A Roda e a Cruz

 

Om mani padme hum – Crhisti simus non nostri

 

A Roda e a Cruz

Encontro do Budismo com o Cristianismo

Base para uma fé (fides, fidelidade) verdadeira

Uma verdadeira fidelidade na sintonia com a Luz

A Luz no Alto e a Luz dentro de nós

 

A Roda e a Cruz

O Buda-Cristo em nós, esperança de Glória

Matriz da nova cultura do Humanitarismo

De uma doutrina social simples, justa e lógica

E das novas instituições para harmonia no mundo

 


No site www.anna-kingsford.com temos a obra A Verdade Viva no Cristianismo completa, com todos os capítulos já traduzidos ao português, bem como o original em inglês.

              A seguir temos as páginas de título e os capítulos VIII e IX dessa obra, sendo que o capítulo IX descreve a relação entre o credo do Buda e o credo do Cristo -- a Roda e a Cruz:

 

 

Tradução: Daniel M. Alves –
Revisão e edição:
Arnaldo Sisson Filho
[Embora o texto em inglês seja de domínio público, a tradução não é. Esse arquivo pode ser usado para qualquer propósito não comercial, desde que essa notificação de propriedade seja deixada intacta.]

 

 

The Living Truth in Christianity (A Verdade Viva no Cristianismo). Bertram McCrie. John M. Watkins, London: 21 Cecil Court, Charing Cross Road, 1915. 43 pp.

 

            Informação: Esta pequena obra foi escrita como uma introdução à mensagem dos verdadeiros profetas conhecidos nessa época como Anna Kingsford e Edward Maitland. Ou seja, foi escrita como uma introdução ao chamado Novo Evangelho da Interpretação, que é a doutrina para cuja restauração ao mundo, em especial ao Ocidente, eles foram os instrumentos. Nesse Evangelho da Interpretação o Cristo ergue-se novamente do sepulcro da tradição histórica, para viver e reinar na alma imortal do ser humano.

 

 

A VERDADE VIVA

NO CRISTIANISMO

 

De

Bertram McCrie

 

Um Sumário da

DOUTRINA CRISTÃ ESOTÉRICA

dada ao Ocidente pelo

NOVO EVANGELHO DA INTERPRETAÇÃO

 

LONDRES:

JOHN M. WATKINS

21 CECIL COURT, CHARING CROSS ROAD

1915

__________

 

 

 

CONTEÚDO

__________

 

Ao Leitor (01)

Frontispício (02)

 

Capítulo I (02-07)

– Cristo ou Caifás?

– A Alma É Maior que os Dogmas

– Pedras em Lugar de Pão

– Uma Religião Idealmente Perfeita

Capítulo II (08-11)

– Uma Casa Construída sobre Areia

– Um Novo Nascimento para o Cristianismo

“Vejam, Eu Estou com Vocês Sempre”

Capítulo III (11-14)

“Eu Sou Aquilo que Sou”

“No Início Era o Verbo”

“Sete Espíritos Diante de Seu Trono”

– O Pensamento Divino

Capítulo IV (14-16)

– Criação e Redenção

“Toda a Vida É uma Chama”

Capítulo V (16-19)

– A Criação da Alma

“Conheça a Ti Mesmo”

Capítulo VI (19-21)

– A Memória da Alma

“Assim Disse o Senhor”

Capítulo VII (21-22)

– A Quádruplo Rio do Éden

“Vós Sois o Templo do Deus Vivo”

Capítulo VIII (22-25)

“Aquilo que um Homem Semear”

“Feito Perfeito Por Meio do Sofrimento”

Capítulo IX (25-27)

– PUREZA, a Tônica Principal da Religião

“A Luz da Ásia”, e –

“A Luz do Mundo”

Capítulo X (27-31)

“Todos Vós Sois Irmãos”

– A Morte dos Inocentes

“Suas Mãos Estão Cheias de Sangue”

“Não Matarás”

Capítulo XI (31-33)

“A Letra Mata”

“O Espírito Dá a Vida”

Capítulo XII (33-36)

“Tais Coisas São uma Alegoria”

“Erga-se, Ó Alma, e Voe”

“Opere a Sua Própria Salvação”

