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Capítulo 3

 

 

HPB com seu Filho Yury (1858 a 1867)

 

            O período da vida de Helena Petrovna Blavatsky desde 1849, quando abandonou Nikifor e saiu viajando pelo mundo, até 1874, quando se tornou uma pessoa mais amplamente conhecida, é bastante obscuro. É uma época com poucas referências na literatura e muitas informações desencontradas, geralmente introduzidas pela própria HPB, que não queria falar sobre esses anos. Ela escreve para Sinnett:

 

            “Entre a H.P. Blavatsky a partir de 1875 e a H.P.B. de 1830 até essa data, foi colocado um véu, e o que ocorreu por trás dele antes que eu aparecesse como um personagem público, não lhes diz respeito de modo algum. Era a minha VIDA PRIVADA, santa e sagrada”. (LBS, 145)

 

            Em janeiro de 1859, após vários anos de ausência, HPB reencontrou sua família na Rússia e morou na região do Cáucaso até 1865 ou 1866. A pedido da própria Madame Blavatsky, tanto sua irmã Vera quanto Sinnett ocultaram que durante esse período no Cáucaso ela reencontrou Nikifor e, reconciliada, morou com ele sob o mesmo teto. Além disso, o casal assumiu a guarda de um menino chamado Yury.

 

            Pouco antes do retorno de HPB à Rússia, sua tia havia escrito para Nikifor, para saber como ele reagiria diante do retorno de HPB. Ele lhe respondeu em 13 de novembro de 1858:

 

“Até agora não sabia nada sobre o retorno de HP [Helena Petrovna] para a Rússia. Para lhe dizer a verdade, há muito tempo isso já deixou de me interessar. O tempo atenua tudo, até mesmo cada lembrança. Você pode garantir a HP, sob minha palavra de honra, que eu nunca a perseguirei. Desejo ardentemente que nosso casamento possa ser anulado e que ela possa casar-se novamente.” (Beechey, 295)

 

            Pela resposta de Nikifor para a tia de HPB, vemos que a família já sabia que ela estava para retornar. Vera afirma que eles haviam ficado sem notícias por oito anos, isto é, quase dois anos antes de encerrar o período necessário para uma separação legal de Nikifor, que era de dez anos.

 

            Na noite de 6 de janeiro de 1859, Natal para o Cristianismo Ortodoxo, Vera relata: “ainda por algumas semanas não estávamos esperando

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que ela chegasse, mas, curiosamente, assim que ouvi tocar a sino da porta, levantei-me, sabendo que ela havia chegado.” (Zhelihovsky)

 

            O que teria levado HPB para junto de seus familiares, após um longo período de independência viajando pelo mundo? Como veremos, talvez um dos principais motivos seja essa criança chamada Yury.

 

 

Não Posso Contar a Verdade sobre Yury

 

            As circunstâncias sob as quais HPB tornou-se mãe de Yury permanecem envoltas em mistério. Ela afirma ter feito isso para proteger a honra da mãe verdadeira, que seria uma pessoa conhecida tanto de sua irmã quanto de sua tia. (Neff, 182). Em 1885, HPB contou para Solovyoff que:

 

“... ela quis salvar a honra de uma amiga e adotou o filho dessa amiga como seu próprio filho. Ela nunca se separava dele, educou-o ela mesma e o chamava de filho diante do mundo. Agora ele estava morto.” (Solovyoff, 141)

 

            A existência dessa criança é pouco conhecida porque a própria HPB, na época sob suspeita de ser sua mãe biológica, pediu para Sinnett não mencionar nada a esse respeito na biografia que estava escrevendo. Pois, mesmo que quisesse, ela não teria permissão para contar a verdade:

 

“Agora, devo eu, na ilusória esperança de me justificar, começar a exumar esses vários cadáveres – a mãe da criança, Metrovitch, sua esposa, a própria pobre criança e todos os demais? NUNCA. Isso seria tão mesquinho e sacrílego quanto inútil. Eu lhe digo, deixe os mortos dormirem. (...) Não toque neles, pois você apenas faria com que repartissem os tapas na cara e os insultos que estou recebendo, mas não teria sucesso em me proteger de qualquer modo. Não quero mentir, mas não tenho permissão para contar a verdade. O que faremos, o que podemos fazer? Toda a minha vida, exceto as semanas e meses que passei com os Mestres no Egito ou no Tibet, está tão inextricavelmente cheia de eventos cujos segredos e verdadeira realidade diz respeito aos mortos e aos vivos, sendo eu responsável apenas por suas aparências externas, que para me defender teria que pisar sobre uma hecatombe de mortos e cobrir de lama os vivos. Eu não farei isso.” (LBS, 144)

 

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            Na carta seguinte para Sinnett ela reforça o pedido para que ele nada mencionasse a respeito da criança:

 

““O incidente de adoção da criança!” Prefiro ser enforcada a mencioná-lo. Mesmo omitindo nomes, você sabe a que isso levaria? A um furacão de lama jogado sobre mim. (...) Bem, meu caro Sr. Sinnett se for para me arruinar (embora isso quase seja impossível agora) então mencione esse “incidente”. Meu conselho e pedido é que não mencione nada. Fiz demais no sentido de provar e jurar que era meu – e passei dos limites. O atestado médico não servirá para nada. As pessoas dirão que compramos ou subornamos o médico. Isso é tudo.” (LBS, 151)

 

 

Atestados Médicos: Provas que HPB Não Era a Mãe?

 

            O atestado médico a que HPB ser refere na carta acima havia sido dado pelo Dr. Leon Oppenheimer, a quem ela fora consultar em Würzburg, devido a um problema de bexiga. Está datado de 3 de novembro de 1885 e diz:

 

“O abaixo assinado atesta, como solicitado, que Madame Blavatsky de Bombay – Secretária Correspondente em Nova Iorque da Sociedade Teosófica – está atualmente sob tratamento médico com o abaixo assinado. Ela sofre de Anteflexio Uteri, muito provavelmente desde o nascimento; porque, como provado por um minucioso exame, ela nunca gerou uma criança, nem teve qualquer doença ginecológica.” (Fuller, 189)

 

            O atestado pretendia ser uma prova que eliminasse as dúvidas que pairavam sobre Yury ser ou não seu filho biológico. Porém, Anteflexio Uteri significa apenas que o útero está inclinado para a frente ou para o lado, fato que não é incomum e que não impede uma gravidez.

