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XI – OS PROBLEMAS MUNDIAIS E A FRATERNIDADE UNIVERSAL:
         
 
As Premissas e as Instituições Centrais do Liberalismo
129 – “A tendência democrática que alguns de nós tanto enaltecem não representa, como geralmente se supõe, a realização última da sabedoria humana, mas é uma experiência que já foi tentada e levada até sua conclusão lógica há milhares de anos, e depois abandonada com universal aversão, por irracional e inexequível e chegar a uma confusão sem fim. Se devemos renovar o curso dessa experiência, parece desagradavelmente certo que deveremos atravessar uma grande parte da confusão e dos sofrimentos consequentes, uma vez mais, antes de chegar ao estágio do bom senso (…).” (C.W. Leadbeater, O Lado Oculto das Coisas, Capítulo 24, p. 357)
            
Neste texto, nos alongaremos um pouco mais no exame das premissas e das 
instituições centrais do Liberalismo do que naquelas do Marxismo, pela simples 
razão de que em nossos dias, após o desmembramento e as mudanças ocorridas anos 
atrás na extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), as 
instituições do Liberalismo tornaram-se amplamente dominantes no mundo.
            
A Premissa Fundamental: Todo Homem é Lobo do Homem
            
O Liberalismo surge como uma reação à ordem absolutista, sendo que um dos 
últimos grandes teóricos do Absolutismo foi Thomas Hobbes (autor da famosa obra O Leviatã), o qual concebia o ser humano como naturalmente 
egoísta, senão violento, conforme lemos na citação a seguir:
            
130 – “Para chegar a justificar o governo absoluto, Hobbes parte da descrição do 
estado de natureza que, segundo se acreditava comumente por esta época, teria 
precedido o estado social. Encontra-se, sem nenhuma dúvida, no curso dessa 
descrição, traços do primeiro livro de história de Tucídides, no qual 
esse autor conta que numa época longínqua os gregos viviam de rapinagens e de 
violências, e que a única lei era a do mais forte.
            “Tais eram, segundo Hobbes, os costumes de todos os homens 
primitivos. Dessa forma, no seio desses povos, nem os homens nem os bens 
gozavam jamais de segurança. Cada um devia se defender contra a violência dos 
outros, e cada homem era lobo para os outros homens, homo homini lupus. Por toda parte 
irrompia a luta de cada um contra todos – bellum omnium contra omnes.
            
“A fim de sair desse estado caótico, todos os indivíduos teriam cedido todos os 
seus direitos ao Estado. Cada qual teria colocado suas forças ao serviço 
estatal, a fim de que esse tivesse a possibilidade de por termo às violências de 
todos e remediar esse estado de coisas insuportável.” (G. Mosca e G. Bouthoul, História das Doutrinas 
Políticas, p. 189)
            
“Leviatã” é o nome de um animal feroz e muito poderoso, ao que tudo indica o 
crocodilo do Nilo, que é descrito na Bíblia, nos cap. 40 e 41 de Jó, e sobre o qual ele escreve: “Não há 
poder sobre a terra que se lhe compare, pois foi feito para que não temesse a 
nenhum.” (Jó,
41:24). É claro que Hobbes, ao valer-se da figura do 
Leviatã, sustenta que um papel benigno é desempenhado por um poder assim (o do 
monarca absoluto) o qual, ao atemorizar a todos, pode “por termo às violências 
de todos e remediar esse estado de coisas insuportável”.
            
Nos primórdios da corrente do Liberalismo, a exemplo de um dos seus grandes 
iniciadores que foi o inglês John Locke, parte-se da mesma concepção de homem 
como um ser basicamente egoísta, mas chega-se a conclusões exatamente opostas e, 
diga-se de passagem, muito mais lógicas que as de Hobbes. Ou seja, se todo o 
homem é lobo dos demais homens, então de pouco nos adiantará termos um Leviatã 
pois, logicamente, esse também será um lobo, preocupando-se apenas com os 
seus interesses e dos que lhe são caros, às expensas do bem-estar dos muitos que 
seriam por ele explorados em benefício desses poucos. De fato, após tantos anos 
de predomínio das idéias liberais, quase ninguém mais associa o Leviatã com um 
poder que exerce um papel socialmente benéfico, mas sim com um monstro aterrador 
de grande malignidade.
            