Capítulo XIII (36-40)

– Uma Odisséia da Alma

– Iesous Chrestos, o Perfeito Sim de Deus

– Adorem Somente a Deus

Capítulo XIV (40-42)

“Três que Dão Testemunho no Céu”

“Façamos o Homem Segundo Nossa Imagem”

Capítulo XV (42-43)

“Até o Estado de um Homem Perfeito”

“Sede Vós Portanto Perfeitos”

 

Escrituras do Futuro: o Novo Evangelho da Interpretação (44-47)

O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo

– Vestida com o Sol; o Livro das Iluminações de Anna Kingsford

– A História de Anna Kingsford, Edward Maitland e o Novo

            Evangelho da Interpretação

– Anna Kingsford: Sua Vida, Cartas, Diário e Obra

– O Relato da Própria Bíblia a Respeito de Si Mesma

– Palestras e Ensaios sobre o Vegetarianismo

– Sonhos e Estórias de Sonhos

[Obras adicionadas pelo organizador do Site Anna Kingsford:]

– Intima Sacra; um Manual de Devoção Esotérica

– O Novo Evangelho da Interpretação

– Uma Mensagem à Terra

– O Credo da Cristandade: e outras Palestras e Ensaios sobre

            Cristianismo Esotérico.

 

 


(p. 01)

AO LEITOR
 

            ESTE pequeno livro se dirige especialmente ao grande e crescente grupo de homens e mulheres de pensamento elevado, os quais instintivamente se afastam do vazio do materialismo e do agnosticismo, mas, não obstante, descobrem que não podem satisfazer seu entendimento e alimentar adequadamente suas almas com o literalismo e os dogmas estabelecidos pela Igreja tradicional. Tais pessoas buscam na religião algo mais profundo do que uma “moralidade tingida de emoção”; sua suprema necessidade é encontrar dentro daquela fé cristã na qual nasceram todos os elementos essenciais da revelação divina.

            Por mais valioso que o estudo das religiões orientais possa ser para tais pessoas, lhes seria de maior auxílio conhecer que o Ocidente já possui a sua própria doutrina cristã esotérica, um núcleo vivo de verdade religiosa, estabelecido em certas escrituras que constituem verdadeiramente um “Evangelho da Interpretação”. Através de dificuldades e lutas o autor dessa pequena obra foi auxiliado pela luz interna que duas almas-profetas lançaram – no recuperado Evangelho – a respeito das próprias origens do ser e dos mais profundos enigmas da vida. Essa duas almas são conhecidas nessa época como Anna Kingsford e Edward Maitland. Na doutrina que eles foram os instrumentos para sua restauração ao Ocidente, o Cristo se ergue novamente do sepulcro da tradição histórica, para viver e reinar na imorredoura alma do homem.

            Que esta pequena obra possa levar alguns à “Descoberta de Cristo”, é a sincera esperança de seu autor.

                                                                                                                                    BERTRAM MCCRIE.

            LONDRES, Natal, 1915.

 


(p. 02)

            “No momento atual duas coisas a respeito da religião cristã devem certamente serem claras para qualquer um com discernimento em sua cabeça. Uma é que os homens não podem viver sem ela; a outra, que eles não podem viver com ela assim como ela está.” (MATTHEW ARNOLD, em God and the Bible (Deus e a Bíblia); Pref. p. xiv.)
 

            “A tônica principal da Religião é dada nas palavras ‘Meu reino não é desse mundo.’ Todos os seus mistérios e todos os seus oráculos estão concebidos nesse espírito, e da mesma forma devem todas as escrituras serem interpretadas. Pois qualquer coisa em Religião para ser verdadeira e firme deve ser verdadeira e firme para a Alma. A Alma é o verdadeiro e o único sujeito envolvido; e qualquer relação que a Religião possa ter com o corpo ou com o homem fenomênico é indireta, e apenas por correspondência ou analogia. É para a Alma que a Palavra Divina é escrita, e é sua natureza, sua história, suas funções, seus conflitos e sua redenção que são sempre o tema das sagradas narrativas, profecias e doutrinas.” (ANNA KINGSFORD, em The Perfect Way; or, the Finding of Christ (O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo); Lect. IV, par. 4.)