 

            Além disso, uma mulher aos 54 anos de idade, em pós-menopausa, certamente apresenta o útero encolhido e dificilmente um exame poderia revelar se ela já havia ou não ficado grávida. (Meade, 357-358). Portanto, o atestado do Dr. Oppenheimer não era conclusivo sobre HPB ser ou não a mãe biológica de Yury.

 

            O atestado também era deficiente para a defesa de HPB porque não dizia claramente que ela era virgem, pois o termo “doença ginecológica”

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era bastante vago. Então, a pedido da Condessa Wachtmeister, que na época morava com HPB, o Dr. Oppenheimer emitiu um segundo atestado, que dizia: “Certifico que Madame Blavatsky nunca esteve grávida e, consequentemente, nunca poderia ter gerado um criança.” (Neff, 187) Junto com esse segundo certificado há uma carta da Condessa, de 10 de fevereiro de 1386, provavelmente para Olcott, onde ela explica:

 

“Veja que a palavra grávida engloba todos os sentidos, pois sem estar grávida ela não poderia ter tido um aborto, nem uma criança. O primeiro atestado foi mal traduzido. No original em posse do Sr. Sinnett, a palavra aborto foi traduzida por “doença de mulheres”. O doutor então me disse que, embora nenhum médico possa atestar positivamente se uma mulher viveu ou não com seu marido, uma vez que a virgindade pode ter sido perdida por uma queda ou exercício forte, segundo suas melhores luzes, Madame Blavatsky não viveu com um homem”. (Neff, 188)

 

            Na verdade o médico não podia atestar que HPB era virgem pelo simples fato de que ela não o era, como a própria HPB explica numa carta encontrada nos Arquivos em Adyar, junto com o segundo certificado. É uma única folha, numerada como folha quatro. Aparentemente é uma carta de HPB para Sinnett, na qual ela conta, com seu costumeiro exagero, que “todas as suas entranhas, útero e tudo haviam saído de seu corpo devido a uma queda, causando a perda da virgindade:

 

“... aqui está seu estúpido atestado novo, com seus sonhos de virgo intacta numa mulher que teve todas as suas entranhas postas para fora, útero e tudo, devido à queda de um cavalo. E de novo o doutor olhou, examinou três vezes, e disse o que o Professor Bodkin e Pirogoff disse em Pskoff, em 1862. Eu nunca poderia ter tido relações com qualquer homem sem uma inflamação, porque me falta algo e o lugar está preenchido com algum pepino torto.” (Neff, 187)

 

            O exame pelo Professor Bodkin e Pirogoff, em Pskoff, não deve ter sido feito em 1862 pois nessa época, como veremos, ela estava no Cáucaso. Esse exame deve ter sido realizado em 1859. Provavelmente é a ele que HPB se refere ao contar para Sinnett sobre as desconfianças de seu pai:

 

“Quando lhe contei que até mesmo meu próprio pai suspeitava de mim e que, não fosse pelo atestado médico, talvez nunca tivesse

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me perdoado. Depois, ele teve pena e afeiçoou-se àquela pobre criança inválida. Ao ler esse livro Home, o médium, seria o primeiro a reunir o remanescente de suas forças e me denunciar, dando nomes, fatos e não sei mais o que.” (LBS, 151)

 

            É importante observarmos que desde seu retorno HPB apenas conviveu com seu pai logo que chegou em Pskov, e a seguir em São Petersburgo e em Rougodevo. Isto é, no período que vai do início de 1859 até a primavera de 1860, quando partiu com sua irmã para Tiflis.

 

            Isso implica que ela já deve ter chegado no início de 1859 com Yury, fato que teria despertado desconfianças de seu pai com relação à maternidade de Yury. Então, ainda em Pskov, ela teria se submetido ao exame médico pelo Professor Bodkin e Pirogoff para acalmar o pai.

 

            É verdade que existe um passaporte, de agosto de 1862, onde Nikifor pede autorização para que ela e Yury viajassem para as províncias de Tauris, Cherson e Pskov pelo período de um ano.” (CW I, xlvi) Assim ela poderia ter ido a Pskov em 1862 e ter feito o exame nessa época. Mas não existe nenhum registro dessa viagem e sua irmã Vera diz que, após terem ido para o Cáucaso na primavera de 1860: Madame Blavatsky morou menos de dois anos em Tiflis, e não mais do que três na região do Cáucaso. O último ano ela passou viajando pela região Imeretia, Georgia, Mingrelía e ao longa da costa do Mar Negro.” (Sinnett 1886, 143)

 

            Além disso, outra referência que reforça a hipótese aqui defendida de que HPB já estava com Yury quando reencontrou sua família, é uma carta para Solovyoff, que ela chamou de “minha confissão”. Nela HPB dá 1858 como o ano em que teve início os rumores sobre a criança e seus amantes:

 

“Em 1858 eu estava em Londres; lá surgiu uma história sobre uma criança, que não é minha (...). Uma e outra coisa foram ditas a meu respeito; que eu era depravada, possuída por um demônio etc. Eu direi tudo que julgar conveniente, tudo que fiz durante os vinte anos ou mais, nos quais dei risada do qu’en dira-t-on e encobri todos os traços daquilo em que estava realmente ocupada, i.e., as ciências ocultas, pelo bem de minha família e parentes que na época teriam me amaldiçoado. Eu contarei como, desde meus dezoito anos, tentei fazer com que as pessoas falassem de mim, e  dissessem que esse e aquele homem eram meus amantes, e centenas deles.” (Solovyoff, 178)

 

 

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Agardi Metrovitch: Pai de Yury?

 

            Embora HPB tenha guardado segredo sobre quem era a mãe de Yury, ela declara que o pai era o Barão Nikolai Meyendorff, da Estônia. No entanto, para alguns biógrafos como Marion Meade, que consideram Yury como filho biológico de HPB, o pai seria o seu velho amigo Agardi Metrovitch. Isso porque havia um antigo falatório de que eles eram amantes e também porque Metrovitch esteve em Tiflis durante a época em que HPB lá estava, em 1863. (LBS, 189)

 

            Contudo, se nossa hipótese de que Yury já estava com HPB, desde seu retorno em 1859 for correta, o fato de HPB ter encontrado com Metrovitch em Tiflis em nada reforça a hipótese dele ser o pai. Além disso, o passaporte emitido a pedido de Nikifor, dando autorização para Yury viajar com HPB, é de agosto de 1862. Por isso mesmo, a própria Meade dá como época para o nascimento de Yury o final de 1861 ou início de 1862.