E é exatamente isso que muitos dos primeiros liberais denunciavam, e contra o 
que se insurgiam, pois o que podiam observar era justamente uma corte muito 
faustosa e cheia de privilégios, enquanto que crescia a miséria entre a 
população menos favorecida. Os primeiros liberais enfrentaram, 
desse modo, uma espécie de dilema: se não houvesse um poder maior os homens logo 
cairiam na barbárie, mas caso houvesse um poder maior, esse (também sendo lobo) 
acabaria explorando os seus semelhantes.
            
A Ordem de Contrapesos (Equilíbrio Mecânico de Forças)
            
A resposta desses pensadores a esse dilema deu forma às instituições liberais 
fundamentais, as quais, depois de alguns aprimoramentos e de muitas lutas, 
finalmente, resultaram vencedoras, e perduram até os nossos dias. Que resposta 
foi essa? Foi a
idéia de criar-se o que na ciência política chama-se de uma ordem de 
“contrapesos”. Ou seja, alguém apenas faria as leis, outro apenas seria 
responsável pela execução dessas leis, e um terceiro apenas ficaria responsável 
por julgar se as leis estavam sendo cumpridas ou não. Uma 
ordem, como vemos, fundamentada numa desconfiança básica do homem e da 
humanidade, onde o primeiro e o segundo controlam o terceiro; o segundo e o 
terceiro controlam o primeiro; e assim por diante, formando um equilíbrio 
racional, como que de contrapesos.
            
Temos aí a origem da concepção dos três poderes fundamentais separados; 
legislativo, executivo e judiciário. Temos aí também a origem da concepção de um 
“Estado mínimo”, que até hoje encanta os liberais. Já que há necessidade de um 
poder maior, que ele seja o menor possível. E, mesmo esse, sempre dentro de um 
esquema de equilíbrio racional, ou de contrapesos. Tudo isso logicamente 
embasado numa desconfiança fundamental, que visa garantir que ninguém empunhe um 
poder muito grande. Isso porque, se todo homem é lobo de todo homem, então, 
“todo o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”, que é uma 
das máximas preferidas dos liberais até os nossos dias.
            
Vejamos outra citação da História das Doutrinas Políticas, que corrobora o 
panorama sintético sobre os primórdios do Liberalismo recém apresentado:
            
131 – “John Locke, nascido em 1632, morto em 1704, 
personificou as tendências liberais opostas às idéias absolutistas de Hobbes. 
Seu Ensaio sobre o Governo Civil foi publicado em 1690, menos de dois anos 
depois da segunda revolução inglesa, que havia ocorrido no fim de 1688. 
Compreende-se que, escrevendo em seguida a um acontecimento dessa importância, 
um escritor político tivesse necessidade de tomar posição e de tornar conhecida 
sua opinião a respeito da questão. Locke justifica a revolução.
            “O Ensaio sobre o 
Governo Civil é dividido em duas partes. Na primeira ele 
se dá ao trabalho de refutar Filmer. Na segunda, partindo das mesmas hipóteses 
que Hobbes, ou seja, admitindo um estado de natureza seguido de um pacto social 
(idéia comum a vários escritores dos séculos XVII e XVIII, como já vimos), chega 
a conclusões opostas às sustentadas por Hobbes. (...)
            
