas e impedir o progresso da Sociedade e achou-se necessário torná-la secreta.” (CW I, 194)

 

            Portanto, a outra razão da saída de Sotheran foi seu questionamento sobre a veracidade dos experimentos realizados nas reuniões da Sociedade Teosófica com médiuns como a Sra. Youngs que levantava pianos, ou a Sra. Thayer que materializava flores e pombas. (Deveney, 50) Olcott explica nas páginas do Spiritual Scientist:

 

“Quanto à Sociedade Teosófica, nossa atual experiência com uma certa pessoa, que deve ficar sem ser nomeado uma vez que sua conduta tem sido tal que o faz perder seu direito de reconhecimento, tem sido uma lição da qual pretendemos tirar um proveito. Estamos considerando uma proposição de nos organizar como uma sociedade secreta de modo que possamos perseguir nossos estudos sem sermos interrompidos por falsidades e impertinências de pessoas de fora.” (CW I, 193)

 

            Nas duas citações acima, fica claro o caráter de experimentos práticos que os membros perseguiam. A ameaça de denúncia desses experimentos por parte de Sotheran, mais do que sua atividade política, é que motivou a transformação da Sociedade Teosófica numa organização secreta.

 

            Em 5 de janeiro de 1876 o Conselho acatou o pedido de Sotheran para sair da Sociedade Teosófica. Respondendo ao artigo de Olcott no Spiritual Scientist acima citado, Sotheran escreveu para o The Banner of Light: que aqueles que o conheciam bem, sabiam que sua saída da ST havia sido porque:

 

“... estou convicto de que as pretensões da Sociedade são enganosas (...) Madame Blavatsky talvez tenha poderes ocultos de um caráter extraordinário; mas após um conhecimento íntimo dela por um período considerável, posso afirmar que em minha humilde opinião ela NÃO possui NENHUM, muito embora ela tenha psicologizado a si mesma e a seus defensores para acreditarem nisso, e portanto suas ameaças caem sobre mim com tão pouco efeito quanto “o vento que passa suavemente.”

            “Eu a aconselharia que, ao invés de ofender aqueles que como eu estão lutando pela Mais Elevada Verdade, e detestam imposturas de qualquer tipo, a se contentar em combater aqueles com quem ela tem uma real causa de indignação”. (Sotheran)

 

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            Seis meses após toda essa confusão e troca de ameaças, Sotheran voltou a fazer parte da Sociedade Teosófica, a frequentar a casa de HPB e a auxiliar ativamente no trabalho, como se nada tivesse ocorrido. De acordo com Laura Hollowav, havia uma grande amizade entre HPB e Sotheran, e ela afirma que foi dele a sugestão da palavra “teosófica” para o nome da Sociedade Teosófica. Ela também revela:

 

            “Frequentemente se afirmava – com base em que provas, eu nunca soube – que o Sr. Sotheran conhecia pelo menos um membro da Fraternidade de Adeptos e estava, de alguma maneira, identificado com seus amplos objetivos (...). E em geral era aceito que ele havia encontrado com Madame Blavatsky no exterior e conhecia a tarefa que ela estava realizando nesse país. (...) Sua atitude era a de que ela era uma ocultista genuína, com razoáveis poderes mentais, e que havia sido treinada para usá-los. (...) Os serviços desse homem à ST em seu início nunca foram reconhecidos com justiça. Ele foi um auxiliar sem o qual os trabalhos de organização da Sociedade, de fazer pesquisas relacionadas com Ísis Sem Véu, de garantir um editor para essa obra e ainda de apresentá-la adequadamente ao público, não teriam sido executados com a metade da eficiência.” (CW I, 527)

 

            Urna pequena menção a Sotheran feita por Albert Rawson, em seu artigo Madame Blavatsky – A Theosophical Occult Apology, mostra o grau de intimidade e a convivência de ambos com HPB em Nova Iorque. O episódio também é interessante porque descreve o relacionamento de Madame Blavatsky com seus amigos, num clima de descontração e camaradagem.

 

            Com a intenção clara de provocar a “esfinge” – como HPB era chamada por alguns amigos – alguém sugeriu que era uma pena que o treinamento inicial de HPB tivesse sido negligenciado, pois, caso contrário, quem sabe se ela agora não teria se reencarnado como Pitágoras, Bacon ou até mesmo como Shakespeare?