 

 

CAPÍTULO VIII
 

“Aquilo que um Homem Semear”
 

            1. (*) É A ALMA, portanto, que sendo o verdadeiro ego, continuamente adquire, anima e descarta
(p. 23)
cada uma das inúmeras formas de vida orgânica – vegetal, animal e humana – necessárias para seu crescimento em experiência e aperfeiçoamento através do sofrimento, até que, como Alma do Homem Regenerado, ela não mais necessite de corpos materiais neste ou em qualquer outro mundo, tendo alcançado a salvação.

            Pois a alma, para triunfar sobre e re-criar a matéria, deve ter pleno conhecimento da matéria. Para transcender e transmutar a forma ela deve ter completa experiência da forma. Após descer como ego até a criação, ela deve voltar a ascender por meio da emancipação de si mesma do poder do corpo.

            2. Uma vez que a alma se polarizou e se lançou para a vida dentro de um organismo, ela passa a estar sob a operação da lei de [Causa e] Conseqüência, ou Carma, e a partir de então ela cria para si mesma corpos ou formas que são, por natureza e tendências, o resultado exato de sua conduta pretérita.

            As capacidades para o bem ou para o mal de cada sucessiva encarnação física do ego do ser humano dependem das tendências – para o bem ou para o mal – estimuladas por ele como ego em encarnações passadas, e desse modo também é composta a relativa felicidade ou tristeza do ego nos períodos entre cada encarnação.

            A conduta do homem hoje está determinando suas próprias circunstâncias e características futuras, e o instrumento com o qual seu destino é moldado, o próprio homem o forja com o ferro de seus pensamentos e atos no crisol de seu caráter.

O homem é o resultado de seu pensamento – o Caráter é Destino. Essa é uma lei de eqüidade; nem gentil, nem cruel, apenas eternamente justa. Ignorar ou negar sua soberania traz infelicidade e perplexidade, compreendê-la e usá-la trás paz e segurança. Ela é a lei da hereditariedade espiritual para o verdadeiro ser.
 

“Feito Perfeito Por Meio do Sofrimento”
 

3. Assim, a doutrina fundamental da evolução é a antiga lei da progressão da alma através da transmigração, tendo o Carma como o meio tanto de aprisionamento quanto de libertação. Ele é para a maioria –
(p. 24)
até que a alma aprenda a distinguir entre o permanente e o transitório – um processo de sofrimento, ainda que todo o sofrimento venha de dentro e seja, portanto, um sofrimento merecido. E embora o sofrimento, no sentido da impermanência, seja inerente à natureza da existência – uma vez que a existência é uma parcial limitação ou afastamento do Ser ou Deus – ela é, contudo, o canal para a expansão da consciência, o caminha da iniciação para a alma. O sofrimento do ego no homem é um equivalente, uma oitava abaixo, do sofrimento de Deus na criação.

            O sofrimento individual e as tendências individuais jamais podem ser compreendidos sob a tênue luz de uma única vida física terrena, mas tão somente pela tocha da Reencarnação empunhada nas mãos do Carma. Portanto, embora seja difícil conceber a passagem da alma através do véu da matéria exceto pelo caminho do sofrimento e da experiência, é possível para o indivíduo organizar sua vida encarnada de tal modo que todo o sofrimento seja para ele como as asas de sua ascensão em direção ao Altíssimo.

            4. A causa do sofrimento e a raiz do pecado estão relacionados com a alma e não com a personalidade exterior. Essa causa é, em síntese, o desejo inferior. Ele se origina na negação pela alma da sua natureza espiritual, o abandono de seu centro divino para [buscar] as coisas dos sentidos, o desejo daquilo que não é Deus.

            Renunciando sua verdadeira identidade como substância espiritual ela, dessa forma, identifica-se com a natureza corpórea e, caindo sob o domínio da matéria, se distancia de seu anterior estado de pureza. Como a noção do certo e do errado é inerente à alma, ela tem a faculdade de escolher entre o interno e o externo, e é livre para assim escolher. Mas de sua escolha permanente depende tanto sua perpetuação final como parte do Espírito ou Ser de Deus, quanto a retirada definitiva do espírito que a anima, e sua conseqüente dispersão ou extinção como individualidade.