“É a Locke que se deve a elaboração quase completa da teoria dos três poderes 
fundamentais, mais tarde desenvolvida por Montesquieu.” (G. Mosca e G. Bouthoul, História das Doutrinas Políticas, p. 191-192)
            A Democracia 
Liberal Atual e o Sufrágio de Massa
            
É importante notarmos que ao longo de sua história a principal modificação que 
podemos observar na prática dos modelos de inspiração liberal, ou seja, nas 
democracias liberais, foi a gradual expansão das franquias que de início eram 
exigidas para o exercício do voto, até que chegou-se, 
geralmente já em pleno século XX, ao chamado voto universal. Essa gradual 
expansão em grande medida deveu-se aos movimentos sufragistas do século XIX e 
início do século XX.
            
Quanto às suas demais principais instituições, como os três poderes 
fundamentais, a pluralidade de partidos, a constituição inicial gerada por um 
pacto social, a economia de mercado (com ampla liberdade para os agentes 
econômicos), e a garantia de outras liberdades consagradas pela tradição liberal 
(os direitos políticos da pessoa, a liberdade de palavra, de imprensa, etc.), 
todas essas instituições encontram-se até os nossos dias 
preservadas e cultuadas sem modificações essenciais.
            
Em nosso século, então, devemos acrescentar a essas principais instituições 
liberais a do voto universal ou de massa, e não mais limitado por franquias 
pecuniárias, pelo sexo, ou quaisquer outras limitações. Isso desde muitas 
décadas se constitui em outro dos pilares dos modelos de organização de cunho 
liberal, ou seja, a noção de que todos são iguais em direitos e deveres e, 
portanto, a cada um deve corresponder um voto de igual peso (“um homem, um 
voto”).
            
O Igualitarismo num Padrão de Homem Sempre Egoísta
            
Embora ao longo de sua história essas principais instituições liberais tenham 
merecido o apoio e a corroboração de teorias um tanto diferentes, conforme 
podemos ler na obra muito ilustrativa A Democracia Liberal: 
Origens e Evolução, de C.B. Macpherson, é
importante notarmos que todas essas teorias, de um modo ou de outro, ficam 
dentro da concepção fundamental do homem como um ser em última análise egoísta, 
o qual, por maior que sejam as suas capacidades e a sua inteligência, sempre 
tratará de perseguir as suas satisfações pessoais, ou de seguir os ditames de 
seus interesses particulares.
            
Essa é a concepção de homem que até os nossos dias predomina amplamente entre os 
liberais. Na verdade, fora desse pano de fundo conceitual a sua instituição 
básica de uma ordem de contrapesos, isto é, uma ordem baseada em uma 
desconfiança universal, com os seus poderes fundamentais tanto quanto possível 
independentes entre si, bem como com a noção de um Estado mínimo, isto é, um 
poder central mínimo (devido à noção de que “todo poder corrompe”), tornam-se inconsistentes e ilógicas.
            
Ora, se todo o poder corrompe é porque todos os seres humanos são corruptíveis. 
E isso ocorre porque em todos os seres humanos predomina, sobre todos os outros 
valores, a defesa dos seus interesses particulares. Os seres humanos, portanto, 
por mais inteligentes que possam ser, são essencialmente egoístas ou, em resumo, 
todo o homem é lobo dos outros homens.
            
Muitos pensadores liberais argumentaram que (em vista desse estado de natureza, 
que faz com que todos se inclinem, sobretudo, a buscar a satisfação dos seus 
interesses privados) um modelo de organização social composto por essas 
principais instituições liberais significa a garantia de que será atingida a 
maior felicidade, para o maior número de pessoas. Convém salientar que todo esse 
modelo é coerente com suas premissas e que, caso suas premissas a respeito do 
ser humano fossem verdadeiras, esse modelo, de fato, seria o melhor que se 
poderia esperar para a humanidade.
            
A Crença no Fim das Ideologias
            
Em vista disto, e da enorme predominância alcançada pelo modelo liberal em todos 
os quadrantes e sobretudo, é claro, da popularidade de 
suas premissas entre a elite (inclusive entre a elite religiosa, pois, do 
contrário, esse modelo jamais teria atingido tamanha hegemonia), alguns teóricos 
liberais de nossos dias chegam a defender a idéia que chegamos ao que chamam de 
“fim das ideologias”.
            