 

            Reagindo à provocação, HPB respondeu que ela não tinha qualquer dúvida de que ela era um Buda, e que “aquela pequena imagem de bronze no seu santuário sou eu como eu era a mil ou dez mil anos atrás.” Então, continuando a provocação, alguém sugeriu que “poderia ter sido um alívio se Buda se retirasse para o Nirvana e nos desse um outro descanso de alguns milhares de anos”. (Rawson 1988, 212-213) Para Rawson, esses momentos em que HPB era provocada eram:

 

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“... uma excelente oportunidade para estudar o espírito interno da esfinge. Calma como a Aboo Hool de Memphis num minuto, e no seguinte uma tempestade de paixão que se expressava numa torrente de palavras que feriam os ouvidos de seus ouvintes. Eu nem mesmo tentarei dar uma amostra, pois as reticências omitiriam maldições em várias línguas”. (Rawson 1988, 213)

 

            E em seguida revela que Sotheran é que havia sido o autor da provocação, perguntando-lhe: “Sotheran, por que você acordou a tigresa?”, o que demonstra o grau de intimidade que os dois tinham com HPB. E Sotheran responde que essa era “a melhor maneira de abrir o repertório de seu espírito. Você notou como ela lançou Buda, os Vedas, Zoroastro, Confúcio e todos os demais sobre nós?” (Rawson 1988, 213) Rawson então dá um belo depoimento sobre o domínio que Madame Blavatsky possuía no campo do oculto:

 

“Como instrutora Mad. Blavatsky era imperativa, severa, impaciente com métodos vagarosos, inclemente com inteligências lerdas e detestava almas insípidas. Lhe agradava quando seu aluno acompanhava o ritmo de seus voos rápidos, e ficava encantada se alguém parecia acompanhá-la para aquelas regiões ocultas que eram de seu peculiar domínio, cujo ar era demasiado rarefeito até mesmo para os anjos, e cujas margens estavam encobertas por aquelas nuvens místicas que, ao mesmo tempo em que obscureciam a paisagem para o profano, destilam o orvalho dourado para os poucos esotéricos.” (Rawson 1988, 213)

 

 

William Quan Judge

 

            William Quan Judge nasceu em Dublin. Irlanda, em 13 de abril de 1851. Um fato marcante na infância de Judge foi uma doença que teve aos 7 anos. Ele chegou a ser declarado morto pelo médico, mas milagrosamente reviveu. Durante a convalescência, começou a demonstrar aptidões e conhecimentos antes desconhecidos, fazendo com que os mais velhos à sua volta se admirassem, questionando-se como e quando o menino havia aprendido todas essas coisas novas. Após sua recuperação, embora ninguém soubesse quando ele aprendera a ler, encontraram-no lendo avidamente todos os livros que encontrava sobre Mesmerismo, Religião, Magia e assuntos afins.

 

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            Quando William estava com 13 anos, a família emigrou para os Estados Unidos, onde chegaram em 14 de julho de 1864. William começou a trabalhar em Nova Iorque como escriturário e depois entrou para o escritório de advocacia de George P. Andrews. Em abril de 1872 naturalizou-se americano. Especializando-se em Direito Comercial, sua eficácia, persistência e diligência conquistaram o respeito de patrões e clientes. Aos 23 anos, em 1874, ele casou-se com Ella M. Smith, com quem teve uma filha que morreu ainda pequena, em setembro de 1878. (Niemand)

 

 

Primeira Encontro de HPB e Judge (março de 1875)

 

            Logo após seu casamento, Judge deparou-se com o livro de Olcott, People from the Other World, publicado em março de 1875, que lhe despertou grande interesse. Ele então escreveu para Olcott, pedindo-lhe o endereço de algum bom médium:

 

“Ele me respondeu que não sabia de nenhum no momento mas que tinha uma amiga, Madame Blavatsky, que havia lhe pedido que me convidasse para visitá-la. Fui a seu apartamento em lrving Place, 46, Nova Iorque, e a conheci.” (Van Mater)

 

            Esse primeiro encontro foi muito marcante para Judge. Ele relembra suas impressões:

 