            O homem é, de fato, livre para aceitar ou negar a Deus –
(p. 25)
ele não é nenhuma marionete do Todo Poderoso – mas sua escolha é, no fim das contas, uma escolha entre o Ser e a aniquilação. A real ocorrência da última hipótese pode ser extremamente rara, porém a sua possibilidade não pode ser ignorada em uma concepção da existência que não é nem arbitrária nem mecânica.

NOTAS

(22:*) N.T.: Essa numeração indica os parágrafos no original, em inglês.

 

 

CAPÍTULO IX
 

PUREZA, a Tônica Principal da Religião
 

            1. (*) CHEGAMOS agora a um ponto [na trajetória evolutiva da alma] em que a religião comumente passa a ser um fator de relevância prática na vida do homem. Como poderá o homem – como um ser humano que vive num mundo de sentidos – superar o sofrimento e a tristeza nascida de sua passagem por esse mundo e conduzir a sua existência da melhor forma possível, e, tornando-se consciente de sua natureza divina, estabelecer relações diretas e palpáveis entre si mesmo e Deus? “Fazendo a Vontade de Deus”, assim responde a religião.

            Como a Vontade Divina somente pode ser aprendida individualmente por meio da alma, e a alma somente pode perceber e transmitir aquela Vontade em sua inteireza e verdade quando ela própria está íntegra e pura, segue-se que o cerne de toda a Religião está sintetizado na idéia da Pureza, e a única forma de salvação é sua prática no mais alto grau dentro do sistema e da alma do homem. (1) Desse modo o propósito imediato da religião – quando digna desse nome – foi sempre de alguma forma estimular o homem em direção à pureza de vida, e a diferença entre um sistema religioso vivo e um morto
(p. 26)

é que o primeiro visa constantemente a purificação daquela vida interior e real do homem, a qual é a alma, enquanto que a segunda passou a se contentar com um padrão superficial de moralidade, a ser observado somente pelo homem externo.

            2. Agora, uma das mais deploráveis características do Sacerdotalismo é sua habitual intolerância a todas as outras formas de fé e sistemas religiosos, a despeito de sua antiguidade, autenticidade, semelhanças fundamentais e credibilidade.

            O Sacerdotalismo não os vê como amigos, mas como rivais e inimigos; que não devem ser entendidos, apreciados e – ao menos em parte – assimilados, mas que devem ser ignorados, depreciados e contestados.

            Essa atitude é justificada pelo Sacerdotalismo como sendo zelo por seus próprios princípios particulares, mas isso, na verdade, não é nada mais que intolerância nascida da ignorância. Contudo, essa é uma atitude que no longo prazo é fatal para a existência do próprio Sacerdotalismo, por conter em si um elemento de autodestruição.
 

“A Luz da Ásia”, e –
 

            3. Exatamente essa atitude em relação àquele sistema religioso em particular denominado de Budismo, que precedeu o advento do Cristianismo por cerca de cinco ou seis séculos, tem sido algo próximo de uma atitude suicida ao real sucesso do Cristianismo, tendo se provado desastrosa para sua capacidade de influenciar a todos, exceto aos ignorantes e elementares, aos preconceituosos, e às classes conservadoras ainda dominadas pelo Sacerdotalismo.

            Pois o fato é que a doutrina de Buda, com suas Quatro Nobres Verdades, e seu Nobre Óctuplo Caminho, sua ilimitada compaixão em relação a toda a vida senciente, seu lógico ensinamento ético de desenvolvimento através da conquista de si mesmo e da autocultura, sua simples e não obstante profunda análise do sofrimento e da tristeza com o método da libertação desses estando disponível a todos, sua regeneração completa da mente, seus elevados código de moralidade e padrão de tolerância, paz e caridade – essa doutrina é a indispensável precursora e intérprete da doutrina de Cristo. Em resumo, não são dois Evangelhos, mas
(p. 27)
dois aspectos, o externo e o interno, de um mesmo Evangelho. Pois o Budismo encontra sua tradução e complementação no Cristianismo, e o Cristianismo encontra sua concepção e seu alicerce no Budismo.
 