 

            HPB realmente foi grande amiga de Metrovitch por muitos anos. Ele era seu “mais fiel e devotado amigo desde 1850”, quando ela o ajudou a escapar da prisão na Áustria “com a ajuda da Condessa Kisselev”. (LBS, 189). Madame Blavatsky atribui o falatório de que Metrovitch era seu amante a Emma Coulomb. Isso porque, quando estavam juntas no Cairo, em 1872, ela presenciou cuidados especiais que HPB dispensou a Metrovitch fazendo-a:

 

“... abrir seus olhos e ouvidos e ela começou a bisbilhotar e me incomodar para eu lhe dizer se era verdade – o que as pessoas diziam de mim – que eu era secretamente casada com ele, e suponho que ela não ousava dizer o que as pessoas acreditavam, muito caridosamente: que ele era algo pior que um marido. Eu mandei ela pastar e lhe disse que as pessoas podiam acreditar e dizer o que quisessem, pois eu não ligava. Esse é o germe de todo o falatório posterior. (...) O cônsul me disse que eu não tinha nada que ser amiga de revolucionários e mazinistas e que as pessoas diziam que ele era meu amante. Eu lhe respondi que como ele (Ag. Metrovich) havia vindo da Rússia com um passaporte regular, era amigo de meus parentes e não havia feito nada contra o meu país, eu tinha o direito de ser amiga dele e de quem mais eu escolhesse. E quanto à conversa suja a meu respeito, eu estava

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acostumada a isso e apenas lamentava que a reputação não correspondesse aos fatos – ‘avoir le reputation sans en avoir les plaisirs’ [‘ter a reputação sem ter os prazeres’] – (se algum) tem sido sempre o meu destino.” (LBS, 190)

 

 

Nathalie Blavatsky: Mãe de Yury?

 

            Além de contar para Sinnett que Yury era filho do Barão Meyendorff, Madame Blavatsky lhe fala de uma certa Nathalie Blavatsky, que teria tido um romance com Meyendorff, dando a entender que Nathalie seria a mãe de Yury:

 

“Você diz: “Assim, por exemplo, devemos trazer tudo daquele incidente Metrovitch.” Eu digo, não devemos. Essas Memórias não trarão minha defesa (...) simplesmente porque “Metrovitch” é apenas um dos muitos incidentes que o inimigo joga na minha cabeça. Se eu tocar nesse “incidente” e me defender plenamente, um Solovyoff ou algum outro salafrário, trará Meyendorff e “o incidente das três crianças.” E se eu publicasse suas cartas (que estão com Olcott) dirigidas para sua “querida Nathalie” em que ele fala de seu cabelo negro como o corvo, “Longs comme um beau manteau de roi” [longos como um belo manto de rei], (...) então eu estaria simplesmente dando um tapa na cara de uma mártir morta, e fazendo surgir uma sombra conveniente sobre mais alguém da longa galeria de meus supostos amantes.” (LBS, 143)

 

            Por que essas cartas estavam com Olcott é algo difícil de entender, mas deve ser a elas que ele se refere quando escreve:

 

“... durante anos tive em minha posse um maço de cartas antigas que provavam a sua inocência [de HPB], com relação a uma determinada falta grave da qual ela havia sido acusada, enquanto que deliberadamente sacrificou sua própria reputação para salvar a honra de uma jovem senhora que havia caído em desgraça.” (ODL II, 135)

 

            Jean Overton Fuller em seu livro Blavatsky and Her Teachers (Blavatsky e Seus Instrutores) levanta a hipótese de que Nathalie Blavatsky seria uma irmã solteira de Nikifor, e que por isso ele teria aceito Yury. Seja isso verdade ou não, o fato é que a reputação de Nathalie não era das melhores pois,

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em seu Scrapbook, HPB comenta que o famoso médium D.D. Home com certeza “reuniu com o maior cuidado os falatórios mais sujos a respeito de Nathalie Blavatsky. (CW I, 204)

 

            É bom lembrar que a reputação da própria HPB também não era nada boa, uma vez que ela mesma fazia com que as pessoas inventassem falatórios sujos a seu respeito: “desde meus dezoito anos, tentei fazer com que as pessoas falassem de mim, e dissessem que esse e aquele homem eram meus amantes, e centenas deles.” (Solovyoff, 178)

 

            Essa não é a única referência sobre o passado “sujo” de HPB. Numa carta escrita em 14 de novembro de 1874 para Aksakov, HPB também fala de seu passado de um modo que dá a entender que sua juventude realmente estava sujeita a muitos falatórios.

 

            Aksakov havia escrito uma carta em francês para Andrew Jackson Davis, onde comentava que embora tivesse ouvido falar que HPB era uma médium bastante poderosa, “infelizmente suas comunicações se ressentem de sua moral, que não tem sido das mais severas”. (Solovyoff, 227) Como A.J. Davis não entendia bem o francês, a seu pedido a própria HPB lhe traduziu a carta. Então HPB escreve para Aksakov:

 

“Quem quer que seja que lhe contou sobre mim, lhe falou a verdade, em essência, se não nos detalhes. Só Deus sabe o quanto tenho sofrido por meu passado. É claramente meu destino não receber absolvição na terra. Esse passado, como a mancha da maldição sobre Caim, tem me perseguido toda a minha vida e me persegue até mesmo aqui, na América [EUA], para onde vim para estar longe dele e das pessoas que me conheceram em minha juventude. Tenho um pedido para lhe fazer: Não me prive da boa opinião de Andrew J. Davis. Não lhe revele aquilo que, se ele souber e estiver convencido disso, me forçaria a escapar para os confins da terra. Tenho apenas mais um refúgio no mundo, que é o respeito dos espíritas da América, que desprezam o ‘amor livre’ mais do que qualquer outra coisa.” (Solovyoff, 228-230)

 

            “Amor livre” era a expressão designada na época para as pessoas que moravam juntas sem serem casadas. Sua tia Nadya contou para Sinnett que Nathalie era um dos muitos nomes com que confundiam Madame Blavatsky. E que, embora HPB tivesse passado várias vezes pela Europa, ela nunca teria morado lá. Por isso:

 

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“... seus amigos ficaram tão surpresos quanto pesarosos ao ler anos depois fragmentos de sua suposta biografia, que a mencionavam como uma pessoa bem conhecida tanto na alta quanto na baixa sociedade de Viena, Berlim, Varsóvia e Paris, e relacionavam seu nome com eventos e historias que teriam acontecido nessas cidades, em várias épocas, quando seus amigos tinham todas as provas possíveis de que ela estava longe da Europa. Essas histórias se referiam a ela indistintamente por nomes como Julie, Nathalie etc., que eram realmente nomes de outras pessoas com o mesmo sobrenome; e atribuíam a ela várias aventuras extravagantes.” (Sinnett 1886, 73)

 

            Albert Rawson, companheiro das primeiras viagens de HPB, refere-se a Nathalie Blavatsky como sendo uma senhora muito conhecida no Cairo, que teria morrido em 1868, na residência de um amigo, próxima a Áden. Rawson também afirma que a Sra. Lydia Paschkoff havia conhecido as duas Blavatsky: Nathalie e Helena. (Rawson 1989, 27-28)

 

 

Barão Meyendorff: Pai de Yuri?

 

            Em carta a Sinnett, HPB escreve que Solovyoff lhe disse ter se encontrado com Meyendorff, e que esse lhe confessou que Yury era filho dele e de Madame Blavatsky:

 

“Ele diz que ele (S.) [Solovyoff] encontrou pessoalmente com o Barão Meyendorff, que lhe confessou que esteve tão apaixonado por mim (!!) que havia até mesmo insistido para que eu obtivesse o divórcio do velho Blavatsky, e me casasse com ele, Barão Meyendorff. Mas que felizmente eu recusei isso, e ele ficou muito feliz porque descobriu mais tarde que mulher sem honra, LICENCIOSA eu era, e que a criança era SUA E MINHA!!! E o atestado do médico de que nunca dei à luz, não apenas a uma criança, mas nem mesmo a uma doninha? No entanto ele [Solovyoff] mente, estou certa, pois sendo covarde e fraco como sei que é Meyendorff, ele nunca poderia ter-lhe dito uma coisa dessas.” (LBS, 207)

 

            Um dos biógrafos hostis à Madame Blavatsky; Bechhofer Roberts, afirmou que conversando com uma cunhada do Barão Meyendorff, essa teria lhe contado que ele era um espírita entusiasmado, amigo do médium Daniel Douglas Home, e que o Barão:

 

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“... caiu sob a influência de H.P.B. após o retorno dela para Rússia em 1858, e começou um caso com ela. Ela deu a luz um filho, que garantiu ao Barão ser dele. Ele e seu irmão duvidaram dessa afirmação – provavelmente suspeitando que Metrovitch fosse o pai – mas assumiram o sustento da criança, que era doente e corcunda.” (Fuller, 55)

 

            A Baronesa Meyendorff também contou para Bechhofer que haviam preservado na residência deles na Estônia várias fotos de HPB com a criança. Infelizmente as fotos foram depois destruídas pelos bolchevistas.

 

            Seja Yury adotado ou seu filho natural, a época em que a Baronesa Meyendorff situa o caso – 1858 – reforça nossa hipótese de que quando HPB reencontrou seus familiares, em janeiro de 1859, ela já estava com Yury.

 

            Como já vimos, a menção de HPB à reação de seu pai, também induz a mesma conclusão, uma vez que dá a impressão de que ele primeiro desconfiou que HPB fosse a mãe, levando-a a fazer o exame médico em Pskov, com Bodkin e Pirogoff. Ele aceitou o atestado, e então tiveram um período de convivência: “Depois, ele teve pena e afeiçoou-se àquela pobre criança inválida.” (LBS, 151) E o único período dessa época que com certeza HPB conviveu com o pai foi desde sua chegada até a primavera de 1860 quando partiu para o Cáucaso. Sua reação de desconfiança seria bastante natural se, após quase dez anos de ausência, visse a filha retornando com um bebê nos braços.

 

            Assim, é bastante provável que sua resolução de criar uma criança tenha sido um dos principais motivos que a levou de volta para a família, encerrando quase dez anos de viagens pelo mundo, pois seria muito difícil cuidar de uma criança pequena nessas perambulações, sem o apoio familiar.

 

 

Rougodevo: Fenômenos e Doença Misteriosa (1859)

 

            De acordo com sua irmã Vera, logo depois do retorno de HPB, as duas acompanhadas pelo pai, foram morar numa casa de campo que seu falecido marido comprara um ano antes. No caminho, pararam algum tempo em São Petersburgo. A casa ficava numa pequena vila,

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Rougodevo, próximo a Pskov, a uns 200 km de São Petersburgo. (Sinnett 1886, 116) Após se estabelecerem, a família de HPB se viu como que subitamente transportada para um mundo de magia e de fenômenos, no qual:

 

“... gradualmente ficamos tão acostumados a ver a mobília movendo-se sozinha, a ver coisas sendo transportadas de um lugar para outro, da maneira mais inexplicável, e a uma forte interferência e presença em nossas questões cotidianas por algum poder que nos era desconhecido, mas inteligente, que todos nós acabamos lhe dando muito pouca atenção, embora os fatos fenomênicos impactem a qualquer um por serem simplesmente miraculosos.” (Sinnett 1886, 128)

 

            Mesmo o pai de HPB, que antes dizia que poderiam interná-lo num asilo de loucos se algum dia ele acreditasse que uma mesa poderia se mover ou voar, agora passava seus dias e parte de suas noites conversando com os “espíritos de Helena”. Eles lhe informaram numerosos eventos e detalhes das vidas de seus antepassados. (Sinnett 1886, 128)

 

            Mas a tranquilidade da estadia em Rougodevo foi interrompida por uma terrível doença de HPB. Uma ferida que ela já possuía há muitos anos – e que a família não sabia como havia sido adquirida – reabriu-se, trazendo-lhe muita dor, convulsões e um estado de transe no qual ela parecia estar morta:

 