Ou seja, uma vez que esse é o modelo mais perfeito para a humanidade, aquele que 
assegura a maior felicidade possível para o maior número e, como se não 
bastasse, é aquele que se encontra em aplicação na grande maioria dos países e, 
certamente, nos mais poderosos – que em vista de tudo isto, 
teríamos
chegado a um modelo definitivo, e que a partir daí todo o desenvolvimento futuro 
da humanidade se daria dentro desse modelo, significando, desse modo, o fim das 
lutas entre correntes de pensamento e entre modelos alternativos, ou seja, o 
“fim das ideologias”.
            
Certamente deve causar um certo mal estar a esses 
pensadores tão “otimistas” o fato de que apesar de termos alcançado uma visão 
verdadeira (e, portanto, definitiva) do ser humano e da humanidade, que apesar 
de termos chegado a um modelo permanente de organização político-social (e, 
portanto, bom e cientificamente consistente) – que apesar de tudo isso a 
humanidade se encontre no estado terrível em que se encontra. Talvez a sua 
faceta mais triste seja o fato de que a humanidade de nossos dias se encontra 
sem qualquer perspectiva concreta de superação desse quadro num horizonte 
previsível. Na realidade, o que temos bem claramente 
previsível à nossa frente é o agravamento crescente de problemas 
colossais.
            A Filosofia Perene e a Visão de Homem do Liberalismo
            
Passemos, então, a contracenar essas premissas do Liberalismo com a visão de 
homem da Filosofia Perene, a partir do que poderemos analisar as principais 
instituições das democracias liberais, as quais hoje organizam a vida sócio política da maioria dos países, e poderemos 
mostrar, desse modo, como dos seus equívocos e fracassos surgem os principais 
problemas mundiais.
            
No que diz respeito às suas premissas fundamentais, isto é, à sua visão de homem 
e de humanidade, o Liberalismo afasta-se completamente da Filosofia do Ocultismo 
sobretudo no ponto em que nivela a humanidade em um patamar de 
desenvolvimento evolutivo no qual, conforme examinamos, todos os homens são 
vistos
como possuidores de um estado psicológico egoístico semelhante. Para o 
Liberalismo todos os homens se encaixam dentro de um padrão muito parecido, ou 
seja, dentro de uma perspectiva de igualdade no nível evolutivo acima descrito, 
o qual apresenta como característica fundamental do ser humano a busca egoística 
do bem-estar individual.
            
Esse nivelamento – ou seja, essa premissa que afirma a existência de uma 
igualdade, ou pelo menos uma grande semelhança de nível evolutivo psicológico e 
moral, entre todos os seres humanos – é um traço central não apenas do 
Liberalismo, mas também, embora em outro nível e por caminhos diferentes, do 
Marxismo, conforme veremos mais adiante. Portanto, a noção da existência de um 
nivelamento ou igualdade psicológica é uma premissa absolutamente central, em 
torno da qual se desenvolveram, embora sob pressupostos diferentes, as duas 
correntes de pensamento que dominam o cenário atual do pensamento mundial.
            A esse respeito, podemos ler no 
Dicionário de Política (de N. Bobbio, et allie), que já Hobbes entendia que:
132 – “(...) todos os homens possuem fundamentalmente a 
mesma potência física e intelectual e que as diferenças são 
insignificantes.” (p. 598)
            
Ali também lemos que Hobbes afirmou no Leviatã (cap. XIII) que:
            
133 – “A natureza fez os homens tão iguais na capacidade física e intelectual, 
que qualquer pessoa pode matar, mas não superar outra em astúcia.” (p. 597)
            
Conforme mostramos antes, o Liberalismo nos seus primórdios parte de uma 
concepção de homem similar àquela do estado natural defendido por Hobbes, o qual 
se caracterizava pelo igualitarismo de capacidades. Dentro desse panorama, e uma 
vez que parte de uma visão similar de ser humano, torna-se perfeitamente lógico 
que o Liberalismo resulte na defesa de instituições políticas igualitárias, pelo 
menos em termos jurídicos formais, porque na prática sócio-econômica, é claro, o 
que observamos são diferenças enormes. Desse modo, podemos ler novamente no Dicionário de Política recém citado que:
            