“A Luz do Mundo”
 

            4. Visto dessa forma, o Cristianismo, como religião, assume a obra de aperfeiçoar o homem em seu coração, a partir daquele grau de regeneração parcial a que o Budismo, como filosofia, já o conduziu em sua mente; e assim o Cristianismo descreve e trata apenas dos estágios finais de todo o grande trabalho.

            Se isso fosse reconhecido, as sérias deficiências referentes às bases, e aquelas falhas racionais, intelectuais e morais que confrontam os estudantes ponderados e imparciais do sistema cristão, seriam amplamente reconhecidas, e um passo adiante seria dado em direção à reabilitação, enquanto um todo vivo, da tão mutilada fé.

            Quão pouco conhecem o Cristianismo aqueles que conhecem somente um Jesus histórico, e deixam de levar em conta o caminho de Buda, como uma escada que deve ser subida para que se alcance o estado de Jesus!
 

NOTAS

(25:*) N.T.: Essa numeração indica os parágrafos no original, em inglês.
(25:1)
Para adaptar a frase de Henry David Thoreau, há em nossos dias escolas de ocultismo e volumes sobre o misticismo, mas há poucos místicos. Quantos desses professores e escritores sequer começaram a compreender que a indulgência em tais desejos como os que se expressam no apetite pelas carnes, pelo álcool e pelo tabaco – para citar apenas três desejos luxuriosos do corpo – são inimigos do crescimento e da purificação da alma? No entanto, a eliminação de tais impurezas, como Buda indicou, é um passo preliminar e essencial no caminho da regeneração até mesmo do mais elementar dualismo entre o corpo e a mente.

 

 

 

A RODA

 

 

 

 

 

Pouco após a sua Iluminação, o Buddha ("O Iluminado" ou “O Desperto”), proferiu o seu primeiro discurso definindo a estrutura básica sobre a qual se baseariam todos os seus ensinamentos seguintes. Essa estrutura básica são as Quatro Nobres Verdades, quatro princípios fundamentais da natureza (Dharma) que emergiram da avaliação honesta e profunda que o Buddha fez da condição humana e que definem toda a abrangência da prática Budista. Essas verdades não são afirmações de fé. São na verdade, categorias nas quais podemos enquadrar nossa experiência de tal forma a criar condições para a Iluminação:

 

1- A Existência do Sofrimento

 

2- A Causa do Sofrimento: o Apego

 

3- A Extinção do Sofrimento: a Eliminação do Apego

 

4- O Caminho que Leva à Extinção do Sofrimento: o Nobre Caminho Óctuplo, composto por entendimento correto, pensamento correto, linguagem correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção plena correta e concentração correta.

 

 

 A Existência do Sofrimento

 

Toda existência senciente implica em sofrimento (Duhkha). Por "sofrimento", devemos entender que, de uma forma essencial, todo ser está mergulhado em algum tipo de ignorância consciencial. Isso implica que a maioria dos seres humanos "sofrem" por não saberem lidar com a existência de forma equilibrada, seja nas experiências consideradas "prazerosas" ou nas consideradas "dolorosas". O sofrimento ignorante é fundamentado pela angústia da frustração egóica, que se prende em um sem-número de expectativas lineares e ilusoriamente permanentes. Portanto, nós seres humanos sofremos de uma "doença" psico-espiritual, de consciência, que nos leva a lidar com os contatos perceptivos de forma frustrante.

 

Há oito espécies de sofrimento: nascimento, velhice, doença, morte, contato com o que detestamos, separação do que amamos, objetivos inalcançáveis e o sofrimento inerente ao apego aos cinco agregados (elementos psicofísicos: forma, sentimentos, percepção, constituintes mentais e consciência).

 

Coletivamente são chamados de numa (nome) e rupa (forma). Assim o composto de nome-forma é um sinônimo dos cinco agregados. Tanto os agregados físicos como mentais são caracterizados pela impermanência, sofrimento e não-eu.