“A doença costumava durar de três a quatro dias, e então a ferida ficaria curada tão subitamente quanto havia reaberto, como se uma mão invisível a tivesse fechado, e ali não ficava qualquer traço de sua doença. Mas a assustada família, que de início ignorava essa estranha peculiaridade, estava realmente com muito medo e desesperada. Um médico foi mandado da cidade vizinha, mas mostrou ser de pouca utilidade, não tanto devido a sua ignorância de cirurgias, mas devido a um notável fenômeno que o deixou quase sem reação, por ter ficado simplesmente aterrorizado diante do que presenciou. Ele mal havia examinado a ferida da paciente prostrada diante dele, totalmente inconsciente, quando subitamente viu uma grande mão escura, entre a sua própria mão e a ferida que ele ia untar. A ferida aberta ficava perto do coração e a mão ficou movendo-se vagarosamente, por várias vezes, do pescoço até a cintura. Para aumentar seu terror, subitamente começou na sala um barulho tão terrível, uma tal confusão de

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barulhos e sons vindos do teto, do chão, das vidraças e de cada pedaço da mobília do apartamento, que ele implorou que não fosse deixado a sós no quarto com a paciente inconsciente.” (Sinnett 1886, 134)

 

            Na primavera de 1860 as duas irmãs partiram de Rougodevo para visitar os avós no Cáucaso, a quem Madame Blavatsky não via há vários anos.

 

 

No Cáucaso, com Nikifor e Yury (1860-1862)

 

            Em citação anterior, vimos que HPB confessou ao amigo príncipe Dondoukoff-Korsakoff que conviveu com Nikifor por “um ano sob o seu teto”. Entretanto, os relatos de sua irmã Vera, que são muito acurados quanto a datas, indicam que o período logo após o casamento, junto a Nikifor, foi realmente de três meses, o que já nos deixa vislumbrar o fato que HPB voltou a conviver com Nikifor numa época posterior, o que explica ter vivido “um ano sob o seu teto”.

 

            Em junho de 1884 ela reafirma claramente que após retornar a Tiflis reconciliou-se com Nikifor: “Foi em 1861 que eu retornei a Tiflis e que Blavatsky e eu estávamos reconciliados e moramos por um ano na mesma casa; mas me faltou paciência para morar com um tal tolo e fui embora novamente.” (HPB Speaks II, 152)

 

            Nessa carta ela junta uma petição oficial ao próprio Dondoukoff, que na época era o comandante-chefe do Cáucaso, pedindo-lhe que expedisse um testemunho oficial de que nada havia no Cáucaso contra ela. Ela escreve:

 

“Então, na segunda vez em que vim para Tiflis, para ver meu parente, o Conselheiro André Mihailovich Fadeyev, em 1860, e fiquei por cerca de um ano com meu marido Blavatsky (que era então um Conselheiro de Estado). O endereço era na Avenida Golovinsky, na casa do Sr, Dobrzhausky.” (HPB Speaks II, 156)

 

            Outra evidência dessa reconciliação é o passaporte já mencionado, emitido para HPB em 23 de agosto de 1862, em Tiflis. O original encontra-se nos Arquivos da Sociedade Teosófica de Point Loma. Nele está escrito que o passaporte foi emitido:

 

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“... em atendimento a uma petição apresentada por seu marido, para efeito de que ela, Madame Blavatsky, acompanhada pela criança sob a guarda deles, Yury, fosse para as províncias de Tauris, Cherson e Pskov pelo período de um ano.” (CW I, xlvi)

 

            Além do passaporte, outra evidência clara da colaboração de Nikifor com HPB é uma carta de sua tia Katherine de Witte. HPB deve ter Ihe escrito pedindo dinheiro, pois a tia responde criticando-a e revelando o auxílio financeiro de Nikifor:

 

“Alguém poderia acreditar que você não tem nem mesmo um kopek, como outras pessoas pobres. E a pessoa ficaria muito surpresa descobrindo que você recebe 100 rublos todo mês. Porque eu estou bastante segura que você está recebendo, com a exceção de um dos meses do inverno, quando Blavatsky também não recebeu seu salário. Tenho uma carta de Alek. Fed. [Major Alexander Fyodorovitch von Hahn] na qual ele diz que enviou minha carta e o dinheiro de Blavatsky para você ... Isso aconteceu em julho; agora estamos em agosto e Blavatsky novamente lhe enviou dinheiro alguns dias atrás, na presença do marido de N___.” (Murphet 1988, 51)

 

            Assim, fica claro que desde o início houve algum tipo de colaboração entre os dois e que o relacionamento deles não se limitou apenas à birra de uma adolescente com um “velho”, do qual teria fugido após três meses, e nunca mais encontrado, conforme nos conta a “historia oficial”. Talvez em gratidão àquele que lhe auxiliou no começo de sua jornada é que Helena Petrovna nunca tenha deixado de ser H.P. Blavatsky.

 

 

Desenvolvimento de Poderes Psíquicos (1865)

 

            Nesses anos em que morou no Cáucaso, assim como em épocas posteriores de sua vida, aonde quer que Madame Blavatsky fosse, tinha muitos amigos, mas os inimigos eram ainda mais numerosos, porque:

 

“Ela desafiava a todos e não se submetia a nenhuma restrição; não condescenderia a adotar qualquer método mundano para aplacar a opinião pública. Ela evitava a sociedade, mostrando seu desprezo por seus ídolos e era, por isso, tratada como uma perigosa

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iconoclasta. Todas as suas simpatias estavam com aquela parte proscrita da humanidade que a sociedade finge ignorar e evitar, enquanto secretamente corre atrás de seus mais ou menos renomados membros – os necromantes, os obsedados, os possuídos, e personagens misteriosos desse tipo.” (Sinnett 1886, 145)

 

            Além disso, seu comportamento em nada convencional para a época, como cavalgar sozinha pelas florestas, preferindo cabanas sujas aos salões e às frivolidades da nobreza, também lhe traziam uma má reputação.