“Muito foi dito naquela primeira noite que prendeu minha atenção e atraiu minha imaginação. Eu percebi meus pensamentos secretos sendo lidos, minhas questões íntimas sendo conhecidas por ela. Sem ser perguntada e certamente sem qualquer possibilidade de ter pedido informações sobre mim, ela referiu-se a várias circunstâncias privadas e peculiares de um modo que mostrou imediatamente que tinha um perfeito conhecimento sobre minha família, minha história, minhas circunstâncias e minhas idiossincrasias.” (Sinnett 1886, 186)

 

            Pouco tempo depois HPB mudou-se para um apartamento na 34th Street, onde Judge pode visitá-la com maior frequência. Ele descreve os fenômenos que ocorriam:

 

“Naquelas salas costumava-se ouvir batidas na mobília, em vidros, espelhos, janelas e paredes, como as que frequentemente

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ocorrem em sessões “espíritas” no escuro. Mas com ela ocorriam no claro, e nunca a não ser que ela o ordenasse. Nem podiam ser induzidas a continuar uma vez que ela mandasse parar. Essas também exibiam inteligência, e poderiam, a seu pedido, mudar de fraco para forte, ou de várias para poucas de cada vez.” (Sinnett 1886,187)

 

            HPB permaneceu na 24th Street apenas por poucos meses. Depois mudou-se para a 47th Street, onde ficou até a partida para a Índia, em dezembro de 1878. Nesse endereço, Judge era um visitante assíduo e muitas vezes presenciou, à luz dos lampiões de gás:

 

“... grandes bolas luminosas serpenteando por cima da mobília, ou alegremente pulando de um ponto para outro, enquanto os mais belos sons de sinos suaves tocavam de vez em quando, a partir do ar da sala. Esses sons usualmente imitavam o de um piano ou uma série de sons assobiados por mim mesmo ou por alguma outra pessoa. Enquanto tudo isso ocorria, H.P. Blavatsky estava sentada, despreocupadamente lendo ou escrevendo Ísis Sem Véu.” (Sinnett 1886, 188)

 

            Porém, mais do que qualquer fenômeno, o que marcou profundamente esse período para Judge foram os contatos que ele e Olcott tinham, por intermédio de HPB, com Seres iluminados. Ele escreve para Damodar que todos os fenômenos que testemunhou:

 

“... empalideceram e ficaram ofuscados diante das gloriosas horas gastas em ouvir as palavras daqueles Seres iluminados que usualmente vinham tarde da noite, quando tudo estava tranquilo, e falavam com Olcott e comigo hora após hora. Estou persuadido de que esse era o caso, pois havia várias indicações, muito sem importância para a visão comum, mas facilmente percebidas e reconhecidas quando alguém está na expectativa e alerta para tais coisas, que me levou a acreditar que outros estavam ocupando aquele corpo, seja nos observando ou nos instruindo. Mas que Alguém preeminentemente grande vem e ocupa esse corpo, eu tenho certeza, embora não tenha sido informado a respeito. Entretanto, como aprendi deles, esteja certo de que nessas questões suas intuições são mais confiáveis do que seu raciocínio pode ser.” (Eek 1978, 47)

 

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            Além dessas conversas, Judge também recebeu algumas mensagens que vinham em cartas entregues pelo correio. Em carta para HPB, de 5 de fevereiro de 1886, quando ela estava sendo acusada de ser uma impostora pela SPR (Sociedade de Pesquisas Psíquicas), Judge sugere que poderia usar essas cartas em seu favor:

 

“E quanto às cartas que vieram de .:., tenho muitas que chegaram a mim que se assemelham à minha caligrafia. Como eles explicarão isso? Eu me auto iludi? E assim por diante.

            “Você pode contar comigo, nesse ponto, para todo o auxílio que julgar necessário. Lembre-se que eu estava com você em Enghien no dia de um dos fenômenos. Eles não consideraram aqueles tempos em que eu recebia cartas pelo carteiro com mensagens dentro delas. Tenho aqui algumas cartas antigas e uma delas está relacionada com a cremação do [Barão] De Palme.” (LBS, 313)

 

            Numa carta para Sinnett, escrita em 1° de agosto de 1881, Judge se refere tanto à questão das conversas “a viva voz” por meio de HPB, quanto das cartas recebidas:

 

“Tive o grande prazer de ler seu O Mundo Oculto, e nesse país tão distante da Índia, ele tem sido uma fonte de grande proveito, bem como de encorajamento. (...) Embora nunca tenham me dado o nome, quando Madame Blavatsky estava aqui eu tive a honra de receber comunicações de .:. viva você, eu quero dizer de Koot Hoomi e também de outros. E eu daria muito para ver algumas das caligrafias daquelas cartas para você, ainda que de apenas uma palavra, porque eu tenho aqui uma caligrafia, num certo material azul, com a qual gostaria de comparar.