134 – “O liberalismo clássico afirmava que (...) abolidos os privilégios e 
estabelecida a Igualdade de direitos, não haverá tropeços no caminho de ninguém 
para a busca da felicidade” (p. 604)
            
Uma vez assumida essa visão igualitarista (e nivelada, no caso do Liberalismo, 
num patamar egoístico) da psiquê humana, derivam-se dela, de forma perfeitamente 
lógica, as principais instituições do modelo liberal de organização político 
social, isto é, as principais instituições das chamadas democracias liberais.
            
Derivam-se logicamente, portanto, tanto a ordem de contrapesos dos três poderes 
fundamentais e a busca de um “estado mínimo”, quanto a garantia de uma igualdade de direitos e liberdades 
individuais e a regra política básica daí decorrente: o voto de massa, o “um 
homem, um voto” sendo exercido em todos os níveis, ou até o parlamento, no caso 
do parlamentarismo. Também decorre naturalmente daí uma defesa das liberdades 
econômicas, isto é, de uma economia de mercado, onde o Estado 
figura
apenas como mantenedor da fórmula de equilíbrio racional geral (as eleições, a 
legislação, a polícia, os tribunais, etc.). Esse liberalismo econômico decorre 
naturalmente da concepção de que todos são semelhantes em astúcia e que, 
portanto, todos são plenamente capazes de realizar todas as opções econômicas no 
mercado.
            
Se esse é um sistema tão lógico, como de um modo geral realmente 
é, então as suas falhas devem necessariamente estar contidas nos seus 
pressupostos básicos que, como dissemos, sempre estarão nucleados por uma dada 
visão a respeito do ser humano e da humanidade. E é exatamente aí, nessa visão 
igualitarista (e nivelada num patamar egoístico) da psiquê humana, que o 
Liberalismo diverge enormemente do panorama apresentado pela Filosofia Perene. 
Nessa última, como vimos,
a existência de uma Unidade subjacente e, portanto, de uma igualdade de 
dignidade e valor essencial do ser humano, ocorre simultaneamente a uma grande 
Diversidade de níveis psico-espirituais de evolução, que resultam em uma 
extraordinária Diversidade de capacidades e talentos.
            
Fraternidade Não Significa Igualdade de Capacidades
            
A perspectiva da Filosofia Esotérica, apresentada em capítulos anteriores, nos 
mostrou o quão distante da realidade se encontra a defesa de qualquer tipo de 
igualitarismo de capacidades manifestadas dentro da família humana. Nesse 
sentido, vemos claramente que, no que diz respeito às suas premissas 
fundamentais, o Liberalismo significa uma frontal negação desses fatos e, 
portanto, da lei da fraternidade universal da humanidade, a qual pode ser 
sintetizada como “Unidade na Diversidade”. Esse equívoco fundamental foi 
comentado pela Dra. Annie Besant nas duas passagens que citamos a seguir:
            
135 – “Se desejamos servir-nos do princípio da Fraternidade 
para solucionar nossas dificuldades, o que necessitamos primeiro fazer é tratar 
de compreender o verdadeiro significado da palavra Fraternidade. Pois 
bem, Fraternidade não significa de modo algum Igualdade, porque a Fraternidade é 
um fato na Natureza e a Igualdade não; e mais, a própria palavra Fraternidade 
sugere a constituição de uma família, onde se observa a desigualdade e a 
diferença dos de maior e menor idade, dos mais sábios e dos mais ignorantes, dos 
que dirigem e dos que obedecem. Assim é que, se o homem aspira a uma sociedade 
na qual seu lema seja a Igualdade, então o princípio da Fraternidade deve ser 
abolido. A desvantagem com que tropeça a criação de um sistema social em que a 
Igualdade seja a norma, é que ele se opõe a uma Lei da Natureza, a tal ponto que 
chega a parecer mais um mito do que uma realidade. (...)
            