 

            Foi durante esse período no Cáucaso que seus poderes ocultos tornaram-se cada vez mais fortes e ela começou a controlar os fenômenos com o poder de sua própria vontade. Seus dons fizeram com que muito falassem a seu respeito. A nobreza supersticiosa começou a considerá-la como uma feiticeira e pessoas vinham de longe para consultá-la sobre questões particulares. Há muito que ela deixara de lado as comunicações através de batidas e preferia responder às pessoas verbalmente ou escrevendo. Algumas vezes, durante esse processo:

 

“Madame Blavatsky parecia entrar num tipo de coma, ou sono magnético, com os olhos bem abertos, embora sua mão nunca parasse de se movimentar e continuasse a escrever. Quando respondendo, dessa maneira, a questões mentais, raramente as respostas eram insatisfatórias. Geralmente elas surpreendiam os inquiridores – amigos e inimigos.” (Sinnett 1886, 146)

 

            Esse desenvolvimento de seus poderes psíquicos parece estar de algum modo relacionado a outra doença que ela teve. Isso ocorreu quando HPB estava morando em Ozurgety, um pequeno posto militar na Mingrelia, onde havia comprado uma casa. Era um vilarejo perdido entre antigas florestas. Naqueles dias não havia estradas nem facilidades de transporte, a não ser os do tipo mais primitivo. Durante a doença, ela começou a viver uma “vida dupla” que ninguém na Mingrelia podia compreender. Ela descreve os sintomas:

 

“Sempre que era chamada pelo nome, abria os olhos quando ouvia o chamado e era eu mesma, com minha própria personalidade em todos os detalhes. Mas logo que me deixavam sozinha, no entanto, recaía em minha habitual condição semi consciente e me tornava uma outra pessoa (quem era, Madame B. não contará).

(p. 37)

(...) Quando acordada, e sendo eu mesma, lembrava-me perfeitamente de quem eu era no meu segundo papel, e do que tinha sido e estava fazendo.” (Sinnett 1886, 147-48)

 

            HPB sofria de uma febre branda que a consumia lentamente, deixando-a completamente sem apetite, Ela quase não se alimentava, às vezes por uma semana inteira, tomando apenas um pouco de água, de modo que em quatro meses ficou muito magra. (Sinnett 1886, 148)

 

            Por ordens do médico local que não conseguia compreender seus sintomas, foi levada num bote nativo, pelo rio Rion, para Kutais, acompanhada por quatro serviçais. Sua fraqueza era tal que ficou estendida no fundo do bote, como morta. Durante três noites consecutivas, enquanto o pequeno bote andava pelo rio estreito, cercado dos dois lados por florestas centenárias, seus serviçais morriam de medo, porque juravam ver a patroa sair do corpo estendido no fundo do barco e ir para as florestas que margeavam o rio. Por duas vezes o homem que dirigia o barco fugiu aterrorizado. Graças a um velho serviçal HPB não foi abandonada no barco e chegou até Kutais. Foi então transportada numa carruagem até Tiflis, aparentemente quase morta.

 

            Logo depois, entretanto, passou por mais uma de suas súbitas e inexplicadas curas, embora tenha permanecido convalescente por algum tempo. Assim que se recuperou, em 1865, deixou o Cáucaso e foi para a Itália. O fortalecimento e controle de seus poderes psíquicos está indicado numa carta de HPB para sua família, na qual ela afirma “não mais ficarei submetida às influências externas”, pois agora [em 1866]:

 

“Os últimos vestígios da minha fraqueza psicológica desapareceram para nunca mais voltar. (...) Estou livre e purificada daquela horrível atração que alimentavam por mim os cascarrões errantes, bem como as afinidades etéreas. Estou livre, livre, graças àqueles que agora bendigo a todo instante de minha vida.” (Sinnett 1886, 152)

 

            Essa era apenas a conclusão de uma etapa do treinamento e desenvolvimento de suas capacidades psíquicas. Como veremos mais adiante, HPB passará novamente por um período de doença, vida dupla e novo desenvolvimento de poderes anos mais tarde. Isso acontecerá em meados de 1875, quando estava casada com Betanelly e morando em Filadélfia,

 

 

(p. 38)

Viajando Nos Cárpatos (1867)

 

            Embora sua irmã somente mencione que após sua recuperação, em 1865, ela partiu do Cáucaso para a Itália, há nos Arquivos em Adyar um pequeno diário de viagens de HPB que dá informações mais exatas. Escrito em francês, sem estar datado, mostra através de episódios históricos citados que ela esteve em Belgrado em abril de 1867, viajou de barco pelo Danúbio e de carruagem por várias cidades da Hungria e Transilvânia. (CW I, 11-22)

 

            As anotações estão quase sempre relacionadas a eventos musicais e teatros, dando a impressão de que ela estava viajando com Metrovitch, pois ele era um cantor de ópera. Há também algumas anotações de tarifas de trens na Áustria, de Viena para Graz, de lá para Leibach, de Viena para Trieste e de lá para Veneza, indicando que ela pode ter ido à Itália em seguida.

 

            Jean O. Fuller, em seu livro Blavatsky and Her Teachers, acha que HPB não estava com Metrovitch, mas que talvez ela mesma estivesse dando alguns recitais de piano durante a viagem. (Fuller, 19) Porém, o fato de nas anotações não existir qualquer menção a ele ou a qualquer outro acompanhante, não quer necessariamente dizer que ela estivesse viajando sozinha. Outros biógrafos acham que ela estava tanto com Metrovitch quanto com Yury. (Meade, 90-91)

 

            Assim como nos primeiros anos de viagens pelo mundo, há várias incertezas sobre esse período, que foram deliberadamente geradas por HPB, que não queria que ninguém soubesse onde estava ou o que fazia:

 

“Então, dos 17 aos 40, tomei o cuidado de apagar todas as pistas a meu respeito, por onde quer que tenha andado em minhas viagens. Quando estava em Bari, na Itália, estudando com uma feiticeira local – enviava minhas cartas para Paris, para postá-las de lá para meus familiares. A única carta que eles receberam de mim, da Índia, foi quando estava partindo de lá, na primeira vez. Depois de Madras, em 1857; quando estava na América do Sul, escrevi para eles e postei através de Londres. Nunca permiti que as pessoas soubessem onde eu estava e o que estava fazendo. Tivesse eu sido uma p__ comum, eles teriam preferido isso a que eu estivesse estudando ocultismo.” (LBS, 154)

 

(p. 39)

            Um local dado como certo que HPB esteve, entre 1865 e 1868 é na batalha de Mentana, na Itália, que ocorreu em novembro de 1867. Entretanto, o que ela fazia por lá é um mistério, que mesmo na época era conhecido apenas por poucas pessoas: “Os Garibaldi (os filhos) são os únicos que sabem de toda a verdade e mais alguns garibaldianos com eles. O que eu fiz, você sabe parcialmente, não sabe de tudo.” (LBS, 144) Mas HPB garante que:

 

“Nunca estive no “grupo de Garibaldi”. Fui com amigos para Mentana para ajudar a atirar nos Papistas e fui alvejada. Isso não é da conta de ninguém – menos ainda de qualquer m__o [maldito] repórter.” (CW I, 55)

 

            De qualquer modo, ela indica para Sinnett que quando o príncipe Michael Obrenovitch foi morto, ela:

 

“... estava em Florença, após Mentana, e em meu caminho para a Índia com o Mestre, desde Constantinopla. (...) Eu estava em Florença perto do Natal, talvez um mês antes, quando o pobre Michael Obrenovitch foi morto. Então fui de Florença para Antemari em direção de Belgrado onde, nas montanhas, tive que esperar (como ordenado pelo Mestre) – indo para Constantinopla, passando pela Sérvia e as montanhas Cárpatos, esperando por uma certa pessoa que ele havia enviado para me encontrar”. (LBS, 151)

 

            Em junho de 1868, o príncipe Michael Obrenovitch, sua tia Catherine e a filha dela foram assassinados no jardim da casa em Belgrado, à luz do dia, sem que descobrissem quem foram os assassinos. Em dezembro de 1875, HPB publicou no New York Sun uma história, sob o título de “Uma História do Misterioso”, em que relata que o príncipe e seus familiares teriam sido vítimas de um ritual de magia.

 

            Anos mais tarde, em janeiro de 1883, a história foi republicada no The Theosophist sob o título “Pode o Duplo Matar?”, e veio a fazer parte de uma coletânea de 7 histórias publicadas em 1892, sob o título Nightmare Tales (Histórias de Pesadelos). Das sete histórias, reconhece-se que pelo menos três delas foram compostas em parceria com o “adepto que escreve histórias com HPB” (LMW 1st Series, 50), isto é, o Mestre Hillarion. Ela comenta:

 

“Eu escrevo histórias sobre fatos que aconteceram aqui e acolá, com pessoas vivas, apenas mudando seus nomes (não em ‘Pode o Duplo Matar?’, onde fui tão tola que coloquei os personagens verdadeiros); e isso me foi apresentado e arranjado por Illarion”. (LBS, 152)

 

 

(p. 40)

Morte de Yury (1867)

 

            HPB contou para Sinnett que após Tiflis ela encontrou-se com Metrovitch na Itália. Ela havia levado “a pobre criança para Bolonha, para ver se poderia salvá-la”. (LBS, 144) Nessa ocasião:

 

“... ele fez tudo que pode por mim, mais do que um irmão. Então a criança morreu; e como ela não tinha nenhum tipo de documento, e eu não me importava em dar meu nome como alimento para os falatórios amáveis, foi ele, Metrovitch, que assumiu todo o trabalho, que enterrou o aristocrático filho do Barão – sob o seu próprio nome, Metrovitch, dizendo que “não se importava”, numa pequena cidade do sul da Rússia, em 1867. Depois disso, sem avisar meus familiares que havia retornado à Rússia para trazer de volta o infeliz menininho, que não consegui devolver com vida para a governanta que o Barão escolhera para ele, simplesmente escrevi para o pai da criança notificando-o sobre essa ocorrência agradável para ele e voltei para a Itália com o mesmo passaporte.” (LBS, 144)

 

            Numa carta para Dondoukoff, HPB parece estar se referindo à morte de Yury, quando escreve que:

 

“Eu estava com 35 anos quando o vi pela última vez. Não vamos falar dessa época terrível e eu lhe imploro que a esqueça para sempre. Eu havia recém perdido o único ser que fazia a vida valer a pena ser vivida, um ser a quem amei, parafraseando Hamlet, como “quarenta mil pais e irmãos nunca amarão seus filhos e irmãs”.” (HPB Speaks II, 19)

 

            E em outra carta para Dondoukoff, dá a impressão de que HPB havia deixado Yury na Rússia para poder retomar suas viagens mas, muito saudosa, resolveu desobedecer seu “hindu invisível” e foi para Kiev onde perdeu “tudo que me era mais caro no mundo”:

 

“De 1865 até 1868, enquanto pensavam que eu estava na Itália ou em algum outro lugar, eu havia ido novamente para o Egito, de onde deveria ir para a Índia, mas me recusei a fazê-lo. Foi então que, voltando para a Rússia, contra o conselho do meu indiano invisível, pois ele queria que, ao invés disso, eu fosse para a “Lamaseria” de Top-Ling, para além dos Himalaias onde eu havia me sentido tão bem, levada pelo meu desejo de ver novamente – (não,

(p. 41)

perdoe-me por não dizer, mas não tenho forças para tanto) – digamos, para ver meu país – vim a Kieff, onde perdi tudo que me era mais caro no mundo e quase fiquei louca.” (HPB Speaks II, 26)

 

            Há algumas evidentes confusões nessas referências. Como vimos, para Sinnett ela diz que estava com Yury e que levou-o para Bolonha para tentar salvar sua vida. Teria encontrado com Metrovitch na Itália, que a acompanhou e, juntos, acabaram enterrando a criança numa cidadezinha do sul da Rússia, em 1867.

 

            Para Dondoukoff ela dá outra versão: que aos 35 anos – isto é, 1866 ou no primeiro semestre de 1867, Yury havia recém morrido. Que ela estava no Egito entre 1865 e 1868, e não na Itália e que, ao invés de ir para o Tibet, voltou para a Rússia. E em Kiev, Yury teria morrido e sido enterrado.

 

 

Até o Final Persistem Suspeitas sobre Yury (1890)

 

            HPB faleceu em 8 de maio de 1891. Menos de um ano antes de sua morte, em 20 de julho de 1890, Elliot Coues publicou no jornal de Nova Iorque The Sun um artigo chamado “Blavatsky Unveiled?” (Blavatsky Revelada?).