 

A Causa do Sofrimento

 

O sofrimento ocorre pelo desejo ignorante (Trshna). Aqui temos a base de todo processo ilusório no qual os seres sencientes estão presos. No plano humano, o desejo ignorante ocorre em função de um estado de delusão ou "não-sabedoria" (avidya). Esta condição é um estado natural nos seres em sua origem, mas que não é impossível de ser superada à medida em que um ser humano esforça-se em direção à reflexão.

 

O desejo pode ser classificado em três tipos, baseados nos três modos de identificação egóica: Apego (o desejo projetado como forma de anseio passional), Aversão (o desejo projetado como forma de rejeição odiosa) e a Indiferença (os apegos e aversões desviados repressivamente em uma atitude de falso alheamento). a Verdade da Causa do Sofrimento a palavra da Índia traduzida como "causa" significa "vir junto, formar-se conjuntamente e surgir, aparecer".

 

 

A Extinção do Sofrimento

 

É possível superar o sofrimento. Embora os processos racionais e sociais sejam muito viciantes e arraigados em nosso complexo psico-emocional, Buddha afirma que eles podem ser superados, e que uma forma nova de visão e percepção do mundo é possível.O Sutra define a Verdade da Extinção do Sofrimento como a eliminação dos apegos e o estado de Nirvana.

 

Sutras primitivos descrevem Nirvana como eliminação das máculas, extinção da ganância, raiva e ignorância. Neste contexto a extinção do sofrimento é Nirvana.

 

 

O Caminho para a Extinção do Sofrimento: O Nobre Caminho Óctuplo

 

A última das Nobre Verdades contém a prescrição de como aliviar nossa insatisfação e alcançar a eventual libertação, de uma vez por todas, desse ciclo de vida e morte (samsara) doloroso e desgastante ao qual – pela própria ignorância (avijja) das Quatro Nobres Verdades – estamos presos por tempos incontáveis. O Nobre Caminho Óctuplo oferece um guia prático e completo para o desenvolvimento mental de qualidades e habilidades benéficas que devem ser cultivadas se o praticante desejar alcançar o objetivo final, a liberdade e felicidade supremas, o Nirvana. Embora estudados individualmente cada aspecto faz parte de um todo orgânico e indivisível.

 

Ponto de Vista Correto - sabedoria e compreensão das Quatro Verdades Nobres e da Origem Interdependente. Alguns consideram como Fé Correta, para os de pouca experiência que ainda não adentraram o nível da sabedoria superior.

 

Pensamento Correto - pensamento ou determinação que precede ação ou fala. Para uma pessoa ordenada é a prática do pensamento correto através da mente cada vez mais gentil, compassionada e pura. Para os leigos é pensar corretamente sobre sua situação e agir determinadamente de acordo.

 

 

Fala Correta - surge do pensamento correto. Não mentir, não usar linguagem pesada, não falar mal dos outros, não caluniar, não falar frivolamente e usar a fala beneficiando a todos e conduzindo à harmonia, pela ternura que nutre a todos os seres.

 

 

Ação Correta - surge do pensamento correto. Não matar, não roubar, não cometer adultério. É praticar boas ações como a de proteger e cuidar de todos os seres, observando os valores éticos.

 

Meio de Vida Correto - conduta correta na maneira de viver, de se manter, com hábitos regulares e saudáveis de dormir, comer, trabalhar, fazer exercícios, descansar. Viver de maneira a melhorar a saúde, ser mais eficiente e criar harmonia, eficiência e saúde para todos. Ter meios de vida que considerem outros seres, outras formas de vida, o respeito e dignidade próprios e dos outros presentes e passados, as futuras gerações, a sustentabilidade e a melhor qualidade da vida.

 

Esforço Correto - dedicar-se constante e assíduamente ao caminho de obter os ideais de fé religiosa, ética, educação, política, economia e saúde produzindo e aumentando o que é bom e prevenindo e eliminando o que é mal.

 

Atenção Correta - manter-se atento garante que com a correta consciência e percepção nunca sejam esquecidos os objetivos ideais de fazer o bem a todos os seres. Na vida diária é agir com cuidado e atenção, pois qualquer momento desatento pode causar um desastre. Do ponto de vista Budista tradicional significa manter constante atenção à impermanência, sofrimento, não-eu.