            “Você certamente tem sido honrado. Por que? Eles devem ter algum motivo. Enquanto HPB estava aqui, eles vieram, muitos e várias vezes, e falaram com Olcott e comigo. Mas suas identidades foram protegidas porque nenhum de nós, naquela época, poderia penetrar na parede de matéria e ver o verdadeiro ocupante. Tínhamos que depender inteiramente das mudanças de expressão.

            “Eu lhe agradeço o livro (...). Para mim, ele serve para manter vívidos e frescos os fatos que certa vez testemunhei os quais, não fosse isso, o tempo poderia tornar fracos e possivelmente inacreditáveis.” (LBS, 312)

 

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            No primeiro encontro da Sociedade Teosófica, Judge propôs Olcott como presidente, e foi designado como secretário. Até essa época, conta Judge:

 

“Olcott era bem conhecido como um homem que gostava da vida dos clubes e ninguém jamais supôs que ele mostraria uma tal renúncia como tem mostrado, desde então, com relação às coisas mundanas. A sabedoria de sua escolha como presidente tem sido demonstrada por nossa história. A Sociedade foi impopular desde seu início, e tinha de fato tão pouco dinheiro que todos os primeiros diplomas foram escritos à mão por um dos membros dessa cidade.” (Judge, em A Servant of The Masters: Col. Henry S. Olcott)

 

            Após assinar contrato para a publicação de Ísis Sem Véu, Madame Blavatsky anunciou que precisaria ir para a Índia. Diferentemente de Olcott, Judge não estava em posição de poder acompanhá-la, devido a suas obrigações familiares. Ele ficou extremamente aborrecido com a decisão de HPB e deixou de visitá-la por quase um ano, durante o qual manteve correspondência com Olcott. Foi perto desse período que sua filha morreu de difteria, causando-lhe grande dor. Antes da partida de HPB para a Índia, entretanto, os dois reataram relações.

 

 

A Ordem Sat Bhai

 

            Em 29 de setembro de 1877 Ísis Sem Véu foi publicada com grande sucesso. Em dez dias a primeira edição estava esgotada e no espaço de sete meses mais três edições foram feitas. Uma consequência imediata foi um grande número de cartas de várias partes do mundo. Nessa época iniciou-se uma correspondência com um conhecido maçom, John Yarker, que estava impressionado com o conhecimento maçônico demonstrado por HPB em Ísis. (Ransom, 99-100)

 

            Yarker, que na época era Grão Mestre do Antigo e Primitivo Rito de Memphis, 95°, 33° do Rito Escocês e 90° do Rito de Mizraim, conta que Sotheran havia levado para HPB um pequeno livro de sua autoria, publicado em 1872, e que ela havia feito referência a esse livrinho em Ísis. Então, “a pedido do Irmão Sotheran, eu enviei para Madame Blavatsky o diploma do ramo feminino da Sat Bhai.” (CW I, 311)

 

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            Olcott respondeu a Yarker em relação ao diploma da Sat Bhai, dando testemunho de que HPB era proficiente em todas as ciências maçônicas. Em agosto de 1877, Yarker recebeu um diploma de membro honorário da Sociedade Teosófica. Em 24 de novembro, ele enviou a HPB um segundo diploma, desta vez do Rito de Adoção de Memphis e Mizraim, conferindo-lhe o mais alto grau desse Rito Adotivo, aquele da “Princesa Coroada 12°”. (CW I, 312) A publicação desse segundo diploma gerou ataques e questionamentos quanto a sua validade. Ao defender-se, HPB escreve:

 