 

            Nele Coues diz que o Sr. W.E. Coleman recebeu uma carta de Daniel D. Home, situando HPB “em Paris em 1857 ou 58, como uma mulher de reputação suspeita, tendo um caso com o príncipe Emil de Wittgenstein, de quem ela teve um filho deformado, que morreu em Kiev, em 1868.” (Coues)

 

            Essa afirmação fez com que HPB movesse uma ação contra Coues e o jornal The Sun, na qual Judge atuou como seu advogado. Ao comunicar à Sociedade Teosófica sua decisão de entrar com a ação judicial, HPB escreve:

 

“Por cerca de quinze anos tenho calmamente aguentado e visto meu bom nome sendo atacado por intrigas de jornais (...) Alguns membros podem perguntar porque nunca respondi àqueles ataques que eram dirigidos contra o Ocultismo e os fenômenos. Por duas razões: o Ocultismo nunca deixará de existir, não importa quão atacado, e os fenômenos ocultos nunca poderão ser provados numa corte de justiça durante esse século.” (Judge 1999, ii)

 

(p. 42)

            Mas como nesse caso o jornal além de atacar sua moral, atacava a de um velho amigo da família, já falecido, ela decidira entrar com um processo por difamação. Ser chamada de uma mulher de reputação suspeita era “tão ridículo que dá vontade de rir” (Judge 1999, iii), mas as outras acusações não podiam ficar sem uma condenação. O caso acabou sendo encerrado antes de ser concluído devido a morte de HPB, em 8 de maio de 1891.

 

            Em setembro de 1892 o jornal publicou uma retratação, dizendo que havia sido enganado por Coues, que não tinha nenhuma base sólida para suas acusações. Ainda em 1892, o próprio Coleman publicou em Bombay um folheto com o mesmo título do artigo de Coues, “Blavatsky Unveiled?”, reacendendo a questão. No folheto ele dá detalhes de uma carta que recebera de D.D. Home, datada de 12 de junho de 1882, em Genebra, falando sobre HPB:

 

“... ele diz que ela [HPB] estava em Paris em 1858. “Eu não tive nenhum interesse especial nela”, diz o Sr. Home, “a não ser uma estranha impressão que tive, na primeira vez que encontrei com um jovem cavalheiro, que desde então tem sido como um irmão para mim. Ele não seguiu meu conselho. Naquela época ele era seu amante, e era por demais repulsivo para mim que ela, com o intuito de chamar a atenção, fingisse ser uma médium. Meu amigo ainda pensa que ela é mediúnica, mas também está plenamente convencido de que ela é uma impostora.” (Coues)

 

            Esse jovem cavalheiro, que era como um irmão para Home, é identificado como o Barão Meyendorff. É importante realçarmos que a opinião de Home tinha uma grande influência naquela época, pois ele foi um dos mais conhecidos médiuns de seu tempo.

 

            Daniel Dunglas Home é considerado o maior médium físico da história do Espiritismo moderno. Home conseguia levitar, fazer música no ar, mover objetos etc. Em 1860 foi convocado por Napoleão Ill para ir ao seu palácio, onde foram realizadas várias seções mediúnicas. Sua fama se espalhou e outros reis e a alta sociedade passaram a requisitar sua presença. D.D. Home nunca aceitou qualquer pagamento por suas demonstrações.

 

            Em Roma, na primavera de 1858, Home conheceu Alexandrina (Sacha) de Kroll, uma russa cunhada do Conde Koucheleff-Besborodka. Pouco depois eles casaram-se em São Petersburgo. Em julho de

(p. 43)

1862, sua primeira esposa faleceu. Em 1871 casou-se novamente com uma rica senhora russa, Julie de Gloumeline, e passou a dar sessões em São Petersburgo.

 

            A fase mais importante da historia de D.D. Home foi quando sua mediunidade foi examinada por Sir William Crookes. Suas investigações começaram em maio de 1871, com grande publicidade da imprensa. Seu veredicto foi de que os fenômenos eram verdadeiros. Na década de 1870 D.D. Home encerrou suas atividades mediúnicas. Ele faleceu em junho de 1886, de tuberculose.

 

            Home foi também um grande opositor de HPB. O Mestre KH escreve numa carta a Sinnett que D.D Home era “o mais amargo e cruel inimigo que O. [Olcott] e Mad. B [Blavatsky] têm, embora ele nunca tenha encontrado nenhum deles.” (MLcr., 53)

 

            Na verdade há controvérsias nessa questão, se HPB encontrou ou não com D.D. Home. Como vimos na carta para Coleman, o próprio Home diz tê-la encontrado em Paris, no ano de 1858 quando ela seria amante de um jovem cavalheiro, que desde então tem sido como um irmão para mim”, isto é, do Barão Meyendorff. E numa entrevista para um repórter do jornal Daily Graphic de Nova Iorque, em 1874, HPB diz:

 

“Em 1858 eu voltei a Paris, e conheci Daniel Home, o espírita. Ele havia se casado com a condessa Kroble, uma irmã da condessa Koucheleff Bezborrodke, uma senhora de quem fui muito íntima em minha mocidade. Home me converteu ao Espiritismo. (...) Vi Home sendo carregado para fora de uma janela no quarto andar, baixado bem vagarosamente até o chão e sendo colocado em sua carruagem. Depois disso voltei para a Rússia e converti meu pai ao Espiritismo.” (Anonymous)

 

            Posteriormente HPB escreveu às margens do artigo, colado em seu Scrapbook, que essas informações eram mentiras do repórter, e que:

 

“... em toda a minha vida nunca vi nem D.D. Home, nem sua esposa; nunca estive na mesma cidade que ele por meia hora, em minha vida. De 1851 a 1859 estava na Califórnia, Egito e Índia. Em 1856-58 estava no Kashmere e em outros lugares.” (Anonymous, fac-símile)

 

(p. 44)

            Mas de outras fontes fica claro que HPB conhecia pelo menos a primeira esposa de D.D. Home, a Condessa Alexandrine (Sasha) de Kroll. O periódico Human Nature de abril de 1872, anunciava a formação da Société Spirite no Cairo e publicava uma nota da própria HPB, onde ela se apresenta como uma amiga da falecida esposa de D.D. Home:

 

“Gostaria de assinar sua valiosa publicação, O MÉDIUM. Por favor, me informe qual será o preço da assinatura. Se por acaso encontrar com o Sr. D. Home, o médium, por favor, lhe diga que uma amiga de sua falecida esposa, “Sacha” – uma amiga de St. Petersburgo de anos passados – lhe envia suas melhores recomendações e lhe deseja prosperidade.” (Burns)

 

 

 

Alfred Percy Sinnett.

 

 

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