 

Concentração Correta - aqui a referência é aos Dhyanas ou estados meditativos. Manter a mente calma e concentrada para permitir a manifestação da sabedoria completa e verdadeira a partir da qual surgem os pensamentos e ações corretas. Manter a mente clara e brilhante em tranqüila atividade.

 

Na prática, o Buddha ensinou o Nobre Caminho Óctuplo aos seus discípulos de acordo com um sistema de treinamento gradual, iniciando com o desenvolvimento de sila ou virtude (linguagem correta, ação correta e modo de vida correto, que na prática estão resumidos nos cinco preceitos), seguido pelo desenvolvimento de samadhi ou concentração (esforço correto, atenção plena correta e concentração correta), culminando com o pleno desenvolvimento de pañña ou sabedoria (entendimento correto e pensamento correto). A prática de dana (generosidade) serve como um apoio para cada passo ao longo do caminho já que atua como um auxiliar na corrosão da tendência habitual ao desejo e também porque pode trazer grandes ensinamentos sobre as causas e resultados das ações de cada pessoa (kamma).

 

O progresso ao longo do caminho não segue uma trajetória linear simples. Em vez disso, o desenvolvimento de cada aspecto do Nobre Caminho Óctuplo encoraja o refinamento e fortalecimento dos demais, levando o praticante adiante em uma espiral ascendente de maturidade espiritual que culmina na Iluminação.

 

Vendo por um outro ângulo, a longa jornada no caminho para a Iluminação tem início a sério com os primeiros sinais de alguma movimentação na questão do entendimento correto, os primeiros lampejos de sabedoria através dos quais a pessoa reconhece tanto a validade da Primeira Nobre Verdade e a inevitabilidade da lei do kamma (sânscrito karma), a lei universal de causa e efeito. A partir do momento que a pessoa se dá conta de que más ações inevitavelmente trazem maus resultados e que boas ações trazem bons resultados, o desejo, de viver uma vida moralmente correta e íntegra, de adotar seriamente a prática de sila, cresce. A confiança criada a partir desse entendimento preliminar leva o praticante a ter ainda mais fé nos ensinamentos. O praticante se torna um "Budista" a partir do momento em que expressa uma determinação interior de "tomar o refúgio" na Jóia Tríplice: o Buddha (tanto o Buddha histórico como o potencial de cada um de alcançar a Iluminação), o Dhamma (tanto os ensinamentos do Buddha histórico e a verdade última que eles revelam), e a Sangha (tanto a comunidade monástica que protegeu os ensinamentos e os colocou em prática desde os tempos do Buddha como todos aqueles que alcançaram algum grau de Iluminação). Tendo fincado firmemente os pés no solo através da tomada do refúgio e, com o auxílio de um bom amigo para ajudar a indicar o caminho, a pessoa estará pronta para trilhar o caminho, confiante de que estará seguindo as pegadas deixadas pelo próprio Buddha.

 

Algumas vezes o Budismo é ingenuamente criticado como uma religião ou filosofia negativa ou pessimista. Apesar de tudo (esse é o argumento utilizado) a vida não é somente miséria e desapontamento: ela oferece muitos tipos de alegria e felicidade. Porque então existe essa obsessão pessimista no Budismo com a falta de satisfação e o sofrimento?

 

O Buddha baseou os seus ensinamentos em uma franca avaliação da nossa situação como seres humanos: existe falta de satisfação e sofrimento no mundo. Ninguém pode contestar esse fato. Se os ensinamentos Buddha parassem por aí, os seus ensinamentos poderiam de fato ser considerados pessimistas e a vida totalmente sem esperança. 

 

Porém, como um médico que prescreve o remédio para uma enfermidade, o Buddha oferece a esperança (a Terceira Nobre Verdade) e a cura (a Quarta). Os ensinamentos do Buddha portanto permitem ter um alto grau de otimismo em um mundo complexo, confuso e difícil. Um professor contemporâneo resumiu bem: "Budismo é a busca da felicidade levada a sério".

 

O Buddha alegava que a Iluminação que ele redescobriu está acessível a qualquer um que esteja disposto a fazer o esforço e comprometer-se a seguir o Nobre Caminho Óctuplo até o fim. Cabe a cada um de nós colocar essa afirmação à prova.