“A desigualdade é um princípio da Natureza, porém a Igualdade jamais é, e seria 
perda de tempo construir um sistema social sobre as bases falsas da Igualdade, 
obra mais de alucinados doutrinários, cuja inutilidade se patenteia logo ao 
construir-se.” (A. Besant, A Fraternidade Aplicada às 
Condições Sociais, em O Teosofista, p. 254-260, mar-abr/1939)
            
136 – “Por acaso as almas são iguais? Desde o seu próprio nascimento elas trazem 
o cunho da desigualdade. Ah! De que serve iludirmo-nos com palavras vazias de 
sentido? De que serve dizer dos homens que eles nascem iguais, e falar de uma 
igualdade universal que a natureza nega? Existe, na verdade, muita desigualdade 
social que podeis remover. Mas essa é muito menos importante. É a desigualdade 
natural que é muito mais importante. E dessa muitos esquecem quando falam tanto 
de nações como de indivíduos. (...) Uma igualdade de oportunidades para todos – 
talvez a possais conseguir num futuro muito distante; mas uma igualdade de 
capacidades para as utilizar – isso nunca podereis 
conseguir. (...) De modo que temos que olhar de frente o fato de que 
Fraternidade não quer dizer igualdade, mas uma Fraternidade real de mais velhos 
e mais novos, uma grande família humana em que uns são muito mais velhos do que 
outros, e alguns são muito novos, muito ignorantes, e muito imprudentes. (...)
            “A história não volta atrás, mas repete-se em níveis superiores, e 
os princípios fundamentais podem reaparecer. O problema do momento é como 
achar o melhor homem, e depois como colocá-lo no poder. (...)
            “Ora, o nosso Ideal da Fraternidade aplicado ao Governo exige o 
poder para os mais cultos e não para os ignorantes (...) como encontrar os 
melhores? O Ideal é que sejam os melhores que governem; mas como 
encontrá-los, eis o problema. Cada um de nós que estuda deve tentar resolver 
esse problema, e as sugestões que aqui estou dando talvez contenham algumas 
indicações para essa solução.
            
“Mas não podereis resolvê-lo enquanto não compreenderdes a inutilidade da atual 
maneira de governar – ou de não governar – e enquanto não aceitardes o Ideal de 
que o Governo deve ser exercido pelos melhores. Quando concordarmos nisso, então 
poderemos reunir os nossos esforços para encontrar um meio de achar e escolher 
os melhores e colocá-los em situação onde bem sirvam ao país. E isso tem de ser 
feito por amor ao povo, ao povo que “perece por falta de sabedoria”, e que 
nunca, na sua ignorância, poderá se salvar.” (A. Besant, Os Ideais da Teosofia, p. 22-34)
            
Sem a Diversidade de Capacidades Não Há Fraternidade
            
Há uma passagem de E.F. Schumacher, o autor do 
best-seller
O Negócio é 
Ser Pequeno, na qual ele corrobora a conclusão aqui 
apresentada de que os equívocos inerentes às correntes hoje dominantes, que 
herdamos do século XIX, estão relacionados com o fato delas 
negarem a diversidade nos assuntos humanos:
            
137 – “Apesar de as idéias do século XIX negarem ou eliminarem a hierarquia de níveis no universo, a 
noção de uma ordem hierárquica é instrumento indispensável à compreensão. Sem o 
reconhecimento de ‘Níveis de Ser’ ou ‘Graus de Significação’ não podemos tornar 
o mundo inteligível. Talvez a tarefa do homem – ou simplesmente, se se preferir, 
a felicidade do homem – seja alcançar um grau superior de realização de suas 
potencialidades, um nível de ser ou ‘grau de significação’ mais elevado do que 
lhe advém ‘naturalmente’: não podemos sequer estudar essa possibilidade sem o 
reconhecimento prévio de uma estrutura hierárquica. Na medida em que 
interpretarmos o mundo através das grandes e vitais idéias do século XIX, 
permaneceremos cegos a essas diferenças de nível, por termos sido cegados.” (O Negócio é Ser Pequeno, p. 82)
            