“... eu nunca recebi “os graus regulares” em qualquer Loja Maçônica Ocidental. Naturalmente, então, não tendo recebido nenhum desses graus, eu não sou um maçom grau trinta e três. (...) Minha experiência maçônica – se você assim quiser denominar minha filiação em várias Irmandades Maçônicas orientais e Fraternidades Esotéricas – está confinada ao Oriente. Mas, no entanto, isso não impede que eu conheça, em comum com todos os “maçons” orientais, tudo que está conectado com a Maçonaria Ocidental (...) e também não impede, uma vez que recebi o diploma enviado pelo “Soberano Grão Mestre” (...) que eu tenha o direito de me chamar uma maçom.” (CW I, 308)

 

            A Ordem Sat Bhai (Sete Irmãos), era assim chamada porque cada grupo era composto por sete pessoas. Se dizia que essa Ordem havia sido iniciada, ou transmitida, por um Pandit brâmane de Benares. Aparentemente alguns oficiais britânicos haviam sido iniciados e pretendia-se que eles espalhassem os ideais da Sat Bhai pelo mundo. O Major J.H. Lawrence Archer havia introduzido o ritual na Inglaterra, em torno de 1872. Yarker escreve sobre a Sat Bhai:

 

“O nome alude ao pássaro Malacocercis Grisis, o qual sempre voa em grupos de sete. Ela tem sete graus descendentes, cada um com sete discípulos, que constituem os seus sete; e sete graus ascendentes de Perfeição, Ekata ou Unidade. Seu objetivo é o estudo e desenvolvimento da filosofia indiana. De algum modo, sua raison d’etre deixou de ser necessária quando a Sociedade Teosófica foi estabelecida por H.P. Blavatsky, a qual numa determinada época tinha pelo menos seus sinais secretos de Entrada.” (Yarker, 492)

 

            Aparentemente, a Sat Bhai era a divisão mundana da “Royal Oriental Order of Sikha (Apex)”. (Scott) Yarker havia introduzido cerca

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de uma centena de pessoas à Ordem Sat Bhai, entre elas algumas mulheres de destaque. Tanto o simbolismo dos rituais quanto os títulos dos oficiais eram indianos, e apenas os rituais iniciais estavam prontos. A Ordem não tinha nada em comum com a maçonaria ocidental. (Ransom, 100)

 

            Após várias correspondências com Madame Blavatsky, Yarker propôs que aqueles que passassem ao segundo Grau teriam que estudar a literatura dos Vedas e os do terceiro Grau deveriam praticar a genuína maçonaria oriental. (Ransom, 100) Numa carta de Yarker para HPB, de janeiro de 1879, ele pede instruções, mostrando o envolvimento de HPB com o trabalho de estruturação da Sat Bhai:

 

“Adotarei as suas Cerimônias revisadas – gostaria de adiantar 3 objetivos: 1. Auditor (com as 7 cerimônias imperfeitas, 4 das quais eu lhe enviei); 2. Perfeição (dando o âmago da doutrina védica); 3. Para uns poucos selecionados, a divisão dos 7 graus de acordo com o dogma do Oriente. Ou você faria dois ramos – 1. Os 7 ritos Auditores, e 2. a cerimônia de Perfeição, classificando como primeiro o grau Oriental, Auditor o segundo e Promotor o terceiro?” (Muehlenger)

 

            Em 25 de janeiro de 1878, Kenneth Mackenzie escreveu para Francis Irwin, que também era membro na Ordem Sikha: “Ouvi falar que Madame Blavatsky é a chefe da Ordem!” (Muehlenger) Mesmo que isso não seja verídico, a carta de Yarker é clara quanto ao grande envolvimento de HPB com a concepção da Ordem Sat Bhai. Assim, é possível que o modelo que Sotheran, HPB e Olcott estavam estudando implementar na Sociedade Teosófica se espelhasse na Sat Bhai.

 

 

A Circular de Nova Iorque (abril de 1878)

 

            Charles Sotheran, que assim como Albert Rawson era um maçom ativo, começou em abril de 1878 uma discussão com Olcott, HPB e outros maçons com o objetivo de transformar a ST em algo análogo a uma Ordem maçônica, secreta, com rituais e graus. Olcott escreve:

 

“Em 17 de abril começamos a conversar com Sotheran, General T., e um ou dois outros elevados Maçons sobre estabelecer nossa Sociedade como um corpo maçônico com um Ritual e Graus; a

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ideia era que ela formaria um complemento natural aos graus mais elevados da Ordem, restaurando-lhe o elemento vital do misticismo Oriental que lhe faltava ou que havia perdido. Ao mesmo tempo, tal arranjo daria força e permanência à Sociedade, por associá-la com a antiga Fraternidade cujas lojas estão estabelecidas por todo o mundo. Agora que volto a olhar para isso, estávamos, na verdade, tão somente planejando repetir o trabalho de Cagliostro, cuja loja Egípcia foi em sua época um centro tão poderoso para a propagação do pensamento oculto Oriental. Não abandonamos a ideia até muito tempo depois de mudarmos para Bombay”. (ODL I, 468)

 

            A ideia de transformar a ST num corpo com vários graus estava presente no documento que Olcott publicou em maio sobre a origem, plano e objetivos da Sociedade Teosófica, conhecido como “Circular de Nova Iorque”. A Sociedade se apresentava organizada “sob o princípio do segredo” (CW I, 376) e a filiação estava dividida:

 

“... em três Seções, e cada Seção em três Graus. Se exige de todos os candidatos para uma filiação ativa que entrem como probacionários, no Terceiro Grau da Terceira Seção, e não é especificado nenhum tempo fixo no qual o novo membro pode avançar de qualquer grau mais baixo para um superior; tudo depende do mérito. Para ser admitido no grau mais elevado, da Primeira Seção, o teosofista deve se libertar de qualquer inclinação por qualquer forma de religião em preferência a outra. Ele deve estar livre de todas as rígidas obrigações para com a sociedade, a política e a família. Ele deve estar pronto para sacrificar sua vida, se necessário, para o bem da Humanidade ou de um irmão membro de qualquer raça, cor ou credo ostensivo. Ele deve renunciar ao vinho, e a qualquer outra espécie de bebidas intoxicantes, e adotar uma vida de estrita castidade.” (CW I, 376)

 

            Os membros da Segunda Seção eram aqueles que já haviam feito algum progresso no caminho do autodomínio e da iluminação, embora ainda tivessem alguns preconceitos religiosos e outras formas de egoísmo. A Terceira Seção era de provação, e seus membros poderiam deixar a Sociedade quando quisessem, embora continuassem com a obrigação assumida no ingresso de manter absoluto segredo quanto ao que lhes foi comunicado sob essas condições. (CW I, 376)

 

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            Os objetivos da ST agora eram vários, embora o incentivo ao desenvolvimento prático ainda fosse uma nota dominante: “Ela influencia seus membros a adquirir um íntimo conhecimento das leis naturais, especialmente suas manifestações ocultas.” (CW I, 376) Para tanto, cada membro deveria “estudar para desenvolver seus poderes latentes, e se informar a respeito das leis do magnetismo, eletricidade e todas as outras formas de forças, seja do universo visível ou invisível.” (CW I, 377) E continuava ressaltando que a Sociedade esperava que cada membro:

 

“... exemplifique pessoalmente a mais elevada moralidade e aspiração religiosa; se oponha ao materialismo da ciência e a toda forma de teologia dogmática, especialmente a Cristã, a qual os Chefes da Sociedade consideram como particularmente perniciosa; tornar conhecidos entre as nações ocidentais fatos há muito suprimidos sobre as filosofias religiosas orientais, sua ética, cronologia, esoterismo e simbolismo; opor-se, tanto quanto possível, aos esforços dos missionários em iludir os assim chamados “infiéis” e “pagãos” com relação à real origem e aos dogmas do Cristianismo e os efeitos práticos desse último sobre o caráter público e privado, nos assim chamados países civilizados; disseminar um conhecimento dos sublimes ensinamentos daquele puro sistema esotérico do período arcaico, que estão espelhados nos mais antigos Vedas e nas filosofias de Gautama Buda, Zoroastro e Confúcio”. (CW I, 377)

 

            E na conclusão dessa exposição sobre os objetivos da Sociedade Teosófica aparecia pela primeira vez a expressão “Fraternidade da Humanidade”, ao dizer que seu objetivo era, principalmente:

 

“... ajudar na instituição de uma Fraternidade da Humanidade, onde todos os homens puros e bons, de qualquer raça, reconhecerão uns aos outros como os produtos iguais (sobre esse planeta) de uma Causa Não Criada, Universal, Infinita e Eterna.” (CW l, 377)

 

 

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