Milênios atrás essa mesma noção geral, acerca da importância decisiva de uma 
clara percepção, bem como de um justo equacionamento e de uma harmonização das 
diferenças entre os seres humanos, foi afirmada pelo grande clássico da 
filosofia chinesa que é o I Ching. Lemos ali:
            
138 – “Acima o céu, abaixo o lago: a imagem da CONDUTA. 
Assim o homem superior discrimina entre o alto e o baixo e fortalece desse modo 
a mente do povo.
            “O céu e o lago evidenciam uma diferença de altitude inerente à 
essência dos dois, e que, por isso, não desperta inveja. Assim também 
entre os homens há, necessariamente, diferenças de nível. É impossível chegar a 
uma igualdade universal. Porém, o que importa é que as diferenças de nível na 
sociedade não sejam arbitrárias e injustas, pois nesse caso a inveja e a luta de 
classes inevitavelmente se seguiriam. Se, ao contrário, às diferenças de nível 
externo corresponderem diferenças de capacidade
interna, e o valor interno for o critério para a determinação da hierarquia 
externa, a tranqüilidade reinará entre os homens e a sociedade encontrará ordem.” 
(I Ching (Livro das Mutações), Richard Wilheim, p. 56)
            
A Importância de um Novo Modelo Organizacional na ST
            
Para concluir esse capítulo, parece muito oportuno chamarmos a atenção para o 
fato de que, por incrível que possa parecer, o apercebimento desses problemas 
fundamentais das instituições liberais raramente são compreendidos com clareza 
entre os espiritualistas de um modo geral, e mesmo entre os membros da Sociedade 
Teosófica em particular.
            
Em se tratando da Sociedade Teosófica isso é mais impressionante ainda, uma vez 
que seu primeiro objetivo fala justamente da criação de um núcleo da 
fraternidade universal da humanidade. Ou seja, da criação de uma instituição que 
fosse um exemplo para o mundo de modelo organizacional coerente com a lei da 
fraternidade universal da humanidade e, portanto, no qual as diferenças humanas 
pudessem ser harmonizadas. Ao invés disso, a ST geralmente copia as estruturas 
organizacionais do mundo liberal, e o seu próprio Presidente Internacional é 
eleito diretamente por meio da regra do voto direto e universal (ou de massa), 
isto é, por meio da regra liberal “um homem, um voto”, aplicada diretamente à 
eleição do Presidente Internacional.
            
Essa dura constatação, que por certo é parte do fracasso da Soc. Teosófica, 
torna-se perfeitamente compreensível se levarmos em conta a má 
compreensão generalizada de sua idéia mestra da fraternidade universal da 
humanidade, a qual, como já dissemos, ao invés de ser vista como uma lei da 
Natureza, quase que invariavelmente é concebida como uma virtude a ser 
desenvolvida, como o amor, por exemplo.
            
Em face da gravidade dessa má compreensão generalizada, como não considerá-la 
como um elemento decisivo para o fracasso da ST, uma vez que ela compromete o 
cerne do primeiro e mais importante dos objetivos da ST? Sim, porque esse é o 
objetivo que aponta para o dever de exemplificarmos, na prática, um novo modelo 
político-organizacional que possa inspirar a construção “de novas instituições 
de uma genuína e prática Fraternidade da Humanidade, onde todos se tornarão 
colaboradores da natureza” (K.H., ML, n. 6, p. 24). Em 
outra citação anterior dos Adeptos vimos que o sucesso na realização desse 
objetivo é a condição sine qua non para o sucesso na 
realização dos demais. Mais adiante voltaremos a essa questão ao examinarmos as 
linhas gerais do que seria um modelo organizacional coerente com a lei da 
fraternidade universal da humanidade.
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